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Golpe Militar e oligopolização da televisão

2. Efeitos conjunturais em Pernambuco

2.1. Golpe Militar e oligopolização da televisão

Dada as relações tensas vinculadas às disputas no campo e às greves deflagradas no setor canavieiro, que marcavam aquele período em Pernambuco, um grupo de empresários decretou um lockout e, a fim de concretizá-lo, reuniu-se no Clube internacional do Recife, quando, na ocasião, chegou a discutir a possibilidade de assassinar o governador Miguel Arraes, dada a forma inclusiva com que ele tratava os trabalhadores. Por causa disso, no dia 3 de março de 1964, Arraes, às 22h, usou a televisão para falar aos pernambucanos. No seu pronunciamento, o governador disse que do lockout não participariam os 10 mil feirantes do Recife, que tinham ido ao Palácio do Campo das Princesas lhe anunciarem que abasteceriam a cidade. Da mesma maneira, haviam se comportado pequenos comerciantes. Os empresários desistiram do lockout. (ROZOWYKWIAT, 2006). Alguns dias depois, já passado o célebre comício da Central do Brasil, que ocorrera no dia 13 de março, quando o presidente João Goulart se comprometera com as reformas de base, o governador de Minas Gerais, Magalhães Pinto, procurou Assis Chateaubriand levando às mãos um manifesto à nação contra Jango que ele pretendia lançar, com assinaturas dos governadores e, para isso, iria contatá-los, inclusive Miguel Arraes, de Pernambuco, e Seixas Dória, de Sergipe, ambos ligados às esquerdas. Antes, Magalhães, porém, foi pedir a opinião de Chatô sobre o documento proposto.

Com a voz quase inaudível de sempre, o jornalista desculpou-se, dizendo que estava meio afônico, com pouco fôlego, e pediu a um enfermeiro que fizesse pressão sobre o seu esôfago para que a voz saísse melhor. Com um sorriso maroto nos lábios, em vez de qualquer palavra ele soltou um sonoro peido, e, diante do olhar atônico de todos, declarou risonho:

- Essa é a única resposta que posso dar a um manifesto que tem a assinatura de Seixas Dória e de Miguel Arraes (MORAIS, 2005, p. 649).

O manifesto não foi à frente. Dias depois, em 1º de abril, o golpe militar derrubou Jango. O governador Miguel Arraes e o prefeito Pelópidas Silveira foram depostos e presos. Presos também foram os jornalistas do Última Hora, que foi fechado. Assim, na imprensa recifense, sobrava, como nos tempos antigos, afora alguns periódicos e rádios menores, os Associados e o Sistema Jornal do Commercio2. E, nesses dois grupos, os resultados do uso do videoteipe começavam a fazer efeito.

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O Jornal do Commercio tinha sucursais ou correspondentes em todas as capitais do Nordeste, bem como no interior de Pernambuco e em Brasília. A maioria, criadas por Ivanildo Sampaio, aquele do Nordeste Confidencial, da TV Jornal do Commercio. Ivanildo assumiu, em

As emissoras continuavam independentes para alugar VTs de quem desejasse. Entre a introdução do VT e a implantação das redes, ainda se acreditava num troca-troca televisivo, em que programas gravados no Recife, por exemplo, seriam exibidos no sul-sudeste, e vice- versa. Um raciocínio que se demonstrou ingênuo, por desconhecer os efeitos da introdução de inovações tecnológicas que exigem produção centralizada, dada a complexidade e alto custos dos equipamentos. São Paulo e Rio absorvem quase totalmente a produção de programas, restando para os outros centros urbanos o direito (ou possibilidade?) de recepção (KEHL, 1986, p. 87).

Os Associados é quem melhor tinha condições de exercer alguma supremacia, pelo número de emissoras que possuia. Os problemas de relacionamentos internos, as más administrações e a entrada atrasada deste grupo em relação ao uso do VT impediam, porém, que essa supremacia se concretizasse. “O que acontecia na prática? As emissoras do condomínio Associado, situadas em outros estados, adquirem indiscriminadamente teipes da Globo, Excelsior ou Record, deixando de lado, muitas vezes, os programas gerados na Tupi do Rio ou SP. Por volta de 1967, vários programas já são exibidos nas principais capitais do país, (...) na base transporte aéreo...” (KEHL, 1986, p. 76).

Em Pernambuco, o processo de centralização produtiva através do videoteipe fez com que, aos poucos, a programação local fosse diminuindo e sendo trocada por programas provenientes do eixo Rio/São Paulo. Isso trouxe graves prejuízos ao mercado de trabalho de televisão local. Muitos dos artistas foram – ou por conta própria ou convidados – migrando para o eixo Rio/São Paulo. Outros procuraram outros empregos, a maioria deles, em outra área profissional. A revista Canal, em sua edição nº 9, de outubro de 1964, seis meses após o golpe, registrava:

De uns tempos para cá, têm sido inúmeras as transferências de artistas e técnicos locais para as TVs do Sul do país. Primeiro seguiram José Santa Cruz, Lúcio Mauro, Arlete Sales e A. G. Melo Júnior. Depois, foi a vez de outra caravana: Luiz Quiroga, Aguinaldo Batista, Luiz Jacinto, Amarílio Nicéas, Genival Lacerda, Esther Wolkoff, José Augusto, Renato Silva, Hilton Marques, Jorge Ramos, Fernanda Simões, e já agora se prenuncia uma nova retirada de artistas e técnicos, cujos nomes figuram na lista das futuras contratações da Bandeirantes e TV Globo, com inauguração marcada para o começo do próximo ano. Conseguimos, por outro lado, o nome de alguns profissionais que estão sendo visados: Jorge José, Albuquerque Pereira, Antiógenes Tavares, Adelmo Tiné, Penha Maria e José Leão (SANTANA, 2007, p. 91).

Em 1965, a TV Rádio Clube desativou o seu teleteatro, em função da criação, pelos Associados, do telecentro, núcleo que funcionaria no Rio de Janeiro - sob a coordenação de José

1966, a editoria regional e comandou esta ampliação do jornal que tinha bastante importância regional. As vendas nessas cidades eram altas, mesmo existindo nelas, jornais locais. Na equipe de Sampaio, um jovem repórter, Roberto Menezes.

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Bonifácio Sobrinho, o Boni, que saiu logo depois - e que produziria e distribuiria programas para as emissoras do grupo. O projeto acabou não tendo êxito. Segundo Hilton Marques, “por escassez de recursos, já que algumas praças não pagavam o estipulado, e outras, como São Paulo, simplesmente não exibiam os programas” (SANTANA, 2007, p. 223). Uma das atrizes que, por causa do telecentro, migrou para o Rio de Janeiro foi Arlete Sales, conforme seu depoimento: “Saí de lá [do Recife] porque a programação da TV onde eu trabalhava começou a receber do Sul outra toda pré-fabricada, toda já gravada. A situação dos atores da terra começou a se complicar. Ficamos sufocados ...” (SANTANA, 2007, p. 193). Rosa Maria, atriz, se enquadra entre a grande maioria dos que ficaram em Pernambuco e transitaram entre a área artística e outros campos profissionais. É ela que conta como foi dada a notícia da desativação do teleteatro da TV Rádio Clube: “O término foi cruel (...) ...estávamos ensaiando (...) e o diretor mandou chamar o elenco e disse: ‘a partir de amanhã não existe mais teleteatro...’ (...) ‘Porque o telecentro começa a funcionar em rede para o Brasil. (...) ...vai gerar a programação todinha do Sul’ (...), e nós ficamos boquiabertos, surpresos, decepcionados, chorando, tristes, e... dizer o quê? Fazer o quê?” (SILVA, 1998, p. 83).

A TV Jornal do Commercio, no entanto, tentava se inserir no novo cenário. O senador F. Pessoa de Queiroz já montava uma emissora em Salvador e negociava a compra da TV Rio, de onde ele esperava gerar a programação nacional de sua futura rede Jornal do Commercio. Por causa disso, Pessoa de Queiroz não aceitou a proposta de sociedade que Roberto Marinho lhe fez. Já prevendo a programação em rede, sabendo da excelência das instalações e da popularidade e prestígio da emissora pernambucana, Marinho queria assumir o controle acionário da TV Jornal do Commercio, comprando 51% das ações. Com F. Pessoa no Senado, o sistema Jornal do Commercio era administrado pelo seu filho, Paulo Pessoa de Queiroz que, sobre o pai, falou: “Jamais conheci alguém tão apaixonado por uma terra como ele foi por Pernambuco. Quando ele consolidou (...) as emissoras de rádio e tinha (...) os dois mais importantes jornais da região, resolveu investir na TV. Mas queria ser diferente de (...) Chateaubriand, trabalhar sem improvisações (...). Pensava numa TV igual às grandes (...) do mundo” (SANTANA, 2007, p. 367).

As duas emissoras seguiam com parte de suas programações em videoteipe. Os teleteatros e novelas continuavam na TV Jornal do Commercio, embora as principais estrelas da emissora, que eram sempre assediadas pelo público nas ruas, já tivessem migrado para o Rio de Janeiro ou

São Paulo. Na TV Rádio Clube, com o insucesso do telecentro, o teleteatro foi reativado de forma muito tímida, com um número bem inferior de peças e de artistas. Em 1967, talvez o projeto mais ousado da história da televisão pernambucana, foi ao ar a novela A Moça do Sobrado Grande, produzida em videoteipe com várias cenas externas. Sobre tal produção, segue depoimento de Jorge José B. Santana, diretor da novela:

A direção da emissora me entregou a responsabilidade de produzir e dirigir (...). A trama era vivida o ano de 1945. Achei que ganharia mais riqueza plástica e daria mais autenticidade ao enredo recuando mais um pouco no tempo. O guarda-roupa seria suntuoso, haveria charretes desfilando com os senhores da época, mocinhas envergonhadas diante do beijo do sedutor galã, a singeleza e a beleza das mucamas e a truculência dos “coronéis” nordestinos. (...)

Tratava-se de uma trama de amor, intrigas e paixões desenfreadas, cuja ação tinha como principal cenário o interior de um casarão, considerado o mais rico e suntuoso de uma pequena cidade pernambucana. Os dramas e emoções eram frutos da rivalidade existente entre duas tradicionais famílias, que disputavam o domínio das terras e da produção da cana-de-açúcar. Em torno do tema central giravam problemas e costumes do povo nordestino. (...)

Quase três meses foram necessários para montar a produção da novela. Logo em seus primeiros capítulos, constatava-se a aceitação do público. Cartas, telefonemas e cumprimentos na rua aos atores representavam a significativa audiência conquistada pela emissora naquele horário (SANTANA, 2007, p. 86).

O sucesso dessa novela se comprova nas gravações do último capítulo, no Mosteiro de São Bento, em Olinda. Lá, ocorreu o casamento de Laura de Castro e Silva e Roberto Azambuja, personagens vividos pelos atores pernambucanos Carmem Peixoto e Jones Melo, aquele que estudou com Alceu Valença. As ladeiras da cidade histórica estavam lotadas de pessoas que queriam ver a “cerimônia”. Os dois atores tiveram que ficar “rodando” dentro de um carro, até conseguirem acesso ao Mosteiro. Em seguida, a glória: A Moça do Sobrado Grande foi levada ao ar, ainda em 1967, pela recém-inaugurada TV Bandeirantes, canal 13, de São Paulo. No início, apenas aos sábados. Mas o sucesso foi tanto que a partir do 6º capítulo, passou a ser de segunda a sexta, de noite, antecedendo Os Miseráveis, principal produção da emissora paulista. Foram 106 capítulos. A novela inaugurou, na TV Jornal do Commercio, ainda que de forma tímida, a contabilização dos custos de uma produção, ou seja, a emissora pôde ficar sabendo o “preço” da novela. Antes, as despesas entravam no conjunto geral de compromissos da emissora sem pontuarem as origens (SANTANA, 2007).

Animado com o sucesso, Jorge José B. Santana levou à direção do canal 2 o orçamento - agora já se tinha esta prática - de Fazenda de Lágrimas, com 120 capítulos. Paulo Pessoa de Queiroz havia colocado, na direção da emissora, Pereira Lima, executivo que representava o

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Sistema Jornal do Commercio em São Paulo. Disse Pereira Lima, ao analisar o orçamento: “Sem condições. Não temos capacidade financeira para bancar essa despesa” (SANTANA, 2007, p. 90). Jorge José B. Santana insistiu, sem sucesso. Na visão de Santana, a novela poderia atrair patrocinadores nacionais, dado o sucesso de A Moça do Sobrado Grande. Seu raciocínio era que, pelo fato dos custos de sua produção serem menores que as realizadas pelas emissoras do Rio de Janeiro e de São Paulo, poderia haver um interesse dos patrocinadores na construção de um centro produtor no Nordeste. Como ainda não havia as redes, via Embratel, a novela poderia, a exemplo do que ocorrera com a anterior, ser mostrada por emissoras de outras cidades, diminuindo os custos da produção. “Encerrava-se, assim, de forma melancólica, um ciclo tão importante para a classe artística pernambucana” (SANTANA, 2007, p. 90).

Em 1968, os programas de auditório, principal característica da TV Jornal do Commercio, foram todos extintos, vencidos pelas programações nacionais, em videoteipe. Mas a emissora ainda insistiu com novos formatos de auditório, agora em linhas bem populares, muito diferente do que ocorria antes. Um deles foi Expresso da Alegria, sob o comando do deputado Alcides Teixeira, que distribuía cadeiras de rodas, remédios e alimentos. Outro foi Jorge Chau Show, que manteve bons índices de audiência, em razão dos calouros que se apresentavam (SANTANA, 2007).

Também em 1968, chegou ao fim o Repórter Esso, dois anos antes de ser encerrado o de São Paulo e o do Rio de Janeiro. Em seu lugar, a TV Jornal do Commercio pôs o Repórter

Banorte, antigo banco regional com matriz no Recife. Na apresentação do novo telejornal, Cícero de Moraes. Isaltino Bezerra, que era do Repórter Esso, continuou na equipe de produção e redação. Ficou no ar até 1972.

O ano de 1968 foi também o ano em que o jornalista pernambucano Eurico Andrade, aquele que trabalhava no Ultima Hora, agora editor da Revista Realidade, de São Paulo, ganhou o Prêmio Esso de Reportagem com Eles Estão com Fome, considerada, nos dias de hoje, uma das 10 reportagens que abalaram a ditadura. Eurico, em 1964, fora para São Paulo, fugindo das perseguições que sofrera.