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3. TV Globo Nordeste na segunda metade da década de 90

3.5. Paixão da Globo

A Globo Nordeste era a responsável por todo o plano de comercialização da Paixão de Cristo, em Fazenda Nova – nesse momento com o status de maior teatro ao ar livre do mundo, com mais de 70 mil metros quadrados e 70 torres de 7 metros. A encenação tinha 50 atores e mais de 500 figurantes. A emissora já vinha patrocinando o evento desde 1977 e o Departamento de Jornalismo cobria-o com entradas ao vivo. No entanto, a participação, a partir de 1997, de artistas globais interpretando os papéis principais causou uma celeuma no meio cultural pernambucano.

O espetáculo começou a ser encenado em 1951. A partir de 1963 foi suspenso para a construção da cidade-teatro. Em 1968, iniciam-se as apresentações na cidade de pedra. No ano seguinte, 1969, José Pimentel, que trabalhava na peça como ator desde os anos 50, assume a direção. A partir 1978, Pimentel passa também a interpretar Jesus Cristo, situação que se repetiu 19 vezes, até 1996. Para o espetáculo de 1997, o presidente da Sociedade Teatral Fazenda Nova (STFN), Plínio Pacheco, a poucos meses do espetáculo, dispensou os préstimos do ator e diretor pernambucano e foi em busca dos globais, em que pese o fato de, até hoje, o espetáculo usar toda a estrutura por Pimentel montada. A idéia, ao trazer os globais, era atingir um público mais jovem. Para a Globo Nordeste, uma comercialização do evento feita em valores maiores. No papel de Jesus Cristo, Fábio Assunção.

A enorme popularidade de Pimentel, ator já consagrado na cena cultural pernambucana, fez, no entanto, que muita gente não gostasse da troca, em razão não só do seu reconhecido talento, como também pelo fato de o povo pernambucano ter uma relação muito especial com as “coisas da terra”. Pimentel acabou montando uma Paixão de Cristo no estádio do Arruda, em 1997, com o apoio da Associação dos Produtores de Artes Cênicas de Pernambuco (Apacepe), responsável pela produção do novo espetáculo. “Pimentel (...) levou 70 mil pessoas para o estádio do Arruda (...). Agora, recebendo os louros da vitória e preocupado com dívidas que não param de chegar, Pimentel está mais feliz e confessa que a vitória tem gostinho de vingança, embora afirme que esta não tenha sido sua intenção” (JORNAL DO COMMERCIO, 03.04.1997). Em

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entrevista ao Jornal do Commercio, logo depois da realização de sua exitosa Paixão, montada em apenas dois meses, Pimentel afirmou:

...reunimos a classe artística pernambucana em torno de um mesmo projeto. (...) ... juntamos

grupos antagônicos, às vezes até rivais, do teatro local. (...) Mas o melhor de tudo é que levamos um espetáculo bom, com preços baixos (...) ...o grupo alcançou um bom resultado. Por isso, o reconhecimento do público (...). Todos que foram assistir gostaram do espetáculo (...) que começou há pouco tempo, sem dinheiro para mídia. (...) As pessoas falam comigo no meio da rua e me chamam de herói.(...) Foi (...) bom para o ego. Se eu fosse um cara besta, ficaria mais besta ainda. (...) Não é brincadeira, não, você terminar um espetáculo e ouvir uma multidão gritando seu nome. (...) Foi muita energia positiva que nos colocou para frente. (JORNAL DO COMMERCIO, 03.04.1997).

No ano seguinte, o espetáculo de Fazenda Nova repetiu a dose e contratou atores globais para os principais papeis. Fábio Assunção, mais uma vez, Jesus Cristo. Por seu turno, Pimentel também trouxe novidades.

A capacidade de público (...) aumentou de 15 mil para 25 mil (...). ...a direção vai lançar mão de um canhão de raio laser multicolorido, muito gelo seco e outros recursos técnicos. O mecanismo mais mirabolante será o que vai deslocar José Pimentel a uma altura de 32 metros na perpendicular durante a cena da ressurreição de Cristo. Os números da Paixão de Cristo recifense impressionam tanto quanto os do espetáculo do semi-árido (...). São 600 atores e figurantes - incluindo 200 crianças - (no total, o número de pessoas envolvidas chega a 1 mil), contracenando em nove palcos. Custo total: R$ 1 milhão. (...) ...quantia igual à que se gasta para colocar em ação a cidade cenográfica de Fazenda Nova. (...) Uma das características da Paixão de Cristo do Recife que os produtores fazem questão de destacar, em provocação à atuação de atores da Rede Globo em Fazenda Nova, é a pernambucanidade do elenco principal. (...) E o rasgo de regionalismo não fica por aí. A cena do bacanal de Herodes vai ter a participação do grupo de dança folclórica Daruê Malungo da comunidade de Chão de Estrelas. Já no famoso clamor de Cristo "Vinde a mim as criancinhas...", 200 crianças carentes do Lar Fabiano de Cristo, todos vestidos com suas próprias roupas, vão entrar em cena. Toda essa produção já fez com que a Paixão de Cristo do Recife se firmasse no calendário de eventos da Semana Santa no estado. (LIMA, 19.03.1998).

José Pimentel já havia acertado, em 1996, que não mais interpretaria Jesus Cristo em função da presença dos globais. No entanto, ele dirigiria o espetáculo. Plínio Pacheco aparentemente aceitou, mas depois dispensou Pimentel através de recados. Algo que passou a existir e que Pimentel certamente reclamaria foi o pouco tempo em que os artistas renomados ficavam em Pernambuco, fazendo com que os ensaios fossem muito curtos e poucos. Em entrevista à Revista Época, no ano 2000, Pimentel falou: “O papel de Cristo é quase vocação. É preciso descobrir olhares e gestos típicos do personagem. Isso só se consegue com estudo e vivência. Não adianta fazer um ou dois ensaios, como é comum entre atores globais convidados pelos organizadores” (ADEODATO, 2000). A esta altura, a chamada Paixão de Todos já

começava a contar com apoios institucionais, entre os quais, o também da própria Globo Nordeste, embora fosse, evidentemente, menor que o apoio dado a Paixão de Fazenda Nova. Em 1999, Herson Capri interpretou Jesus Cristo na Paixão de Plínio. No Recife, continuou o sucesso da Paixão de Todos. No ano seguinte, 2000, a Paixão de Cristo de Fazenda Nova voltou a ter um ator local interpretando Jesus – Marcelo Valente - embora, nos demais papéis principais, tenha continuado a haver a presença dos galãs da Globo.

O Herodes de Miguel Falabella, o Pôncio Pilatos de Diogo Vilela, a Maria de Patrícia Pillar, a Madalena de Letícia Spiller e o apóstolo João Batista de Marcelo Anthony vão lembrar a 70 mil pessoas a agonia e morte de Jesus - por ingressos que custam de R$ 25 a R$ 30. Cristo, no entanto, terá sotaque regional. Durante dois anos, o ator recifense Marcelo Valente foi preparado para interpretar o papel sem se intimidar diante dos famosos (ADEODATO, 2000).

O episódio da Paixão de Cristo pode ser considerado um “corpo estranho” na estratégia da Globo Nordeste, embora, ao que parece, a iniciativa de tirar José Pimentel da peça tenha sido da própria Sociedade Teatral Fazenda Nova, na pessoa de Robinson Pacheco, filho de Plínio, conforme depoimento do próprio Pimentel: “Robinho, com assessoria de duas empresas, só sabia falar em dinheiro. Quando nós fazíamos reuniões para falar em teatro, eles só sabiam falar de dinheiro. Para eles, mesmo que o espetáculo não seja considerado tão bom, trazer os atores da Globo valeu a pena, porque ele conseguiram aumentar o número do público” (JORNAL DO COMMERCIO, 03.04.1997).

O certo é que, embora tenha, provavelmente, rendido mais dinheiro, a imagem- pernambucanidade da Globo Nordeste saiu “arranhada” do episódio. O retorno de um ator local, em 2000, para o papel principal, pode ter sido, nesse sentido, um recuo, numa lógica de reconstrução de imagem.