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Eleições 82, Proconsult e Diretas Já

1. Primeira década

1.3. Eleições 82, Proconsult e Diretas Já

Nas eleições, a TV Globo Nordeste montou um esquema paralelo de apuração dos votos. Depois de muitos anos, os brasileiros voltavam a votar para governador, ainda que de forma vinculada11. A apuração seria um processo complexo, pois era para vários cargos12 e a contagem era manual. “Em Belo Horizonte e Recife, foram montados sistemas de apuração próprios. As emissoras contratavam pessoas que ficavam nos locais de apuração, nas zonas eleitorais, copiando os resultados urna por urna e enviando as informações para um centro de processamento, que somava os resultados e os transmitia tanto localmente como para a cabeça de rede” (MEMÓRIA GLOBO, 2004, p. 108).

Existia, em Pernambuco, uma expectativa muito grande da oposição à ditadura, de que o senador Marcos Freire, do PMDB, vencesse a eleição para governador. Durante a apuração, que durava mais de uma semana, a Globo Nordeste passou a apontar o nome de Roberto Magalhães, do PDS, candidato apoiado pela ditadura, como vencedor. No entanto, na apuração oficial do TRE, Freire aparecia à frente. Isso fez com que a Globo Nordeste passasse a ser vista com desconfiança, pois, paralelamente a esse pleito, ocorria no Rio de Janeiro, o escândalo Proconsult, no qual a TV Globo, a matriz, era acusada de envolvimento em uma tentativa de fraude das eleições fluminenses, de forma a impedir a vitória da oposição, através da candidatura de Leonel Brizola, do PDT, e levar ao governo, o candidato da ditadura, Moreira Franco, do PDS. A Proconsult – empresa contratada pelo TRE para totalizar os resultados – diminuía votos de Brizola e os adicionava a Moreira Franco, além de iniciar a apuração pelo interior, onde Brizola perdia, de forma a criar um “sentimento” de derrota entre os brizolistas. O papel da Globo, segundo Lima (2001), era divulgar apenas os resultados oficiais, de forma a emprestar credibilidade aos resultados. A fraude foi descoberta a tempo e Brizola venceu a eleição. Luis Carlos Cabral - à época, um jovem editor de notícias da TV Globo – disse, quatro anos depois:

O papel da Globo no escândalo Proconsult foi preparar a opinião pública para o que ia acontecer – o roubo dos votos de Brizola para beneficiar Moreira Franco. Não posso dizer de quem vieram as ordens (para distorcer os resultados), embora todos nós soubéssemos por intuição... As notícias da fraude estavam pipocando por toda a parte. Começamos a cobri- las. Esta era a nossa (dos jornalistas) oportunidade. Mas nada foi ao ar. Ordens superiores proibiram qualquer notícia sobre a fraude (LIMA, 2001, p. 148).

11 Voto vinculado foi a forma que o governo militar encontrou para levar vantagem nas eleições. Consistia no fato do eleitor ser obrigado a votar

no mesmo partido “de ponta a ponta”. Como os candidatos a prefeito favoritos eram do PDS (partido do governo), a tendência era que os candidatos a governador do PDS ganhassem, pois estariam vinculados aos favoritos às prefeituras. Podia-se, no máximo, votar em branco, para os outros cargos. Do contrário, o voto era anulado.

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Outro depoimento sobre o caso Proconsult é de Homero Icaza Sánchez, el Brujo, dado à revista Playboy, em maio de 1983. Com o episódio, Sánchez deixou a Rede Globo:

O Brizola perguntou o que eu achava. Eu disse: ‘Está parecendo fraude’. (Pergunta do Brizola) ‘O que tu achas que devo fazer?’ (Resposta) ‘Bota a boca no mundo (...)’. Brizola inclusive me perguntou se deveria ir na TV Globo. (...) ...eu disse para ele: ‘Não te convém ir na TV Globo, porque lá neste momento toda questão da apuração está sob as ordens do Roberto Irineu. E ele acredita que pode eleger à força o Moreira Franco. Eu não te aconselharia a fazer isso’. Então ele foi (...) à TV Bandeirantes (RAMOS, 2000, p. 11).

Como em Pernambuco a Globo Nordeste adotou uma forma de apuração paralela, cujo o início se dava pelo interior, a oposição logo ligou um caso ao outro. Não se confirmaram, porém, fraudes na eleição pernambucana. A Globo Nordeste cobriu também as eleições no Rio Grande do Norte, vencida por José Agripino Maia, e na Paraíba, vencida por Wilson Braga, ambos do PDS. Em depoimento ao Projeto Memória Viva da Imprensa de Pernambuco, a coordenadora da equipe da Globo Nordeste naquela eleição, falou:

...a gente foi para uma reunião com o Armando [Nogueira (...)], no Rio. Era todo o Brasil numa sala, e entrou o chefe de Porto Alegre mostrando um esquema monumental (...). ...mostrei um esquema que era bem pé no chão. Mas quem deu certo fomos nós, entendeu? (...) ...a gente foi buscar em cada cartório eleitoral uma figura ligada ao próprio cartório, para passar os dados primeiro pra gente... (...) ...em todas as cidades que tinham apuração a gente tinha uma pessoa; e tinha uma forma de checar os dados para a gente. A gente, inclusive, montou uma estrutura de informatização com o Banorte (...). Então, enquanto todo mundo dava os dados da capital, que eram os que o TRE informava primeiro, a gente estava dando os de todo o Estado. Aí, os números não batiam... (...). Então a TV Globo, numa divulgação dos últimos números, mostrou que Roberto Magalhães poderia ser o governador. E os dados de todo mundo mostravam Marcos Freire extremamente na frente... (...) ...já começava Brizola brigando com Doutor Roberto [Marinho (...)], quando a gente mostrava Roberto Magalhães na frente a reação era muito forte. Eram as rádios dizendo que a TV Globo estava louca, todo mundo esculhambando a Globo. Teve um dia em que Chico [(...)José] ia chegando no diretório do MDB13, e quiseram virar o carro. (...)...a gente chegou

a botar segurança na frente da administração da Globo, (...) onde também funcionava a redação da cobertura da eleição. (...)...a gente, diferentemente da Proconsult, tinha números irrefutáveis...(COSTA e OLIVEIRA, 2006, p. 269).

Nessa reunião, Vera Ferraz estava acompanhada de Francisco José que, na ocasião, perguntou aos responsáveis, como ele, que ficaria no Sertão, enviaria suas matérias. Responderam-lhe que através da Globo Nordeste, o que fez com que o repórter pernambucano, em tom de ironia, perguntasse: “Arremesso de fita à 500 km de distancia?” (JOSÉ, 2007). O longo percurso entre o Sertão e o Recife, obviamente, faria com que as matérias fossem ao ar já

defasadas quanto aos fatos. A solução encontrada, proposta pelo próprio Chico José, foi a instalação de uma repetidora em Salgueiro, pela qual o repórter enviaria suas matérias para a TV Globo Nordeste e/ou para a Rede Globo.

Ricardo Carvalho (2007) diz que, no caso da eleição pernambucana, o grande “cérebro” do trabalho desenvolvido foi o jornalista Eduardo Ferreira, que, naquele momento, era recém- chegado à Globo Nordeste, a convite do próprio Carvalho, com o consentimento do diretor de jornalismo, Roberto Menezes. Ferreira é aquele que, na juventude, viajara bastante pelo interior do estado ao lado do governador Nilo Coelho, bem como fora editor do caderno de municípios do Diário de Pernambuco, quando montou uma equipe de correspondentes informais pelo estado inteiro, ou seja, conhecia muito bem o interior. Eduardo Ferreira (2007) diz que, para efeito de condução e monitoramento do processo, o estado foi dividido em três áreas: Vera Ferraz ficou com a maior parte do Agreste; ele, Ferreira, com o Sertão e um pequeno pedaço do Agreste – o Agreste Meridional; e o jornalista Luís Farias – deslocado da sucursal pernambucana de O Globo – era o responsável pela região metropolitana e Zona da Mata. Em seu depoimento ao Projeto

Memória Viva da Imprensa de Pernambuco, Vera Ferraz abordou tal questão: “... foram fundamentais as participações de Eduardo Ferreira e de Lula Farias nessa cobertura, não só da eleição, mas da apuração. Foi uma coisa muito conjunta, nós três montamos um esquema...” (COSTA e OLIVEIRA, 2006, p. 269).

Por causa do caso Proconsult, Roberto Marinho e Leonel Brizola começaram a trocar acusações, de forma que a TV Globo passou a boicotar, em suas coberturas, o líder trabalhista, mesmo este sendo governador do Rio de Janeiro. Antes mesmo de o velho caudilho tomar posse, o próprio Roberto Menezes (2007), responsável pela retrospectiva do ano de 1982, recebeu de Armando Nogueira uma tarefa considerada por ele próprio, Menezes, como um “foguete”: Não citar, entre os fatos mais importantes daquele ano, a eleição no segundo estado mais importante do país. Feito o serviço, Fábio Perez, da CGJ afirmou, segundo Menezes (2007), que aquela produção fora um excelente exemplo de como se dizer o que quer driblando a censura e, em função disso, chegou a circular pelas escolas de comunicação do país. Sem texto, Menezes colocou, de forma rápida, uma imagem de Brizola entre os “vencedores do ano” – sendo a dele, a primeira – bem como ainda mostrou imagens dos computadores da Proconsult.

A título de curiosidade, em um outro Globo Repórter, Menezes conseguiu introduzir discretamente a guerrilha do Araguaia, organizada pelo PCdoB nos anos 70, no interior do Pará,

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para enfrentar a ditadura, tendo sido dizimada por esta. O programa, que foi ao ar no começo dos anos 80, tinha como temática a Rodovia Transamazônica, projeto megalomaníaco da ditadura.

Roberto Marinho não deu trégua a Leonel Brizola durante o seu governo, de forma a impedir que este fizesse seu sucessor nas eleições de 1986. O PDT, partido de Brizola, apresentou a candidatura de Darcy Ribeiro. Mais uma vez, Moreira Franco foi o candidato de Roberto Marinho, agora no PMDB, partido que ascendeu ao poder com o fim do governo militar, em 1985. Em entrevista ao New York Times, em 1987, Marinho assumiu a severa oposição que fizera ao governo de Brizola: “O Sr. Leonel Brizola era um mau governador. Ele transformou (...) o Rio de Janeiro em uma cidade de mendigos e vendedores ambulantes. Passei a considerar o Sr. Brizola daninho e perigoso e lutei contra ele. Realmente usei todas as possibilidades para derrotá- lo na eleição” (LIMA, 2001, p. 149).

Mesmo com todo o boicote da Rede Globo a Brizola, não havia essa orientação para as coberturas regionais, conforme depoimento de Vera Ferraz: “... a gente (...) sempre deu espaço a Brizola, tanto quando ele estava na campanha para a presidência da República, como das outras vezes em que ele esteve aqui e era convidado a dar entrevista no Bom Dia [Pernambuco]” (COSTA e OLIVEIRA, 2006, p. 272).

Pouco mais de um ano depois das eleições, mas ainda no clima de redemocratização do país para o qual tais eleições contribuíram - com vitórias da oposição em alguns dos principais estados da federação - os partidos de oposição ao regime autoritário uniram-se, no início de 1984, em uma campanha nacional pelas eleições diretas para presidente. A campanha visava pressionar o Congresso Nacional a aprovar uma emenda constitucional do deputado Dante de Oliveira (PMDB/MT), que previa eleição direta para presidente. A campanha conseguiu ganhar as ruas, criando-se um grande consenso nacional. A Rede Globo omitiu-se da cobertura de uma das maiores manifestações populares da história do Brasil. Até que, duas semanas antes da votação da proposta de emenda, resolveu dar ampla cobertura a um comício ocorrido no Rio de Janeiro, em abril de 1984. “A Globo acompanhou os comícios apenas nos telejornais locais. Naquele primeiro momento, as manifestações não entraram nos noticiários de rede” (MEMÓRIA GLOBO, 2004, p. 156). Mesmo assim, as equipes da Globo Nordeste – em função da postura da matriz – foram hostilizadas pelos simpatizantes da campanha que tomou o país. A emenda não foi aprovada. Tanto o caso Proconsult como a não cobertura nacional das Diretas já foram empecilhos à consolidação da nova estratégia, já que eram vinculações muito negativas à matriz.

O apoio, ao apagar das luzes, da Globo às Diretas Já se deu em função de entendimentos entre Roberto Marinho e o governador de Minas Gerais, Tancredo Neves, um dos principais líderes do movimento. Com as eleições presidenciais indiretas marcadas para o início de 1985 e, considerando-se o desgaste da ditadura, fazia-se necessário, para que setores conservadores continuassem no poder, na emergência de um novo bloco histórico, uma conciliação com a oposição que excluísse o continuísmo radical. Nesse sentido, a participação de setores na campanha das diretas era apenas simbólica, embora muito importante, para justificar o rompimento com o bloco histórico em queda. No fundo, esses setores, incluído aí Roberto Marinho, não tinham interesse na aprovação da emenda das diretas. Para eles, tal campanha apenas legitimava a solução conciliatória. Em sendo aprovada, constituiria um risco para emergência de figuras como Brizola ou até mesmo Lula.

O candidato da conciliação – a chamada Aliança Democrática - no Colégio Eleitoral era Tancredo Neves, do PMDB, tendo como vice José Sarney, representando a Frente Liberal, ala dissidente do PDS, partido do governo, que tinha como candidato Paulo Maluf, representando o continuísmo radical. Uma das principais figuras no bloco dissidente era Antônio Carlos Magalhães, ex-governador da Bahia e amigo de Roberto Marinho. O acordo entre Marinho e Tancredo, que pôs a Globo a anunciar a campanha das diretas, implicava a presença de ACM no Ministério das Comunicações.

Estava chegando ao fim o ciclo político-histórico em que a Globo emergira. Nesse sentido, Roberto Marinho precisava “operar” de forma a , no ciclo seguinte, manter o oligopólio e o poder político de suas organizações. Antes de continuar com os aspectos que compõem a inserção da Rede Globo no mercado de televisão pernambucano, faz-se necessária a compreensão do poder da Globo na Nova República, período histórico iniciado em 1985, com o fim da ditadura militar. Nesse sentido, o próximo tópico traz um exemplo deste poder.