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Integração nacional e indústria cultural

1. Ditadura Militar, Rede Globo e reordenação das comunicações no Brasil

1.3. Integração nacional e indústria cultural

Era necessário, para a integração nacional, uma programação unificada para todo o país, de forma a aumentar o público consumidor e a abater os altos custos de produção de programas e de publicidade que, no novo cenário, sairiam do artesanal e do mambembe, passando à padronização industrial, em escala, ou seja: “A busca de um público maior é compatível com a industrialização generalizada da produção de bens materiais no país e com a penetração massiva da indústria cultural em todas as áreas da produção de bens simbólicos, o que cria uma nova mentalidade ... (...): agora, o circuito pequeno, regional ou local, parece inútil, patético” (KEHL, 1980, p. 21). Era necessário um sistema de televisão organizado em rede nacional, o que só foi possível em 1969, quando a Embratel implantou uma moderna infra-estrutura de comunicações. Foi quando a já Rede Globo pôs no ar, no dia 1º de setembro, sob a apresentação de Hilton Gomes e Cid Moreira, o Jornal Nacional. Nos estúdios, na hora em que o telejornal teve início, Armando Nogueira, diretor da Central Globo de Jornalismo e apaixonado por aviação, escreveu

em um script: “o boeing decolou”. Com o JN teve início o processo de afiliações de emissoras de outras localidades do país à Rede. “Durante um ano, a Globo bancou (...) o custo da Embratel, para seduzir as emissoras (...). Quando chegávamos para vender o programa a alguma candidata à afiliação, ele já estava pago e esse era um argumento que convencia. Depois, teve o próprio sucesso. O Jornal Nacional foi um líder de audiência instantâneo. (...). Todo mundo queria ver, ele tornou obsoletos os jornais (...) locais” (CLARK, 1991, p. 213).

A primeira televisão a ocupar um linque e transmitir em cadeia havia sido “a Tupi, por ocasião da inauguração de Brasília, com incentivo (verbas e instalações de retransmissores) do governo Juscelino. Mas não soube ou não pôde aproveitar a oportunidade e depois da inauguração não mais foi usado o link instalado entre Rio e Brasília, através de 1200 km, com sete ou oito torres de retransmissão” (KEHL, 1986, p. 191).

Para Jambeiro (2002b), três fatores foram essenciais no desenvolvimento da indústria televisiva brasileira: a necessidade de criação de um mercado para bens industriais; o objetivo do governo de controlar política e ideologicamente o país; e o desejo dos militares de estabelecer um grau mais alto de uniformidade no gerenciamento de um país tão grande como o Brasil.

Foi a partir do sistema de redes que se pôde falar em sistema brasileiro de televisão e em indústria cultural nacionalmente integrada no Brasil. A televisão integrou o Brasil e criou um mercado unificado – de bens duráveis, não duráveis e simbólicos. “Sua importância foi maior à medida que se colocou como único meio (...) nacional, enquanto o rádio adquiria características locais e a imprensa, regionais. (...) Em 1950, sua participação no bolo publicitário era de 1%; em 1960, de 24%; em 1970, 38%; e em 1979, de pouco mais de 50% (CAPARELLI, 1986, p. 12)”.

Talvez uma das causas que mais favoreceram a televisão comercial foi sua organização em rede, a partir do Rio de Janeiro e de São Paulo. Em termos geográficos, ali mesmo estavam sediadas as filiais das multinacionais, maiores anunciantes quando a televisão ainda engatinhava. Os conglomerados necessitavam de um sistema que levasse seus produtos aos quatro cantos do país. A fragmentação dos outros meios, sem um jornal ou emissora verdadeiramente nacional, impedia isso. O outro lado da moeda: enquanto as grandes instituições industriais e financeiras se concentravam geograficamente, principalmente no eixo Rio-São Paulo, a inversão publicitária nas redes de televisão ali localizadas, ocasionava, igualmente, uma concentração de capitais nestas emissoras, impedindo uma divisão das verbas para as emissoras regionais.

Em outras palavras, a concentração industrial no Rio e São Paulo conduziu igualmente, devido ao seu caráter comercial, a uma concentração da indústria cultural nestes centros, formando oligopólios nacionais que se casavam com as novas tendências econômicas (CAPARELLI, 1982, p. 80).

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A indústria cultural nacionalmente integrada, para Bolaño (2004), constitui um ramo interessante ao capital monopolista. Segundo esse autor, a dinamização do mercado consumidor interno exige eficiência do sistema de publicidade, o que só será garantido pela existência de uma indústria cultural nacionalmente integrada e com amplas possibilidades de articulação entre os diversos meios. “A consolidação das indústrias culturais nos anos 60 é resultante e resultado. Ela aparece como (...) possibilidade de aplicação do capital – indústrias culturais – mas ao mesmo tempo serve de apoio para a indústria eletro-eletrônica, através da produção de televisores. Ela age como um pivô na ampliação do campo da comunicação e, enquanto bem durável, alavanca o restante do mercado de bens duráveis, pela publicidade” (CAPARELLI e LIMA, 2004, 2004).

Houve uma grande expansão, em nível de produção, de distribuição e de consumo da cultura. É nesta fase que se consolida a já Rede Globo (JAMBEIRO, 2002b).

Com uma estrutura administrativa e financeira mais sólida, adaptada à etapa de expansão do capitalismo brasileiro com uma concentração de capital sem os percalços que o pioneirismo colocou no caminho da Rede Tupi, e com uma industrialização firmemente assentada no Brasil, voltada para o consumo, a Rede Globo começou a ganhar a guerra da audiência (...) A verdade é que a Rede Tupi não pôde superar suas próprias dificuldades de empresa crescida à sombra dos governos populistas e, agora, necessitando de se readaptar às novas regras do jogo dos governos pós-64 (CAPARELLI, 1982, p. 32).

A década de 70 mostra uma estrutura de mercado completamente distinta daquela que predominou nos primeiros tempos da televisão brasileira, com a constituição do sistema de redes e a construção de fortes barreiras à entrada montadas pela Globo, podendo-se, agora sim, caracterizar um mercado essencialmente oligopólico.

Para Herz (1987), essa estrutura de mercado aprofundou o caráter concentrador do modelo econômico, na medida em que os custos da televisão a tornaram privilégios de poucas empresas. Para esse autor, é muito difícil para a pequena e média empresa competir com os produtos já comercializados no mercado, em escala nacional, com o suporte publicitário. O baixo custo da relação investimento/público atingido – que se reduz na proporção em que cresce a área de cobertura – esconde o valor absoluto mínimo necessário para veiculação de publicidade. Ou seja, para Herz (1987), o conceito comercial de rede de televisão é produto de uma economia dominada por oligopólios.

Dentro do processo de expansão e modernização do sistema produtivo no Brasil, foi instalado um gigantesco sistema nacional de comunicações, composto por uma avançada infra-estrutura de serviços de telecomunicações e por dezenas de emissoras de televisão, centenas de emissoras de rádio e dezenas de milhões de receptores de rádio e televisão. A economia sofre um processo de concentração de capital e tecnologia que alijou pequenas e

médias empresas, em todos os setores, e fez surgir imensos oligopólios (HERZ, 1987, p. 86).

Além disso, este novo mercado de televisão –– em rede e oligopólico - permitiu a reprodução ideológica do pensamento do grupo que tomou o poder em 1964.

...é de se destacar, na segunda fase da televisão brasileira, sua utilização ostensiva e intensiva como unidade de produção econômica e como unidade de produção ideológico- política. Como unidade de produção econômica, servindo de novo espaço para aplicação e reprodução do capital e de impulso a outras unidades econômicas de produção. E como unidade de produção ideológico-política, pelo seu papel, forçado ou consentâneo, na busca de legitimação do Governo que se instalou no poder após 1964, bem como para a legitimação e auxílio na consecução dos objetivos da Doutrina de Segurança Nacional (CAPARELLI, 1986, p. 12).

Do ponto de vista econômico, a TV Globo tinha um papel fundamental na unificação de um país com dimensões continentais, através da integração de seu mercado de consumo. Do ponto de vista político, a programação da Globo era indispensável como um meio para uma mensagem nacional de otimismo desenvolvimentista, mensagens positivas no discurso oficial, fundamentais para a manutenção e legitimação do governo militar (JAMBEIRO, 2002b).

O surgimento da Rede Globo e a consolidação de uma indústria cultural brasileira nacionalmente integrada são um único processo ou parte do mesmo processo – dentro de um planejamento, nos termos da Doutrina de Segurança Nacional. Um país grande como o Brasil precisava ser “unificado”. A Globo daria caráter democrático – pelo “convencimento” – a tal unificação, política, econômica e cultural.