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3. O POSITIVISMO JURÍDICO

3.4. O positivismo jurídico: características

3.4.2. Direito e lei

A segunda característica do positivismo jurídico, que reputo de particular importância para a análise de sua influência no ensino, é a supremacia da lei como fonte do Direito.

A plena compreensão desse aspecto do positivismo jurídico somente é possível do ponto de vista histórico. O surgimento do positivismo coincide, historicamente, com o surgimento do Estado moderno, e encontra seu apogeu no surgimento do Estado liberal.

Na sociedade medieval subsistiam, simultaneamente, ordens jurídicas distintas. Havia o direito dos senhores feudais, havia o direito canônico, havia o direito do império, havia o direito das corporações. Ou seja, havia pluralidade de ordens jurídicas no mesmo território, ou simplesmente pluralismo jurídico. Nesse contexto, a atividade jurisdicional assume uma importância muito maior do que a atividade

legislativa. Na Idade Média, como observa LOPES, “governar é sobretudo administrar Justiça”25. A principal fonte do Direito é o costume.

Dentro do processo de formação do Estado moderno, do Estado absolutista, ocorre o processo de monopolização da produção jurídica por parte do

Estado26. Governar, em vez de julgar, passa a ser, principalmente, legislar.

Com o advento do Estado liberal, o conflito iniciado no Estado absolutista entre o legislador e o juiz é definitivamente resolvido em favor do

legislador. O ideário liberal formula a teoria da separação dos poderes, cujo maior

expoente é MONTESQUIEU, que reserva, ao juiz, o papel de fiel reprodutor da lei27. O juiz deve ser apenas la bouche de la loi (a boca da lei)28.

A Constituição Francesa de 1791 proibia os tribunais de se imiscuírem no exercício do Poder Legislativo e de suspender a execução de lei, e o Código Penal de 25 LOPES, 2002, p. 75. 26 BOBBIO, 1995, p. 26-27. 27

Nos governos republicanos é da natureza da constituição que os juízes observem literalmente a lei... Porém, se os tribunais não devem ser fixos, os julgamentos devem sê-lo a tal ponto, que nunca sejam mais do que um texto exato da lei. Se fossem uma opinião particular do juiz, viver-se-ia na sociedade sem saber precisamente os compromissos que nela são assumidos. (MONTESQUIEU, 1973, p. 91 e 158).

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Poderia acontecer que a lei, que é ao mesmo tempo clarividente e cega, fosse em certos casos muito rigorosa. Porém, os juízes de uma nação não são, como dissemos, mais que a boca que pronuncia as sentenças da lei, seres inanimados que não podem moderar nem sua força nem seu rigor. (MONTESQUIEU, 1973, p. 160).

então punia como criminosos os juízes “que interfiram no exercício do Poder

Legislativo, seja por regulamentos que contenham disposições legislativas, seja impedindo ou suspendendo a execução de uma ou diversas leis, seja deliberando sobre saber se as leis devem ser publicadas ou executadas”.29

As revoluções liberais precisavam de um instrumento, e esse instrumento é a lei, completa, abrangente. É o movimento da codificação - que simboliza o triunfo da concepção positivista do Direito, significativamente representado pela promulgação do Código de Napoleão, que entrou em vigor em 1804 - que muito vem a influenciar o pensamento jurídico, até os dias de hoje, como observa BOBBIO:

Fizemos este paralelo entre a concepção absolutista e a liberal porque a passagem de uma para outra não implica num conflito tão drástico, como comumente se sustenta, relativamente ao problema que aqui nos interessa. Na verdade, a concepção liberal acolhe a solução dada pela concepção absolutista ao problema das relações entre legislador e juiz, a saber, o assim dito dogma da onipotência do legislador (a teoria da monopolização da produção jurídica por parte do legislador); as codificações, que representam o máximo triunfo celebrado por este dogma, não são um produto do absolutismo, mas do iluminismo e da concepção liberal do Estado... Em 1804, entrou em vigor, na França, o Código de Napoleão. Trata-se de um acontecimento fundamental, que teve uma ampla repercussão e produziu uma profunda influência no desenvolvimento do pensamento jurídico moderno e contemporâneo. Hoje estamos acostumados a pensar no direito em termos de codificação, como se ele devesse necessariamente estar encerrado num código. Isto é uma atitude mental particularmente enraizada no homem comum e da qual os jovens que iniciam os estudos jurídicos devem procurar se livrar. (BOBBIO, 1995, p.38 e 63)

Assim, para o pensamento juspositivista, o Direito é um conjunto de normas, e as normas são principalmente - eu diria, quase que exclusivamente - veiculadas pela lei, pelo Poder Legislativo:

Procuremos agora, extraindo as conclusões da investigação histórica precedentemente desenvolvida, precisar o significado histórico do positivismo jurídico, que, no início deste trabalho, definimos provisoriamente como “aquela doutrina segundo a qual não existe outro direito senão o positivo”; podemos agora precisar que esta corrente doutrinária entende o termo “direito positivo” de maneira bem específica, como direito posto pelo poder soberano do Estado, mediante normas gerais e abstratas, isto é, como “lei”. Logo, o positivismo jurídico nasce do impulso histórico para a legislação, se realiza quando a lei se torna a fonte exclusiva – ou, de qualquer modo,

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absolutamente prevalente – do direito, e seu resultado último é representado pela codificação. (BOBBIO, 1995, p.119)

A lei, obra do Poder Legislativo, é fruto de um ato consciente e racional visando a produção do Direito: disso decorrem outras características do positivismo jurídico, quais sejam: os dogmas da completude (ou completitude) e da coerência do ordenamento jurídico.

O dogma da completude do ordenamento jurídico significa a proposição segundo a qual o ordenamento jurídico é completo, ou seja, contém, dentro de si mesmo, as normas necessárias à solução de quaisquer situações; ainda que as situações não estejam expressamente previstas no ordenamento (pode-se dizer, na lei), ele irá prever as formas de integração, ou seja, de superação das lacunas.

O dogma da coerência do ordenamento jurídico significa a proposição segundo a qual o ordenamento jurídico é coerente, não contendo normas contraditórias; ainda que, aparentemente, existam normas contraditórias, o próprio ordenamento irá prever os critérios de prevalência entre as normas, ou seja, de superação das antinomias.