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7. CRÍTICA DO ENSINO POSITIVISTA DO DIREITO

7.3. Ensino positivista e normativismo abstrato

Outras críticas que endereço ao modo positivista de ensinar o Direito decorrem do normativismo abstrato próprio do positivismo jurídico.

Como visto, uma das características do positivismo jurídico é a supremacia da lei como fonte do Direito, ou seja, para o pensamento juspositivista, o Direito é um conjunto de normas, e as normas são principalmente, ou quase que exclusivamente, veiculadas pela lei, pelo Poder Legislativo. Nessa concepção, a lei, obra do Poder Legislativo, é fruto de um ato consciente e racional visando à produção do Direito; a lei é produzida por meio da seleção de determinadas condutas humanas, de forma genérica e abstrata, e a essas condutas ligando-se uma sanção.

Por outro lado, como já assinalado, há, no positivismo jurídico, uma distinção clara entre o momento da produção da lei (considerada como norma jurídica geral e abstrata) e o da sua aplicação (considerada como produção de norma jurídica individual e concreta). Como decorrência, também há uma clara distinção entre o papel do doutrinador, a quem cabe descrever o direito positivo, e a autoridade jurídica, a quem cabe aplicar o direito, produzindo a norma do caso concreto.

Uma das conseqüências desse entendimento, já observada, é a tendência à valorização dos argumentos de autoridade que se reportam aos doutrinadores, em detrimento dos argumentos de autoridade que se reportam à jurisprudência, bem como a tendência dos professores de seguir um caminho de exposição partindo da lei vigente, para daí expor o comentário dos doutrinadores renomados, e somente ao final, a título de exemplo, argumentar com casos concretos julgados pelos tribunais.

Quais são as possíveis críticas a esse modo de ensino do Direito? Uma delas, a meu ver, é a desvalorização do direito aplicado ao caso concreto, em favor da supervalorização do direito abstratamente considerado. Ou seja, via de regra, exige-se que o aluno demonstre o conhecimento de uma determinada regra de direito formulada em termos genéricos e abstratos, e não aplicada a um caso concreto. Nas avaliações,

predominam as questões que se referem à norma abstratamente considerada sobre as questões que se referem à solução de casos concretos. Daí a dificuldade de implementação de metodologias de ensino do Direito que propõem o caminho inverso ao tradicional: do caso concreto para a teoria, como, por exemplo, os chamados case

method e problem based learning, cuja aplicação tem sido defendida como uma solução

para a melhoria do ensino jurídico, como se observa em CARLINI84 e TAGLIAVINI.85 Ouso também dizer que essa dificuldade na apresentação de casos concretos aos alunos, como ponto de partida para o ensino, e não como meros exemplos de confirmação de uma teoria previamente exposta, pode ser tida como causa das dificuldades de aprendizagem, reveladas pelos exames de avaliação, em que pesem as críticas que podem ser feitas – e são – ao tipo de conhecimento que é exigido na avaliação hoje tida como paradigma, qual seja, o exame de ordem.

Valho-me, aqui, da classificação de aprendizagem de AUSUBEL, exposta por TAGLIAVINI86. Segundo esse entendimento, a aprendizagem pode ser significativa ou mecânica, e cada uma dessas modalidades se subdivide em aprendizagem por descoberta ou por exposição.

O normativismo abstrato conduz, a meu sentir, a uma tendência para a aprendizagem do tipo mecânica. Para que o aluno chegue a uma aprendizagem do tipo 84 CARLINI, 2004, p.21. 85 TAGLIAVINI, 2004, p. 220. 86

Em primeiro lugar, à luz da teoria da aprendizagem de Ausubel, é necessário um esforço para superar a fase da aprendizagem mecânica e atingir a aprendizagem significativa. Segundo Ausubel, a aprendizagem pode ser: 1. Significativa. 1.1. Por descoberta: é o ponto mais alto e eficiente da aprendizagem, pois nesse modelo, o aluno consegue descobrir por si, com o auxílio do professor, o significado mais profundo do tema que se apresenta para sua compreensão. Neste tipo de aprendizagem, o aluno consegue relacionar a parte que está estudando com os conceitos mais gerais e abrangentes, tendo a visão da totalidade. Ele torna-se capaz também de relacionar o conceito com sua aplicação prática. É o momento da descoberta autônoma do conhecimento e do despertar da capacidade de relacionar o conhecimento novo com os conhecimentos prévios. Este tipo de aprendizagem, além de proporcionar a compreensão, auxilia também a memorização significativa do que foi aprendido, e não uma memorização mecânica que logo será esquecida.... 1.2. Por exposição (recepção): este modelo tem todas as características anteriores exceto pelo fato do papel do professor ser mais importante. Tudo aquilo que cabia ao aluno descobrir e relacionar, será desenvolvido pelo professor que ficará com a responsabilidade de motivar para a aprendizagem e contextualizá-la num todo significativo, que faça sentido para o aprendiz. Pode-se dizer que uma boa aula tradicional expositiva cumpre sua tarefa, no lugar certo, na hora certa: o momento da apresentação do quadro conceitual e da síntese. 2. Mecânica. 2.1. Por descoberta: embora exista uma descoberta autônoma do conhecimento, não existe uma relação com os conhecimentos prévios e nem se desenvolve a capacidade de percebê-lo numa visão de totalidade integrada.... 2.2. Por exposição (recepção): além de não fazer relação com os conhecimentos prévios como no modelo acima, o aluno ainda torna-se passivo na recepção de um conhecimento despejado pelo professor, que não se preocupa com sua estrutura cognitiva. (TAGLIAVINI, 2005, p.10).

significativa, mesmo com o ensino baseado nessa característica do positivismo jurídico, é necessário que tenha uma grande capacidade de abstração.

Outra crítica que pode ser formulada quanto a esse modo de ensino do Direito é, a meu ver, a desvalorização do estudo da produção da lei como tarefa própria do bacharel. Isso porque, para a concepção juspositivista, o Direito positivo é o objeto da ciência jurídica, é o ponto de partida da atividade do jurista. Assim, embora evidentemente se inclua entre as atribuições de um profissional do Direito – como, por exemplo, um assessor parlamentar – a produção de um texto de lei, não se trata de atividade prática comum.