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6. POSITIVISMO JURÍDICO E ENSINO DO DIREITO

6.2. O positivismo jurídico como paradigma dominante no ensino do Direito

A idéia de que a concepção juspositivista é dominante no Brasil, e que condiciona o ensino do Direito não é, propriamente, nova. Ao contrário, é predominante, na bibliografia atualmente disponível sobre o ensino do Direito a idéia de que esse é condicionado pela doutrina do positivismo jurídico, e, inclusive, de que esse condicionamento é, ao menos em parte, responsável pela crise de qualidade, devendo ser superado, como condição para a melhoria do ensino.

TAGLIAVINI sustenta que a concepção positivista do Direito implica a adoção, pelo professor, de uma metodologia centrada na aula expositiva, e na preponderância da interpretação exegética, sem abertura para a crítica68.

Para MACHADO, a concepção positivista do Direito é hegemônica no Brasil, conduzindo a um ensino do Direito que se resume no ensino da lei, interpretada segundo o método exegético69.

RODRIGUES sustenta a tese de que o positivismo influencia a cultura jurídica brasileira e, por sua vez, o ensino, tido por conservador, tradicional, dogmático, formalista, legalista e exegético70.

Ao comentar a edição da Portaria n° 1.886/94 do Ministério da Educação e Cultura, que trata das diretrizes curriculares e do conteúdo mínimo do curso de graduação em Direito, JUNQUEIRA sustenta a posição de que tal ato foi influenciado

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Se a escolha filosófica é decisiva, não menos importante é a escolha metodológica. Se o pressuposto é positivista-dogmático, o ensino do direito terá as mesmas características, cabendo ao professor ensinar as verdades estabelecidas aos seus passivos alunos. Diante de classes, em geral, numerosas, o professor dá uma aula-conferência, expondo o direito estabelecido através do método do código comentado. É o modelo copiado de Coimbra, discursivo e descritivo. Não raro, os professores exigem que os alunos decorem os artigos e, quando pedem interpretação, os alunos devem fazê-la de acordo com a doutrina adotada pelo mestre, sem poder questioná-la. (TAGLIAVINI, 1999, p.28)

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Sendo assim, o saber do jurista, por força dessa ideologia normativo-positivista, sem dúvida hegemônica, passa a ter como base de atuação uma ordem jurídica confirmada em si mesma... É por essa razão que o paradigma normativista-positivista de ensino jurídico, resumindo o ensino do direito no ensino da lei, sem qualquer distinção entre jus e lex, em pouco ou nada difere do exegetismo napoleônico, herança do Século XIX... (MACHADO, 2000, p. 21 e 44).

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Hoje vive-se a era da tecnologia e da informática, mas o conhecimento e o ensino do Direito continuam na era da dogmática. Uma análise mais aprofundada do atual ensino demonstra: a) Caracteriza-se por seu tradicionalismo e conservadorismo. É ele, regra geral, dogmático, marcado pelo ensino codificado e formalizado, fruto do legalismo e do exegetismo. b) Isso se deve principalmente à influência do positivismo na cultura e no pensamento jurídicos brasileiros. Este leva à adoção do método lógico-formal como o adequado para a apreensão da realidade, reduzindo a ciência do Direito ao conhecimento do direito positivo e, conseqüentemente, o ensino jurídico, ao seu ensino. (RODRIGUES, 1993, p. 15-16).

pelas correntes que se opõem à concepção positivista, tida como dominante nos cursos jurídicos do Brasil71.

Para BASTOS, o ensino do Direito no Brasil é tradicionalmente positivista, o que acarreta a resistência à introdução das temáticas referentes aos aspectos sociológicos, políticos e econômicos do fenômeno jurídico.72

Para MONTEIRO, a dogmática jurídica – expressão da concepção positivista do Direito – é hegemônica no Brasil, influenciando não só o ensino como também o entendimento, o pensamento, a pesquisa e a prática jurídicas73.

Para KIPPER, o positivismo jurídico é o paradigma dominante no ensino jurídico brasileiro, de tal forma que é tido como o único existente, o que leva a um ensino dominado pelos mitos da neutralidade e imparcialidade.74

CARVALHO indica que o positivismo constitui a matriz teórica hegemônica no Direito brasileiro e, por conseqüência, faz-se presente no discurso dos docentes75.

Para FARIA, o positivismo jurídico normativista é o paradigma dominante dos cursos jurídicos brasileiros, implicando um ensino que desvaloriza a capacidade crítica e especulativa dos alunos.76

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A Portaria nº 1.886/94 ampliou o número de matérias fundamentais previstas na Resolução nº 3/72, obrigando o aluno de direito, atualmente, a estudar economia, sociologia, sociologia jurídica, filosofia do direito (incluindo ética profissional), introdução ao direito e ciência política (com teoria do Estado). Nota- se nas diretrizes curriculares da Portaria a influência da corrente que se formou nos anos oitenta nas faculdades de direito defendendo, contra a abordagem dogmática e positivista dominante nos nossos cursos, uma aproximação com a sociologia e/ou com a filosofia. (JUNQUEIRA, 1999, p. 18).

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1º. Os currículos jurídicos tradicionais são exageradamente positivistas, permitindo a transmissão de um conhecimento genérico, dogmático e pouco dirigido para a solução de problemas; 2º. Os currículos jurídicos tradicionais sempre foram altamente resistentes a um ensino interdisciplinar apoiado nos fundamentos sociológicos, políticos e econômicos do conhecimento jurídico. (BASTOS, 1998, p. 301).

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Em quase toda área do conhecimento está presente a disputa entre o saber tradicional e o saber crítico. No Direito o formalismo jurídico assume a função do saber hegemônico que acabou recebendo a denominação genérica de dogmática jurídica. A cultura jurídica dogmática imprimiu nas academias brasileiras certos traços comuns que ultrapassam em muito a forma de conceber o estatuto teórico do Direito e dizem respeito, até mesmo, à forma de entender, pensar, pesquisar, praticar e ensinar os conteúdos determinados como jurídicos. (MONTEIRO, 2004, p. 101).

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O paradigma dominante no ensino jurídico brasileiro é o positivismo jurídico. Conseqüentemente, tem- se um ensino pautado pelo mito da neutralidade e imparcialidade do Direito... O ensino jurídico brasileiro ainda está tão dominado pelo paradigma do dogmatismo, que os estudantes de direito passam a acreditar que esse seja o único paradigma existente ou, então, o mais condizente à realidade das salas de aula, de tal forma é persuasivo o discurso que engedra essa situação (KIPPER, 2001, p. 146 e 157).

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Resultando pois, na conclusão de que um dos arquétipos mais presentes em todas as elocubrações jurídicas, orbita em torno da matriz positivista que, hegemonicamente estrutura as atuais relações teórico- jurídicas; sendo, portanto, esta a matriz que reproduz símbolos e signos que lotam a linguagem jurídica e que, conseqüentemente, permeiam o discurso docente dentro da sala de aula. (CARVALHO, 2001, p.171)

Entendo conveniente anotar que, muito embora concorde com a idéia de que a adoção da concepção positivista do Direito implique uma tendência para a aula expositiva, segundo o método exegético, conforme apontam TAGLIAVINI, MACHADO e RODRIGUES, não me parece razoável considerar que tal característica seja exclusiva do positivismo, mas sim de qualquer modo de ensino baseado em textos.

Como indica MANACORDA, essa tendência parece estar presente, com relação ao ensino do Direito, desde a baixa Idade Média, muito antes, portanto, do surgimento do positivismo jurídico:

Para termos uma idéia de como se realizavam os estudos universitários é preciso ler algum depoimento direto dos mestres. Odofredo, discípulo dos discípulos de Irnério e professor de direito em Bolonha desde 1228, assim apresenta aos estudantes o programa de seu curso: “Quanto ao método de ensino, seguirei o método observado pelos doutores antigos e modernos e particularmente pelo meu mestre; o método é o seguinte: primeiro, dar-vos-ei um resumo de cada título antes de proceder à análise literal do texto; segundo, farei uma exposição a mais clara e explícita possível do teor de cada fragmento incluído no título; terceiro, farei a leitura do texto com o objetivo de emendá-lo; quarto, repetirei brevemente o conteúdo da norma; quinto, esclarecerei as aparentes contradições, acrescentando alguns princípios gerais de direito (extraídos do próprio texto), chamado comumente Brocardica, como também as distinções e os problemas sutis e úteis decorrentes da norma, com suas respectivas soluções, dento dos limites da capacidade que a Divina Providência me concederá. Se alguma lei merecer, em virtude de sua importância e dificuldade, uma repetitio, essa repetição será feita à noite. As

disputationes realizar-se-ão pelo menos duas vezes por ano: uma vez

antes do Natal e uma vez antes da Páscoa, se estais de acordo” (MANACORDA, 2002, p. 153-154)

Dessa forma, não há que se atribuir o exegetismo – presente, segundo a literatura citada, no ensino do Direito – ao positivismo jurídico. Penso que ocorre, na verdade, a apropriação, pelo juspositivismo, do método de ensino escolástico. Na escolástica, o exegetismo se ajusta perfeitamente à idéia de que a verdade está revelada nos textos sacros, e, portanto, não é possível apelo algum a argumentos não extraídos, direta ou indiretamente, da palavra sagrada, daí advindo, por conseguinte, a importância

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Entre as conseqüências fundamentais da progressiva hegemonia do positivismo normativista, enquanto princípio paradigmático constitutivo dos cursos jurídicos do país, está a de que o direito pode ser ensinado se forem transmitidas as premissas básicas do sistema. As funções criativa e especulativas são relegadas à categoria de matérias introdutórias, cuja função é menos a de “formar” os alunos e mais de informá-los de maneira estereotipada e padronizada sobre a linguagem necessária ao aprendizado da dogmática (FARIA, 1987, p. 44).

da retórica. No positivismo jurídico, o texto sacro é analogamente substituído pelo texto da lei, para além do qual não é possível argumentar. Assim, o exegetismo continua conveniente à ciência jurídica, ao contrário do que ocorre, por exemplo, com as ciências da natureza, para as quais tal método deixou de ser eficaz, devido à influência do empirismo.

Não obstante essa ressalva, vê-se que há praticamente um consenso no sentido de que o positivismo jurídico é a concepção de Direito dominante no universo jurídico do Brasil atual, inclusive quanto ao ensino, embora se note alguma variação sobre quais as conseqüências que tal concepção provoca no ensinar.

Ademais, na maior parte das obras produzidas sobre o tema, o enfoque central não é, propriamente, a identificação das influências do positivismo jurídico sobre o ensino do Direito, mas a crítica dessas influências, assumidas como existentes. Desse modo, reputo pertinente a identificação, tão detalhada quanto possível, da forma pela qual a concepção juspositivista influencia o ensino do Direito ou, em outras palavras, quais são as características do que posso denominar de “ensino positivista do Direito”.