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O direito do sócio

No documento DOUTORADO EM DIREITO SÃO PAULO 2015 (páginas 64-68)

2.2 Autonomia patrimonial

2.2.2 Interesses, direitos e obrigações: o titular do capital e a pessoa jurídica

2.2.2.1 O direito do sócio

Nas palavras de Fábio Konder Comparato, os três elementos fundamentais de toda relação societária são “a contribuição individual com esforços ou recursos, a atividade para lograr fins comuns e a participação em lucros ou prejuízos”.101

Imprescindível analisar qual a natureza do direito do sócio para compreender a extensão da separação patrimonial da pessoa jurídica. Compreender o direito refletido na propriedade da quota ou ação representativa do capital da pessoa jurídica faz deflagrar a impossibilidade de se confundir seu interesse na atividade empresária com o interesse da pessoa jurídica que efetivamente a exerce. E o mesmo ocorre com relação a suas obrigações.

Uma vez que os bens e os direitos conferidos ao capital de determinada sociedade deixam de pertencer ao patrimônio de seus sócios; uma vez que a sociedade adquire personalidade jurídica, passando a deter única e exclusivamente a propriedade de todo o ativo social, questiona-se o que resta aos sócios, ao cambiarem a titularidade sobre determinado bem ou direito pela propriedade de quotas ou ações da sociedade. Em outras palavras, qual seria a natureza do direito que o sócio adquire quando realiza a contribuição ao capital social de dada sociedade?

Quando um sócio confere bens ao capital de uma sociedade, não recebe em troca uma coparticipação nestes bens, como ocorre na relação de condomínio. Ele recebe em contrapartida um título que lhe concede a expectativa de receber lucros que esses bens, em conjunto, poderão gerar, bem como uma expectativa de receber um percentual sobre eventual saldo em liquidação. Como explicitado por José Xavier Carvalho de Mendonça, os sócios “não têm direito a partes determinadas nos bens da

100 ASCARELLI, Tullio. Problemas das sociedades anônimas e direito comparado cit., p. 263.

101 COMPARATO, Fábio Konder; SALOMÃO FILHO, Calixto. O poder de controle na sociedade

sociedade, mas somente um quinhão de valor, apreciável depois de pago o passivo deducto aere alieno.102

O instituto do condomínio autoriza as partes coproprietárias a usar diretamente os bens objeto do condomínio, o que não ocorre em uma pessoa jurídica. O fundo social é constituído para a realização da finalidade específica, de tal maneira que seu aproveitamento se dá em relações com terceiros, não pela utilização direta dos sócios, como no condomínio.103

Na situação fática e jurídica, os bens conferidos ao patrimônio da sociedade pertencem à pessoa jurídica, e apenas a ela.104 A partir do momento da entrega dos bens

ou direitos para formação do capital, a nenhum sócio resta qualquer parcela de domínio, nem ideal, sobre o patrimônio que surge – o patrimônio social.105

Já houve entendimento no sentido de ser a contribuição do sócio um direito condicional de propriedade que ficaria suspenso durante a existência da sociedade.106

Em face do ordenamento jurídico brasileiro, considerar haver permissão para a coexistência de dois proprietários sobre a totalidade de um mesmo bem parece desarrazoado.107 Ademais, não há qualquer garantia, no direito societário, de o bem

aportado ao capital retornar àquele que o conferiu. E as razões são óbvias.

Primeiramente, porque quando há conferência, há transferência de propriedade. O bem efetivamente sai do patrimônio do sócio para entrar no patrimônio da sociedade.

Em segundo lugar, porque ao conferir qualquer bem ao capital da sociedade, não é dada ao sócio qualquer garantia de retorno desse a seu patrimônio quando do fim da vida da empresa. A sociedade tem ampla e cabal autonomia de aliená-lo, transformá- lo e, até mesmo, desfazer-se dele gratuitamente, se daí provierem vantagens para a empresa. Dessa forma, não faz sentido sustentar que os bens conferidos ao capital da

102 MENDONÇA, José Xavier Carvalho de. Tratado de direito comercial brasileiro cit., p. 70. 103 ASCARELLI, Tullio. Problemas das sociedades anônimas e direito comparado cit., p. 275.

104 REQUIÃO, Rubens. Aspectos modernos do direito comercial: estudos e pareceres. São Paulo, Saraiva, 1986. v. 3, p. 131.

105 FERREIRA, Waldemar. Tratado de direito comercial cit., p. 107.

106 MENDONÇA, José Xavier Carvalho de. Tratado de direito comercial brasileiro cit., p. 70, citando DELOISON, Des sociétés commerciales, p. 20, n. XXIII.

sociedade permaneçam de propriedade do sócio que os entregou, aguardando a ocorrência de alguma condição para retornarem a seu patrimônio pessoal.

Em terceiro lugar, porque os bens conferidos ao capital têm finalidade própria, não coincidente com os objetivos pessoais do sócio. Eles estão a serviço da realização do fim social e não podem ser usados de qualquer outra forma que não a este propósito.

Pois bem. Ao nascer uma pessoa jurídica, as partes envolvidas fazem surgir no mundo jurídico uma comunhão de objeto e de objetivo: a de objeto refere-se à atividade a ser desenvolvida pela empresa em criação; e a de objetivo está relacionada à finalidade de se exercer essa atividade. Essa finalidade é, indubitavelmente, a obtenção de lucros, de tal forma que a atividade empresarial nada mais é que o “meio para a consecução do resultado por todos esperados: a produção de lucros”. 108

Portanto, ao constituir determinada sociedade empresária, seus sócios criam as condições para se tornarem expectadores de lucros sociais. Conferem ao seu capital bens anteriormente existentes nos patrimônios individuais respectivos e passam a aguardar que o exercício da atividade empresarial, com uso do fundo comum, gere lucros. Dessa forma, determinado sócio não recebe, como ocorre nos contratos bilaterais, um benefício econômico gerado em função do cumprimento da obrigação de outros sócios, mas sim um benefício resultante da conjugação dos esforços e recursos de todas as partes, visando ao objetivo comum: a produção de lucros.

Pode-se, neste momento, concluir que, enquanto existente a sociedade, o direito dos sócios, decorrente de sua contribuição ao capital, é de perceber os lucros por ela produzidos no exercício da empresa. Quando de sua liquidação, restará aos sócios o direito sobre um percentual do saldo do ativo, após pago todo seu passivo, a ser entregue em partilha. Nesse mesmo sentido, conclui Rubens Requião ao definir o direito do sócio como “um direito de crédito consistente em perceber o quinhão de lucros

108 COMPARATO, Fabio Konder. Direito empresarial: estudos e pareceres. 1. ed. 2. tir. São Paulo: Saraiva, 1995. p. 150.

durante a existência social e em particular na partilha da massa residual, depois de liquidada a sociedade”. 109

Na tentativa de definir a natureza do direito do sócio ao contribuir ao capital social, José Xavier Carvalho de Mendonça inicia sua ponderação determinando que esse direito pode ser dividido em duas partes, tratando-se de um direito patrimonial e outro pessoal. O direito patrimonial consiste no direito de crédito (i) em perceber o quinhão de lucros durante a existência social e (ii) em participar na partilha da massa resídua, depois de liquidada a sociedade. Conclui que este direito de crédito é condicionado, “podendo ser exercido somente sobre os lucros líquidos, [...], e sobre o ativo líquido, a dizer, sobre o saldo verificado depois da liquidação”. E continua: “os sócios, sob qualquer pretexto, não concorrem com os credores da sociedade; têm um direito de crédito subordinado inteiramente à liquidação social, de modo que este poderá ser igual a zero ou ainda descer abaixo de zero, tornando-se quantidade negativa, passivo”. Adicionalmente, há o direito pessoal consistentes basicamente em “cooperar na vida social”, seja por participação direta na administração da sociedade, seja por meio de exercício de voto em deliberação de sócios; ou por meio de fiscalização dos atos da administração.110 Na mesma direção, Waldemar Ferreira conclui não haver

copropriedade de bens e direitos, mas apenas uma expectativa de lucros e saldo residual fruto de liquidação.111

Ocorre, no entanto, que o resultado positivo da atividade empresarial (seja aquele consubstanciado nos lucros de cada exercício, seja o saldo residual em liquidação) não é líquido e certo, mas puramente aleatório. A sociedade pode vir a reconhecer prejuízos, em função de inúmeros fatores, independentemente da conjugação dos esforços de todos seus sócios. Da mesma forma, pode a sociedade ser liquidada e, após realizar todo seu passivo, não restar um único bem para ser distribuído a seus sócios. Esse fato é conhecido de todos quando criam a empresa. O risco, portanto,

109 REQUIÃO, Rubens. Aspectos modernos do direito comercial: estudos e pareceres cit., p. 132. 110 MENDONÇA, José Xavier Carvalho de. Tratado de direito comercial brasileiro cit., p. 71 e ss. 111 Segundo o autor “não é o sócio, diante disso, comproprietário do fundo social. Não tem direito à mais

mínima parte dele, enquanto a sociedade subsistir. Dissolvida esta e liquidada, aquele fundo, preferencialmente, se destinará ao pagamento do passivo social; e o resíduo deste, se houver, se destinará aos sócios, na proporcionalidade devida. Mais não lhes assiste do que mera expectativa de direito a esse resíduo e direito efetivo aos lucros verificados ao cabo de cada exercício financeiro”, em FERREIRA, Waldemar. Tratado de direito comercial cit., p. 126.

sempre está presente na atividade empresarial. A importância desta constatação se faz para a compreensão do direito efetivamente detido pelo sócio.112

Rubens Requião caracteriza a sociedade por seu “dinamismo especulativo”, diferenciando, para tanto, os lucros dos frutos: “o fruto pressupõe uma atividade produtiva e se colhe na fruição dos bens segundo sua destinação econômica; o lucro pressupõe uma atividade especulativa, na qual a atividade de produção constitui somente um momento e se encontra em relação de meio a fim”.113 Tem-se na atividade

empresarial, portanto, uma atividade de risco, que na busca dos lucros, intrinsecamente conhece a possibilidade do prejuízo.

No documento DOUTORADO EM DIREITO SÃO PAULO 2015 (páginas 64-68)