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3 CONTROLE CONTÁBIL

3.1.4 Princípios

Para assegurar o cumprimento das funções a que o capital social se destina, especificamente no que se refere à garantia aos credores sociais, alguns princípios regem sua disciplina. São eles o da unidade, da fixidez, da irrevogabilidade, da realidade e da integridade.281

3.1.4.1 Princípio da unidade

A sociedade empresária deve ter um único capital social expresso em seu contrato social ou estatuto.282 A unidade reflete-se igualmente no patrimônio, devendo

todos seus bens, direitos e deveres estar expressos em um único balanço, onde se registram as garantias dos credores sociais. 283

No ordenamento brasileiro, este princípio encontra-se expresso no artigo 5º da Lei 6.404/76 e no artigo 997, III, do Código Civil.

3.1.4.2 Princípio da fixidez

O capital social é fixo. A variação posterior do capital social depende de ato de vontade conjunta dos sócios. Sua modificação somente pode ocorrer nos casos previstos em lei e se atendidas as normas que regem sua alteração.284 As situações em

280 ASCARELLI, Tullio. Problemas das sociedades anônimas e direito comparado cit., p. 332.

281 LAMY FILHO, Alfredo. Capital social e ações. In: PEDREIRA, José Luiz Bulhões; LAMY FILHO, Alfredo (Coords.). Direito das companhias cit., v. 1, p. 196.

282 LAZZARESCHI NETO, Alfredo Sérgio. Lei das Sociedades por Ações anotada cit., p. 48.

283 LAMY FILHO, Alfredo. Capital social e ações. In: PEDREIRA, José Luiz Bulhões; LAMY FILHO, Alfredo (Coords.). Direito das companhias cit., v. 1, p. 197; LAMY FILHO, Alfredo. Capital social, conceito. Atributos. A alteração introduzida pela Lei n. 9.457/97. O capital social no sistema jurídico americano. Revista Forense, v. 346, ano 95, p. 5, abr.-jun. 1999.

que o ordenamento autoriza o aumento e a redução do capital social são taxativas e nessa ordem se assegura o credor.285

Mário Engler Pinto Júnior resume três situações das quais podem decorrer o aumento de capital:286 (i) quando há decisão de capitalizar lucros advindos da atividade

da empresa – caso em que não se verifica aporte de recursos adicionais, mas sim incorporação de resultados, medida pela qual há modificação da natureza jurídica desses montantes, pois deixam de se configurar como bens destinados à distribuição de dividendos para se incorporar ao capital da sociedade e, portanto, não estarem mais aptos a tal distribuição; (ii) quando se convertem em ações outros títulos de emissão da companhia (situação aplicável apenas às sociedades anônimas). Neste caso, igualmente, não há aporte de novos recursos, mas apenas alteração da natureza do bem, que deixa de constar como débito social para configurar-se como capital; (iii) por último, o aumento que prevê a entrada de novos aportes por parte dos sócios (atuais ou novos). Em todos os casos, há um alargamento da garantia dos credores sociais.

Quanto ao primeiro caso (absorção de resultados), os valores a serem usados para a realização do aumento devem ser, necessariamente, resultados efetivamente realizados, constantes de reservas já constituídas. Em princípio, não se admite a integralização por meio de lucros futuros, pois tal condição estaria a ferir o princípio da realidade, tratado adiante. Isso porque lucros futuros são eventuais e, portanto, mera expectativa.287 Para Egberto Lacerda Teixeira, não é inválida a cláusula que faculte ao

sócio integralizar sua participação no capital com lucros futuros, sendo, para este autor, apenas inconveniente.288 Trata-se, na realidade, mais de uma questão de situação

potencial para o sócio se tornar remisso do que efetivamente uma proibição legal. Dado que o sócio responde pelo valor da subscrição durante o tempo em que o capital não estiver inteiramente integralizado, também não seria uma ameaça à garantia dos credores, pois na ausência de patrimônio social quem deverá realizar o pagamento será o sócio, na medida do valor em aberto.

285 FRANÇA, Erasmo Valladão Azevedo e Novaes. Capital social e negociação com as próprias ações cit., p. 800.

286 PINTO JÚNIOR, Mario Engler. A capitalização da companhia cit., p. 205. 287 TOKARS, Fabio. Sociedades limitadas. São Paulo: LTr, 2007. p. 182.

288 TEIXEIRA, Egberto Lacerda. Das sociedades por quotas de responsabilidade limitada. Atualizado de acordo com o novo Código Civil por Syllas Tozzini e Renato Berger. 2. ed. São Paulo: Quartier Latin, 2006. p. 86.

A redução do capital, por sua vez, apresenta movimento oposto. Pode acontecer em duas situações distintas: uma quando não há devolução de bens sociais aos sócios, outra quando os sócios são destinatários de tais bens.

A primeira situação decorre da existência de prejuízos sociais verificados em exercícios sucessivos. Tendo em vista ser o capital social uma baliza para distribuição de dividendos, enquanto houver prejuízo todo lucro superveniente será usado para, primeiramente, eliminar tais prejuízos, impedindo sua distribuição. Dado que a finalidade última da empresa é a distribuição de lucros, permite-se a redução do capital social de maneira a absorver tais prejuízos e readequar a sociedade à realidade de seus resultados, permitindo distribuição de dividendos futuros. Neste caso, não há devolução de bens aos sócios, mas ajuste do capital à realidade da empresa.

Outra situação é quando se verifica ser o capital social excessivo ao desenvolvimento das atividades sociais. Neste caso, devolvem-se bens sociais aos sócios, por se entender que sua finalidade econômica não está sendo preenchida no exercício daquela empresa, estando ali ociosos.289

A proteção almejada com a fixidez é a manutenção do montante do capital social de forma independente das variações que naturalmente sofre o patrimônio social em vista do exercício da atividade empresária; ou seja, apresente sucesso ou fracasso nos resultados o capital permanece íntegro,290 assim como a garantia que oferece.

Reduzir o capital significa reduzir uma garantia concedida a terceiros no momento de constituição da sociedade. Não por outra razão, para fazê-lo, há necessidade de se seguirem trâmites específicos, todos com vista à proteção do credor. Como ensina Alfredo Lamy Filho, “a fixidez protege os credores sociais contra sua redução por deliberação dos acionistas”. 291

Tanto a Lei 6.404/76 quanto o Código Civil tratam com acuidade a alteração do capital social. O primeiro diploma, além de expressamente determinar que o capital social somente pode ser alterado nos termos da lei e do estatuto social em seu artigo 6º,

289 PINTO JÚNIOR, Mario Engler. A capitalização da companhia cit., p. 206. 290 TOKARS, Fabio. Sociedades limitadas cit., p. 172.

291 LAMY FILHO, Alfredo. Capital social e ações. In: PEDREIRA, José Luiz Bulhões; LAMY FILHO, Alfredo (Coords.). Direito das companhias cit., v. 1, p. 197.

prescreve as condições e formalidades para se realizar seu aumento ou redução nos artigos 166 a 174. O mesmo se dá nos artigos 1.081 a 1.084 do Código Civil.

Importante repisar a observação quanto à redução do capital social prevista no artigo 1.083, II, do Código Civil, e no artigo 173 da Lei 6.404/76, baseada em sua “perda”. Tendo em vista o princípio da fixidez, os dispositivos legais não se referem à perda do capital social propriamente dito, dado ser este fixo e não passível de diminuição sem os trâmites legais. Trata-se de perda do patrimônio de maneira irreversível, mantendo o resultado da diminuição do ativo pelo passivo (patrimônio líquido) em valor inferior àquele do capital social por períodos sucessivos. Em ocorrendo tal fenômeno, a sociedade fica impedida de distribuir resultado a seus sócios indefinidamente. Sendo a distribuição de lucros aos sócios a finalidade última da empresa, cabe a redução neste caso para readequar a sociedade à sua realidade econômica. Evidentemente que não se conduz esse procedimento se verificado o estado de insolvência, caso em que a sociedade deve ser conduzida à recuperação judicial ou extrajudicial ou mesmo à falência.292

3.1.4.3 Princípio da irrevogabilidade

Ao constituir uma sociedade, ou aumentar o capital durante sua existência, os sócios deliberam um certo montante de capital e obrigam-se a subscrevê-lo. Este ato é irrevogável. Os sócios não podem se esquivar da obrigação de realizar as transferências patrimoniais a que se obrigaram perante a sociedade quando da aprovação do capital social.293 Se o capital social foi subscrito, ele necessariamente

deverá ser integralizado,294 ainda que a lei brasileira não trate do prazo em que deverá

ocorrer.

Como ensina Fran Martins, “o intuito da lei é, assim, dar aos terceiros a garantia de que o capital social é real, não estando sujeito a diminuição por falta de integralização por parte dos sócios. Constituindo a sociedade uma pessoa distinta da dos

292 TOKARS, Fabio. Sociedades limitadas cit., p. 173.

293 LAZZARESCHI NETO, Alfredo Sérgio. Lei das Sociedades por Ações anotada cit., p. 48.

294 FRANÇA, Erasmo Valladão Azevedo e Novaes. Capital social e negociação com as próprias ações cit., p. 797.

seus sócios, ao iniciar sua vida o faz com um capital certo, formado pelas contribuições de cada um”.295

Igualmente irrevogável é o ato da transferência patrimonial em si. Os bens e os direitos entregues à sociedade na integralização do capital subscrito tornam-se parte do fundo social e não podem ser devolvidos aos sócios.296 Aliás, nem mesmo na

liquidação, após o pagamento de todos os credores sociais, em caso de sobra de acervo, não necessariamente retornará ao sócio aquilo que aportou quando da integralização. Seu direito é sobre parte do acervo social, resultante do processo de liquidação, e não a devolução do bem originalmente entregue (nem em montante, nem em espécie).

A Lei 6.404/76, em seus artigos 106 a 108 e 210, V, traduz a irrevogabilidade do ato de subscrição, bem como trata do acionista remisso e das consequências de seu inadimplemento. Igualmente o faz o Código Civil nos artigos 1.041 e 1.058. Note-se que, em ambos os casos, há previsão para a redução do capital na situação em que a sociedade não recuperar o valor total da integralização do sócio remisso (artigo 107, § 4º da Lei 6.404/76 e parágrafo único do artigo 1.041 c.c. § 1º do artigo 1.031 do Código Civil), o que serve também ao princípio da intangibilidade do capital social, a ser analisado adiante.

Ainda com relação ao Código Civil e, portanto, à sociedade limitada, seu artigo 1.052 determina a responsabilidade solidária dos sócios pela integralização do capital social, reforçando o princípio da irrevogabilidade e fortalecendo a garantia ao credor em caso de inadimplemento na subscrição.

Por último, mas não menos importante, a Lei 11.101/05, que regula a recuperação judicial, a extrajudicial e a falência do empresário e da sociedade empresária, dispõe em seu artigo 82 quanto à apuração da responsabilidade pessoal dos sócios de responsabilidade limitada em caso de falência, situação em que igualmente se buscará executar a obrigação pela integralização de capital subscrito e não pago.

295 MARTINS, Fran. Sociedades por quotas do direito estrangeiro e brasileiro. Rio de Janeiro: Forense, 1960. v. II, p. 586.

296 LAMY FILHO, Alfredo. Capital social, conceito. Atributos. A alteração introduzida pela Lei n. 9.457/97. O capital social no sistema jurídico americano. Revista Forense, v. 346, ano 95, p. 5, abr.- jun. 1999; LAMY FILHO, Alfredo. Capital social e ações. In: PEDREIRA, José Luiz Bulhões; LAMY FILHO, Alfredo (Coords.). Direito das companhias cit., v. 1, p. 197.

3.1.4.4 Princípio da realidade

O valor real dos bens a serem aportado à sociedade deve corresponder exatamente ao montante determinado como capital social subscrito. Portanto, deve haver uma correspondência efetiva entre a cifra nominal em dinheiro do capital subscrito e o valor real dos bens transferidos ou prometidos à pessoa jurídica a título de integralização de capital.297

Esse princípio, também chamado de efetividade do capital social,298 busca

assegurar seja seu valor e, portanto, haja uma correlação efetiva entre o que está descrito como capital social e o que efetivamente se entregou à sociedade para formação de seu patrimônio. Como bem ressalta Rubens Requião, “grande parte das fraudes cometidas nas sociedades de pessoas, inclusive nas sociedades anônimas, decorre da facilidade com que se permite a integralização da contribuição do sócio no capital social, em bens, sejam corpóreos ou incorpóreos”.299 A ausência de regras rígidas quanto à avaliação do

que se entrega para a formação do capital social faz cair por terra a proteção almejada. Modesto Carvalhosa entende ser insuficiente que o bem entregue à formação do capital social tenha valor justo. Para o autor, é necessário que tal bem tenha utilidade para a atividade a ser exercida pela sociedade, como fator produtivo desta. Neste sentido, afirma que “[a] conferência de bens alheios ao objeto social pode perfeitamente ser considerada como forma de burla aos credores e aos concorrentes”. E continua: “[a] nulidade pode, em consequência, ser arguida por qualquer interessado (acionistas, credores e concorrentes), por constituir meio ilícito de formação do capital social”.300 Importante ressaltar não haver, na legislação, impedimento à conferência de

bens ao capital que não guardem relação com o tipo de atividade exercida. A conclusão de Modesto Carvalhosa embasa-se no entendimento de o capital social estar atrelado à consecução do objeto social, e somente nisso.

297 LAZZARESCHI NETO, Alfredo Sérgio. Lei das Sociedades por Ações anotada cit., p. 48; FRANÇA, Erasmo Valladão Azevedo e Novaes. Capital social e negociação com as próprias ações cit., p. 798; LAMY FILHO, Alfredo. Capital social, conceito. Atributos. A alteração introduzida pela Lei n. 9.457/97. O capital social no sistema jurídico americano. Revista Forense, v. 346, ano 95, p. 5, abr.-jun. 1999.

298 GONÇALVES NETO, Alfredo de Assis. Direito de empresas: comentários aos artigos 965 a 1.195 do Código Civil cit., p.352.

299 REQUIÃO, Rubens. Curso de direito comercial cit., p. 388.

O reflexo deste princípio na legislação brasileira, ao contrário do que ocorre com os princípios antes visitados neste trabalho, dá-se de maneira bastante diferente em relação à sociedade limitada e à sociedade anônima.

A proteção à realidade do capital social no Código Civil, que rege a sociedade limitada, restringe-se a proibir o aumento do capital social sem que esteja integralmente integralizado (artigo 1.081) e a responsabilizar solidariamente os sócios pela exata estimativa dada aos bens conferidos a seu capital pelo prazo de cinco anos da data do registro da constituição da sociedade, ou de algum aumento futuro de capital (artigo 1.055, parágrafo 1º). A legitimidade para a ação de responsabilização dos sócios, neste caso, compete à sociedade (e não aos credores). Pode, igualmente, o administrador judicial, na falência, buscar esta indenização, com fulcro no artigo 82 da Lei 11.101/05.301

No tocante às sociedades anônimas, a projeção do princípio da realidade na Lei 6.404/76 é consideravelmente mais compreensiva e efetiva.

O inciso I do artigo 80 exige, como requisito preliminar para a constituição da sociedade, seja integralmente subscrito seu capital social.

O artigo 8º determina a obrigatoriedade de avaliação dos bens para conferência ao capital social por três peritos ou empresa especializada, responsabilizando, em seu § 6º, os avaliadores e o subscritor, perante a companhia, os acionistas e terceiros, pelos danos que causarem na avaliação de tais bens.

O artigo 10, além de igualar a responsabilidade civil dos subscritores que contribuírem com bens para a formação do capital social à do vendedor, prescreve em seu parágrafo único que, se a entrada consistir em crédito, o subscritor ou acionista responderá pela solvência do devedor.

O inciso II do artigo 80 condiciona a constituição da companhia a uma entrada de no mínimo 10% do preço de emissão das ações subscritas que seja

301 GONÇALVES NETO, Alfredo de Assis. Direito de empresas: comentários aos artigos 965 a 1.195 do Código Civil cit., p. 355.

integralizada em dinheiro, obrigando em seu inciso III que haja comprovação de tal depósito em instituição financeira.

A ausência dessa exigência para as sociedades limitadas faz viável que haja integralização de capital meramente contábil, pois inexistente qualquer comprovação de sua existência real, como ocorre com as sociedades anônimas.302 Nesses casos, Sergio

Campinho defende que os credores poderiam pretender a responsabilidade dos sócios pela integralização do valor que não estivesse efetivamente entregue à sociedade, devendo provar o fato, por meio de confrontação entre “as contas e escrituração da sociedade e as declarações de rendimentos dos sócios, a fim de verificar o casamento real das operações”.303

Nos casos em que as ações da companhia tenham valor nominal, veda o artigo 13 sejam emitidas ações com preço inferior a este montante.

Somente autoriza seja o capital social aumentado se já integralizados três quartos do que anteriormente estiver subscrito, conforme artigo 170.

Não há substância jurídica na escolha do legislador do Código Civil em enfraquecer a proteção conferida ao capital social com o princípio da realidade, vez que o fundamento de sua aplicação recai na mesma garantia: dos credores sociais de sociedades de responsabilidade limitada, que têm na integridade do capital sua principal garantia.304 Diga-se mais. A realidade do capital social não serve ao Direito apenas para

garantia dos credores sociais. Além de evitar seja o capital social uma referência ilusória, saudando sua efetividade, a exigência de correlacionar valor real do bem com o

302 TOKARS, Fabio. Sociedades limitadas cit., p. 180.

303 CAMPINHO, Sérgio. O direito de empresa à luz do novo Código Civil. Rio de Janeiro. Forense: Renovar, 2002. p. 144.

304 Alfredo de Assis Gonçalves Neto assume posição favorável à ausência de regras mais rígidas para aplicação do princípio da realidade em sociedade limitadas, justificando “o Código Civil deixa a critério dos sócios a estimativa do valor atribuído a cada bem. A orientação parece-me correta, já que o tipo da sociedade limitada presta-se como fórmula para pequenos e médios empreendimento, os quais não suportariam as barreiras de formalidades custosas. Os sócios, em princípio, são os melhores fiscais da estimativa do valor dos bens, porquanto um valor excessivo pode prejudicar a participação dos que subscrevem contribuições em dinheiro e um valor reduzido prejudica aquele sócio que aporta o bem para o patrimônio social.” Mas faz uma ressalva, “isso, porém, não é sempre assim. Uma sociedade entre pessoas de relacionamento próximo pode burlar esse critério e, com isso, pode trazer prejuízo aos credores no que diz respeito à garantia de efetiva existência do capital social na sociedade com que contratam” (GONÇALVES NETO, Alfredo de Assis. Direito de empresas: comentários aos artigos 965 a 1.195 do Código Civil cit., p. 354).

capital social tutela outros interesses. Como ensina Modesto Carvalhosa: “dos acionistas ou subscritores que contribuíram com dinheiro; dos futuros compradores de ações, ou seja, dos investidores; [...]; o interesse público, representado pela preocupação do Estado na continuidade da empresa, resguardando-a contra quebra advinda da atribuição de um valor fictício ao capital”.305

Ademais, essa ausência de maior regramento é um contrassenso no caso das sociedades limitadas, justamente porque não estão sujeitas à publicidade de seus atos e de suas demonstrações financeiras, como ocorre com as sociedades anônimas. Destarte, sendo o cumprimento das obrigações quanto à integralização do capital social mais “discreto”, as exigências quanto à sua realidade deveriam ser mais rígidas, pois servem a terceiros. Neste sentido também conclui Carlos Fulgência da Cunha Peixoto: “as sociedades interessam ainda à ordem pública, não sendo, pois, razoável permitir o Estado a proliferação, quase sem capital, de uma espécie de sociedade que, sôbre não apresentar nenhuma publicidade de sua vida, limita exclusivamente ao próprio capital a responsabilidade de seus membros”.306

Por último, mas não menos importante, a Lei 11.101/05 tipifica como crime em seu artigo 168, § 1º, IV, a simulação da composição do capital social.

3.1.4.5 Princípio da intangibilidade

O princípio da intangibilidade é o princípio basilar que rege a disciplina do capital social e fundamental para a compreensão deste instituto como garantia dos credores sociais. Nas palavras de Jorge Lobo: “para permitir que o capital social exerça, em toda a sua plenitude, suas importantes funções, os juristas conceberam o princípio da intangibilidade do capital social”.307

305 CARVALHOSA, Modesto. Comentários à de Sociedades Anônimas cit., p. 116.

306 PEIXOTO, Carlos Fulgêncio da Cunha. A sociedade por cotas de responsabilidade limitada cit., p. 125.

307 LOBO, Jorge. Fraudes à realidade e integridade do capital social das Sociedades Anônimas. Revista

de Direito Mercantil, Industrial, Econômico & Financeiro, São Paulo, ano XXVII, n. 70, p. 57, abr.-

Paulo de Tarso Domingues insere o princípio da intangibilidade, juntamente com os demais princípios estudados aqui anteriormente, dentro de um princípio mais abrangente, que seria o da tutela do capital. 308

Preceitua este princípio que os bens e direitos conferidos ao capital da sociedade devem servir exclusivamente ao exercício de suas atividades, sendo intangíveis aos sócios enquanto a sociedade perdurar e passíveis de distribuição a estes apenas na liquidação da sociedade, após o cumprimento de todas as obrigações sociais e satisfeitos todos os credores.309

Como anteriormente mencionado, a garantia efetiva dos credores sociais não está no capital social propriamente dito, mas no reflexo que ele opera no patrimônio social. Durante a existência da sociedade, o patrimônio líquido (diferença entre ativo e passivo) deve se manter em valor igual ou superior ao valor do capital social, ou seja, sempre deverá haver bens e direitos em montante superior às obrigações na medida do capital social.

Dizer, portanto, que o capital é intangível é garantir que esses bens e direitos formadores do ativo da sociedade sempre superem as obrigações constantes de seu

No documento DOUTORADO EM DIREITO SÃO PAULO 2015 (páginas 141-169)