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O desvirtuamento da desconsideração da personalidade

No documento DOUTORADO EM DIREITO SÃO PAULO 2015 (páginas 107-116)

2.3 Responsabilidade limitada

2.3.2 Ataques à responsabilidade limitada

2.3.2.2 O desvirtuamento da desconsideração da personalidade

propósitos da limitação da responsabilidade dos sócios, também construiu argumentos relevantes para indicar sua ineficiência e até mesmo sua inaplicabilidade em certos casos, como neste capítulo se esmiuçará.189

De acordo com a Análise Econômica do Direito (“Law and Economics”), o mecanismo da limitação da responsabilidade do sócio não faz desaparecer o risco do negócio. A responsabilidade limitada serve à alocação do risco empresarial para além do sócio, exteriorizando-o para os credores da sociedade.

A responsabilidade ilimitada, por sua vez, faz recair sobre o patrimônio do sócio o risco do negócio, vez que, inadimplida uma obrigação da sociedade, o credor pode buscar em outro lugar seu ressarcimento. Ao se limitar a responsabilidade, pela Análise Econômica do Direito, verifica-se que, no exaurimento dos bens sociais, a perda

187 COELHO, Fábio Ulhoa. Desconsideração da personalidade jurídica cit., p. 37.

188 SZTAJN, Rachel. Sobre a desconsideração da personalidade jurídica. Revista dos Tribunais, ano 88, v. 762, p. 89, abr. 1999.

189 WARDE JÚNIOR, Walfrido Jorge. A crise da limitação de responsabilidade dos sócios e a teoria da

é transferida ao credor, que fica sem patrimônio para executar, suportando o risco do negócio.190

Em trabalho produzido em amparo à limitação da responsabilidade e contrário à aplicação indiscriminada da desconsideração da personalidade jurídica, Richard Posner defende a importância da limitação da responsabilidade limitada como ferramenta do Direito Societário que traz vantagem na realização de negócios jurídicos tanto para os sócios (investidores), quanto para os credores.191 Sua função precípua é de

encorajar aquele que tem aversão a riscos a limitar a possibilidade de perda de seu investimento. Mas, se por um lado, a limitação da responsabilidade funciona como um incentivo ao investimento, por outro é um mecanismo de exteriorização do risco para os credores. Só que para o autor isso não ocorre de forma a prejudicá-los, vez que o credor tem condições de estimar o risco do inadimplemento e embuti-lo na negociação de seu crédito, seja pelo valor concedido, seja pelo período de concessão do crédito, seja pela taxa de juros cobrada.192

De acordo com o autor, para mitigar seus riscos, o credor precisa de (i) acesso à informação exata relativa aos ativos e passivos já existentes, de forma a ter condições de avaliar o risco de inadimplemento; e (ii) supervisão das atividades do devedor a posteriori, para se certificar de que este não atua (perdendo ativos ou aumentando passivos) de maneira a incrementar os riscos por ele calculados na concessão do crédito.193

Seguindo seu raciocínio, em qualquer transação as partes batalharão por condições específicas para, de um lado, baratear o crédito e, de outro, assegurar-se contra os riscos do inadimplemento no futuro.

Independentemente do que estipular o Direito Societário, nessa negociação, por exemplo, o devedor (sociedade) pode exigir a responsabilidade limitada de seus sócios, o que provocará aumento do custo do crédito, pois o credor não poderá contar

190 SALAMA, Bruno Meyerhof. O fim da responsabilidade limitada no Brasil – História, direito e economia cit., p. 405.

191 POSNER, Richard A. The Rights of Creditors of Affiliated Corporations. University of Chicago Law

Review, v. 43, p. 503, 1975.

192 Idem, ibidem, p. 505. 193 Idem, p. 508.

com o patrimônio daqueles para o recebimento dos valores a ele devidos. Por outro lado, os sócios, com o intuito de melhorar as taxas negociadas, podem responsabilizar- se pelo pagamento do crédito, juntamente com a sociedade, assumindo a posição de devedor dela subsidiário ou com ela solidário contratualmente (concessão de aval, por exemplo), ampliando dessarte a sua responsabilidade, antes totalmente limitada. O credor, por sua vez, pode impor obrigações à sociedade de não distribuição de dividendos em certas situações, de forma a garantir maior pujança do patrimônio do devedor. E assim por diante.

Para Posner, o Direito Societário, ao criar regras – seja de limitação da responsabilidade dos sócios, seja de mecanismos limitadores à distribuição de dividendos, entre outras – faz com que o custo de transação entre as partes diminua, pois prescreve cláusulas contratuais padronizadas que tornam desnecessária sua negociação, pois já exigidas por lei. A norma societária é eficiente quando tais cláusulas contratuais implícitas no ordenamento refletem de maneira adequada o desejo comum das partes em uma transação. Ela é ineficiente quando obriga as partes a renunciar a certos direitos concedidos por lei, fazendo aumentar, assim, os custos da transação.194

Por tais razões, não haveria que se falar em desconsideração da personalidade jurídica com relação a credores negociais, pois os riscos já teriam sido calculados quando da realização do negócio jurídico. A desconsideração somente deveria entrar em cena em casos excepcionais.

Entretanto, Posner assume haver situações em que esse mecanismo de mitigação de riscos oferecido pela lei societária não garante proteção: quando se tratar de credores involuntários,195 que, para o autor, seriam aqueles vitimados por atos ilícitos

praticados pela sociedade. Uma vez que as partes não tiveram oportunidade de negociar, a responsabilidade limitada concedida pelo Direito pode alterar negativamente a posição do credor.

194 POSNER, Richard A. The Rights of Creditors of Affiliated Corporations. University of Chicago Law

Review, v. 43, p. 506, 1975.

A maior crítica sofrida a essa tese196 teve causa na sua premissa

profundamente liberal de que todos os credores voluntários teriam possibilidade de negociar livremente com a sociedade, com acesso a suficiente informação e em condições de igualdade, e, por tal razão, somente teriam acesso à desconsideração em casos específicos, de exceção.

Na realidade, não apenas os credores involuntários deixam de ter condições de negociar taxa de risco, mas também aqueles credores voluntários que, por sua relação de dependência com a sociedade, não se encontram no mesmo patamar desta para livremente transacionar quanto a todos os termos e condições de seus contratos, e.g. alguns fornecedores e empregados.

Nesse sentido, a exteriorização do risco não seria um problema efetivo para aqueles credores com capacidade de ajustar os termos e condições da transação de acordo com seus interesses. Na medida em que sua posição na relação contratual, ou mesmo seu poder econômico, comportam a livre negociação, faz-se possível calcular o risco e embuti-lo em seus preços ou condições de pagamento. O problema que caberia ao Direito resolver residiria nos credores sem condições de negociar – seja pela impossibilidade da negociação (como no caso dos chamados credores involuntários, tais como aqueles decorrentes de responsabilidade extracontratual da sociedade, i.e., vítimas de atos ilícitos), seja pela subordinação inerente à relação contratual (caso dos empregados, consumidores ou mesmo fornecedores de menor porte dependentes do fornecimento para existir).197

Se o fundamento da limitação da responsabilidade limitada sustentado por Posner é derrubado – quer-se dizer, na medida em que não são existentes condições

196 WARDE JÚNIOR, Walfrido Jorge. A crise da limitação de responsabilidade dos sócios e a teoria da

desconsideração da personalidade jurídica cit., p. 120 e ss.

197 José Engrácia Antunes explicita essa diferenciação: “a distinção entre credores voluntários e

involuntários assenta fundamentalmente na natureza da posição do credor na relação jurídico-

creditícia com a sociedade: assim, por exemplo, ao passo que o banco que emprestou fundos ou o fornecedor que vendeu mercadorias a uma sociedade tiveram obviamente uma voz activa na conformação da relação de crédito emergente (tendo ocasião de determinar o estabelecimento e os termos da mesma, v.g., negociando taxas de juro ou preço de venda apropriados para cobrir a magnitude do risco assumido), o consumidor dum produto defeituoso ou o trabalhador vítima de um acidente de trabalho não possui qualquer intervenção no surgimento da relação creditícia indemnizatória, não dispondo assim de qualquer controlo real, nem sobre o seu se, nem sobre o seu

como” (ANTUNES, José Engrácia. Estrutura e responsabilidade da empresa: o moderno paradoxo

igualitárias de negociação entre credores e devedores para determinar a taxa de risco envolvida em suas relações – esvazia-se sua justificativa para a manutenção da responsabilidade limitada (i.e. o credor social não é prejudicado por essa limitação em vista de ter condições de precificar seu risco). E é nesse vazio que se encontra território fértil para a aplicação indiscriminada (e equivocada) da desconsideração da personalidade jurídica – não mais como uma sanção ao uso abusivo da personalidade jurídica, mas como ferramenta para desconstruir a limitação da responsabilidade dos sócios.

Um exemplo claro disso encontra-se na tese desenvolvida por Henry Hansmann e Reinier Kraakman,198 na qual sustentam a responsabilidade ilimitada dos

sócios para casos de vítimas de atos ilícitos, cujos danos sejam superiores ao patrimônio líquido da sociedade. Para os autores, a responsabilidade ilimitada mitigaria os incentivos existentes para investimentos exagerados em indústrias de atividade perigosa e para baixos custos com precaução. Note-se, em seu estudo não estão a tratar de casos de desconsideração da personalidade jurídica, mas simplesmente de não aplicação da responsabilidade limitada. Para comprovar sua posição, analisam todas as vantagens defendidas pela Análise Econômica do Direito para justificar a responsabilidade limitada e demonstram serem estas insuficientes para mantê-la.

A primeira teoria a relativizar a importância da desconsideração para atingir os sócios foi a da finalidade da norma,199 defendida por Müller-Freienfels, para quem a

pessoa jurídica não é um ser, mas um “elemento da ordem jurídica” e, por tal razão, “dela não se pode descontextualizar a ponto de abstrair-se, de perder sua essência instrumental”.200 Se a finalidade da norma é proteger um dado interesse público, essa

finalidade pode se sobrepor à separação entre pessoa jurídica e física,201 atingindo os

sócios, ainda que originalmente a norma se destinasse à pessoa jurídica.

198 HANSMANN, Henry; KRAAKMAN, Reinier. Toward Unlimited Shareholder Liability for

Corporate Torts. Disponível em: <http://www.law.harvard.edu/programs/olin_center/papers/

pdf/Hansmann_94.pdf>.

199 Calixto Salomão Filho a denominou como teoria dos centros de imputação, conforme menção no item anterior deste trabalho.

200 WARDE JÚNIOR, Walfrido Jorge. A crise da limitação de responsabilidade dos sócios e a teoria da

desconsideração da personalidade jurídica cit., p. 154.

201 CASILLO, João. Desconsideração da pessoa jurídica. Revista dos Tribunais, São Paulo, v. 528, p. 30, out. 1979.

Walfrido Jorge Warde Júnior desenvolve trabalho minucioso para colocar em pauta se a responsabilidade limitada tem causa na personificação e, por isso, seria necessária a disregard doctrine para sustentar a responsabilização dos sócios.202

Segundo o autor, “por se crer que a limitação de responsabilidade decorria da personalidade jurídica, o desejo de imputar responsabilidade aos sócios passou, obrigatoriamente, pela despersonificação”203, por isso “a crise da limitação da

responsabilidade, confundida com a ‘utilização abusiva da pessoa jurídica’, deflagrou o emprego da disregard doctrine como mecanismo de correção”.204

Em seu estudo, revela que a desconsideração da personalidade jurídica não seria uma resposta à crise da pessoa jurídica, mas sim à crise da responsabilidade limitada propriamente dita, que não estaria mais exercendo suas funções e, diante disso, propõe sua atualização.

A origem de sua análise reside na atualização do Direito Comercial pela teoria da empresa, quando a noção de ato de comércio é absorvida pela ideia de atividade econômica. Nesse contexto, fundamenta-se a responsabilidade limitada na relação de propriedade entre o empresário (ou sociedade empresária) e os meios de produção. Aquele que se apropria dos fatores de produção e organiza-os para o exercício da empresa, torna-se o sujeito legítimo para receber seus resultados. Se a apropriação de tais bens de produção se dá por meio da constituição de uma sociedade, está na transferência completa do poder de dispor dos bens que formam seu capital as principais causas de limitação da responsabilidade daqueles que o transferiram. Isso porque a responsabilidade é do empresário (ou sociedade empresária) e não daqueles que entregaram a ele(a) os meios de produção.205

Entretanto, se os sócios compartilham com a sociedade a titularidade desses meios de produção para o exercício da empresa ou alienam inadequadamente à sociedade estes fatores de produção, verifica-se a possibilidade de imputar-lhes

202 WARDE JÚNIOR, Walfrido Jorge. A crise da limitação de responsabilidade dos sócios e a teoria da

desconsideração da personalidade jurídica cit., p. 135.

203 Idem, ibidem, p. 140. 204 Idem, p. 141. 205 Idem, p. 172 e ss.

responsabilidade.206 Walfrido Jorge Warde Junior desloca o fundamento da

responsabilidade limitada da análise da personalidade jurídica e de sua autonomia patrimonial para as noções de capital e patrimônio social, designadas pela teoria da empresa como fatores de produção. E conclui:

Nas situações em que: (1) não houve alienação das entradas, ou, (2) depois de alienadas, forem – de qualquer modo – reapropriadas pelos sócios, ou (3) os sócios reservem para si poder de dispor sobre o capital social (e demais fatores de produção), sua constituição, existência e preservação não serão – em razão da garantia de acesso ao patrimônio dos sócios – contrapartida da limitação de responsabilidade. Nessas oportunidades, poderão coexistir capital social e responsabilidade ilimitada.207

O autor inova na análise por compreender que não é necessária a desconsideração da personalidade jurídica para responsabilizar os sócios. O fundamento da responsabilidade limitada não estaria na personalidade jurídica atribuída à empresa, mas sim na transferência efetiva dos bens de produção para a sociedade empresária, de maneira que o sócio não ostenta condição de empresário e por tal razão não responde pelas obrigações decorrentes da atividade empresária. Mas, se este mesmo sócio atua como se empresário fosse, seja não transferindo efetivamente os bens de produção, seja dispondo de tais bens de maneira inapropriada – pois tal poder deveria estar constrito à sociedade – sua responsabilidade deve ser ilimitada.

Não obstante o fundamento da responsabilidade limitada basear-se em outra premissa, as situações que o autor descreve como permissivas da responsabilização dos sócios dependem, assim como na desconsideração, de um ato antijurídico, contrário à finalidade para a qual se admitiu o estabelecimento da personalidade jurídica. Reforça- se a leitura de não poder haver espaço para a responsabilidade dos sócios sem se verificar a descaracterização das bases em que se funda sua limitação.

Contudo, tem havido uma proliferação de interpretações que buscam resolver o problema do custo social, decorrente da socialização dos riscos provocada pela limitação da responsabilidade, conforme Análise Econômica do Direito. Há um

206 WARDE JÚNIOR, Walfrido Jorge. A crise da limitação de responsabilidade dos sócios e a teoria da

desconsideração da personalidade jurídica cit., p. 176.

embate entre a visão liberal de Richard Posner – que fundamenta seu pensamento na autonomia da vontade e na concepção de um mercado livre, trazendo ao Direito uma análise de eficiência de suas normas –, e a necessidade de uma justiça distributiva, principalmente em comunidades em que é evidente a desigualdade social e cresce cada vez mais o entendimento de caber ao Direito interferir no mercado para minimizar os desequilíbrios.

Se por um lado há um desconforto em assumir que a responsabilidade limitada convida o credor a incorrer no risco do negócio (ao menos com relação àqueles que não têm condições de negocialmente se protegerem), por outro há que questionar se não seria aceitável incorrer nesse custo social, buscando diminuí-lo com adoção de medidas no âmbito do patrimônio da pessoa jurídica – conforme adiante se demonstrará, dado que a contrapartida da responsabilidade limitada é o estímulo à economia, um incentivo a que o capital saia do sistema financeiro (meramente rentista) e seja aplicado no desenvolvimento de atividades industriais, comerciais e de serviços, com todos os benefícios que este capital aplicado pode gerar – inclusive para aqueles mesmos credores: a oferta de trabalho, a possibilidade de contratação de fornecedores, o incremento da cadeia produtiva, o maior volume de tributos a serem pagos.

Enquanto o insucesso da atividade empresária e as mazelas que pode provocar são probabilidades (que podem ser mitigadas com uso adequado de ferramentas fornecidas pelo próprio instituto da pessoa jurídica), o desincentivo ao empreendedorismo, decorrente da responsabilidade ilimitada, é uma certeza.

Equivocado o raciocínio segundo o qual a desconsideração é instituto para proteção de credores frágeis – quer porque jamais negociaram as condições de seus créditos (credores de delitos), quer porque ao negociá-las não estavam em pé de igualdade com a sociedade para proteger seus direitos de forma adequada.

Se a proposição de Richard Posner quanto à justificativa da limitação da responsabilidade cai por terra, pois conta com uma premissa equivocada (de que todos os credores sociais podem precificar os riscos a que estão expostos), por que continuar a usá-la parcialmente? Quer-se dizer: para credores que podem mitigar seus riscos, a limitação da responsabilidade funciona; para aqueles que não podem, aplica-se a desconsideração. Se não é possível admitir que todos os credores têm condições de

livremente transacionar quanto às taxas de risco envolvidas, deixa de ser correto pressupor que a justificativa da responsabilidade limitada é baseada nessa condição e, portanto, quando não verificada, deve-se aplicar a desconsideração. O caminho é outro. Deve ser.

A responsabilidade limitada não se sustenta no fato de que o credor pode mitigar os riscos que lhe são dirigidos, exigindo uma contraprestação. A responsabilidade limitada alicerça-se nos fundamentos da autonomia patrimonial. Sua manutenção, em face das necessidades atuais de justiça distributiva, em que se verifica não ser mais possível abandonar certos credores à sorte da atividade empresária, deve fundar-se em mecanismos internos de controle do patrimônio social, que impeçam seja este dissipado e mude de natureza, deixando de ser garantia de credores para se tornar bens dos sócios.

A limitação da responsabilidade tem dois pressupostos: a transferência de patrimônio dos sócios para a sociedade em volume adequado para o desenvolvimento das atividades da pessoa jurídica e a administração autônoma e organizada deste patrimônio exclusivamente para o cumprimento da finalidade para a qual foi instituído, com aplicação rigorosa de separação patrimonial.208

Atendidos esses pressupostos, o risco do negócio deve ser suportado exclusivamente pela pessoa jurídica – nem pelos sócios, nem pelos credores. Compreender a responsabilidade limitada como um mecanismo de deslocamento do risco do sócio para o credor é negar que entre ambos há um centro de interesses autônomo, detentor de bens e direitos e responsável por seus débitos. Como bem expressa João Casillo, “sabemos que uma pessoa jurídica tem ou não tem personalidade jurídica. Ninguém pode ter personalidade jurídica para isto e não ter para aquilo. Uma

208 Calixto Salomão Filho afirma no mesmo sentido: “Um sócio que queira assegurar-se de não ver seu patrimônio pessoal envolvido no insucesso do seu negócio deve dotar a sociedade do mínimo de capital necessário ao exercício de sua atividade, assegurar a rigorosa separação de sua esfera patrimonial pessoal da esfera social, bem como não usar da forma societária para benefício próprio. Deve, portanto, assegurar que a organização societária constitua realmente um centro autônomo de decisões, como presumido pelo ordenamento” (SALOMÃO FILHO, Calixto. O novo direito

sociedade jurídica não pode ter personalidade jurídica apenas externa. Ou tem para todos os efeitos, ou não tem”.209

Não se trata de negar a desconsideração. Mas de enquadrá-la em sua função exata, que é sancionar o mau uso da personalidade jurídica. Para outras mazelas, outros remédios. A desmedida (e inadequada) aplicação da desconsideração gera insegurança jurídica e afugenta o capital, por natureza arisco.

Importante frisar que a autonomia patrimonial não deve ser relativizada em função da característica do credor. Essa assertiva não é feita por entender-se que os credores considerados frágeis não devam ter seus direitos analisados sob a ótica de sua posição desprivilegiada para negociar os riscos da relação que firmam com a pessoa jurídica. Mas por entender-se que, se há riscos nesta relação jurídica e se é interesse do Estado proteger tais credores, a forma de amparo deve guardar consonância com os princípios da autonomia patrimonial e da limitação da responsabilidade limitada, o que é absolutamente possível de ser feito por meio de controles internos da pessoa jurídica. Cabe ao Direito ordenar mecanismos de proteção aos credores frágeis da mesma maneira como exige seja protegido o patrimônio da pessoa jurídica antes de ser este distribuído a seus sócios.

A desconsideração não serve como remédio à transferência dos riscos empresariais aos credores sociais, como reflexo da responsabilidade limitada. Ela decorre do mau uso da personalidade jurídica. O Direito deve encontrar mecanismos de

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