• Nenhum resultado encontrado

DOUTORADO EM DIREITO SÃO PAULO 2015

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2018

Share "DOUTORADO EM DIREITO SÃO PAULO 2015"

Copied!
221
0
0

Texto

(1)

Roberta de Oliveira e Corvo Ribas

A proteção dos credores sociais por meio das demonstrações

financeiras: um retorno às bases que garantem a responsabilidade

limitada

DOUTORADO EM DIREITO

(2)

Roberta de Oliveira e Corvo Ribas

A proteção dos credores sociais por meio das demonstrações

financeiras: um retorno às bases que garantem a responsabilidade

limitada

DOUTORADO EM DIREITO

Tese apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para a obtenção do título de Doutora em Direito Comercial, sob a orientação do Professor Doutor Manoel de Queiroz Pereira Calças.

(3)
(4)
(5)

Agradeço a meu orientador, Professor Manoel de Queiroz Pereira Calças, pela confiança em minha capacidade acadêmica e pelo incentivo a sempre fazê-la amadurecer. Agradeço aos Professores Rosemarie Adalardo Filardi e Ivo Waisberg pelas inestimáveis contribuições ao desenvolvimento deste trabalho no momento de minha qualificação.

Agradeço a Cândida Sé Holovko, por me auxiliar no árduo percurso de desempenhar mais de um papel concomitantemente.

Agradeço a meus amigos, que me acompanham desde sempre nessa incessante batalha em busca do crescimento, pelas palavras de incentivo e de amizade. Especialmente a Marina Pinhão Coelho, que sempre personificou a força interna de Atena na minha vida.

Agradeço a meus sócios, Sílvia Campora Szász e Walker Orlovicin Cassiano Teixeira, pela inspiração diária que acendem em mim. Também a todos meus colegas de trabalho, que fazem de minha rotina uma divertida aventura. Especialmente, agradeço a Katia Luna, pois sem seu prestativo e eficiente auxílio, sempre regado de muito carinho, este trabalho não teria saído.

Agradeço à família Corvo e à família Ribas pelos ensinamentos de vida que me transmitem em cada momento de alegria, de angústia, de sucesso e de amor. Especialmente a meus pais, Luiz e Cleide, que souberam aliar cobrança à liberdade em minha criação, oferecendo ao mundo cinco seres humanos de muita fibra. E obrigada pela oportunidade de me apresentar os melhores parceiros que alguém pode ter: meus irmãos.

(6)

CORVO RIBAS, Roberta de Oliveira e. A proteção dos credores sociais por meio das demonstrações financeiras: um retorno às bases que garantem a responsabilidade

limitada. 221 f. Tese (Doutorado em Direito) – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.

O presente trabalho tem por objetivo demonstrar que a proteção dos credores da pessoa jurídica que admite a responsabilidade limitada deve se concentrar no controle do uso e disposição do patrimônio da própria pessoa jurídica.

O estudo da responsabilidade civil no Direito brasileiro, associado ao estudo da autonomia patrimonial da pessoa jurídica e da finalidade da limitação da responsabilidade confirmam que o ordenamento nacional não admite a relativização da regra de responsabilidade limitada, exceto nos casos de fraude e de abuso da personalidade jurídica.

Em vista dessa limitação, constatação decorrente de uma análise sistemática do Direito pátrio, e com o intuito de oferecer uma proposição de convivência justa entre os interesses dos credores e o estímulo à livre-iniciativa proporcionado pela responsabilidade limitada, que é comando constitucional, comprova-se a importância dos mecanismos de controle do patrimônio da pessoa jurídica, por meio de suas demonstrações financeiras.

Nesse sentido, se bens e direitos de uma pessoa jurídica são destinados ao cumprimento de uma finalidade específica, cabe ao Direito fornecer ferramenta adequada para assegurar que os riscos inerentes à atividade desenvolvida sejam cobertos exclusivamente por estes bens e direitos. Essa ferramenta é a contabilidade, que por meio das demonstrações financeiras que produz, registra e controla o patrimônio da entidade, dando condições à tomada de decisões. Seu uso adequado pode (e deve) prevenir as adversidades intrínsecas a qualquer atividade sujeita a riscos.

O intuito é de retomar o mecanismo que permite a existência da responsabilidade limitada, dado que este instituto não tem por objetivo cercear a garantia dos credores, mas sim estimular aqueles que buscam, por meio do exercício de atividade econômica organizada, produzir e fazer circular bens e serviços para a sociedade.

(7)

CORVO RIBAS, Roberta de Oliveira e. The protection of social creditors through financial statements: a return to the bases that guarantee limited liability. 221 f. Thesis

(PhD in Law) – Pontifícia Universidade Católica of São Paulo.

This paper aims to demonstrate that the protection of creditors of the legal entity that grants limited liability to its shareholder shall focus on controlling the use and disposal of assets of the legal entity itself.

The study of grounds of civil liability in Brazilian Law together with the principle of assets autonomy of the legal entity and the purpose of limited liability confirm that the national law does not admit to relativize the rule of limited liability, except in cases of fraud and abuse of the legal entity.

Given this limitation, resulting from a systematic analysis of the Brazilian Law, and in order to offer a proposition of fair coexistence between the interests of creditors and encouragement of free enterprise provided by limited liability, which is a constitutional command, it proves the importance of the mechanisms of control of assets of the corporation through its financial statements.

In this sense, if assets and rights of a legal entity are intended to fulfill a specific purpose, it is for the Law to provide suitable tool to ensure that the risks inherent in the developed activity are covered exclusively by these assets and rights. This tool is accounting, which through the financial statements it produces, it records and controls assets of the entity, providing conditions for decision-making. Its proper use can (and should) prevent intrinsic adversities of any activity subject to risks.

The purpose is to resume the mechanism that allows the existence of limited liability, since this doctrine/established principle is not intended to curtail the guarantee of creditors, but rather to encourage those who seek to produce and circulate assets and services to society through the organized economic activity.

(8)

CORVO RIBAS, Roberta de Oliveira e. La protection des créanciers sociaux au moyen des états financiers: un retour aux bases qui assurent la responsabilité limitée. 221 f.

Thèse (Doctorat en Droit)

Ce travail a pour but de démontrer que la protection des créanciers de la personne morale admettant la responsabilité limitée doit se concentrer sur le contrôle de l’utilisation et de la disposition du patrimoine de la propre personne morale.

L’étude de la responsabilité civile dans le Droit Brésilien, associée à l’étude de l’autonomie patrimoniale de la personne morale et de la finalité de la limitation de la responsabilité, confirme que le système juridique national n’admet pas la relativisation de la règle de responsabilité limitée, sauf dans les cas de fraude et d’abus de la personnalité morale.

En vue de cette limitation, constatation découlant d’une analyse systématique du Droit Brésilien, et dans le but d’offrir une proposition de coexistence juste entre les intérêts des créanciers et l’encouragement à la libre initiative procurée par la responsabilité limitée, qui est un ordre constitutionnel, on prouve le importance des mécanismes de contrôle du patrimoine de la personne morale au moyen de ses états financiers.

Dans ce sens, si des biens et des droits d’une personne morale sont destinés à l’accomplissement d’une finalité spécifique, il incombe au Droit de fournir un outil approprié pour assurer que les risques inhérents à l’activité développée soient exclusivement couverts par ces biens et ces droits. Cet outil est la comptabilité qui, par l’intermédiaire des états financiers, produit, enregistre et contrôle le patrimoine de l’entité, en offrant des conditions à la prise de décisions. L’utilisation appropriée de celui-ci peut (et doit) prévenir les adversités intrinsèques de toute activité assujettie à des risques.

L’intention est de reprendre le mécanisme qui permet l’existence de la responsabilité limitée, étant donné que cet institut n’a pas pour but de restreindre la garantie des créanciers, mais d’encourager ceux qui cherchent, par l’exercice de l’activité économique organisée, produire et faire circuler des biens et des services pour la société.

(9)
(10)

INTRODUÇÃO ... 12

Estrutura ... 15

Contribuição original à ciência jurídica brasileira ... 18

Importância do tema ... 19

Terminologia ... 20

1 RESPONSABILIDADE CIVIL ... 22

1.1 Panorama geral ... 22

1.2 Origem e breve desenvolvimento histórico ... 28

1.3 Responsabilidade subjetiva ... 32

1.4 Responsabilidade objetiva ... 34

1.5 Responsabilidade solidária ... 41

1.6 Responsabilidade por ato ou fato de terceiro ... 42

1.7 Relação entre responsabilidade civil da pessoa jurídica e daqueles que detêm seu capital: apontamentos iniciais ... 45

2 AUTONOMIA PATRIMONIAL E LIMITAÇÃO DA RESPONSABILIDADE ... 48

2.1 Pessoa jurídica: origem e natureza ... 48

2.2 Autonomia patrimonial ... 54

2.2.1 O princípio ... 55

2.2.2 Interesses, direitos e obrigações: o titular do capital e a pessoa jurídica ... 63

2.2.2.1 O direito do sócio ... 64

2.2.2.2 O dever do sócio ... 68

2.3 Responsabilidade limitada ... 72

2.3.1 Propósitos da responsabilidade limitada ... 77

2.3.2 Ataques à responsabilidade limitada ... 89

2.3.2.1 Abuso da personalidade jurídica ... 90

2.3.2.2 O desvirtuamento da desconsideração da personalidade jurídica ... 107

2.4 Resultados da atividade empresarial como garantia de suas obrigações ... 116

(11)

3.1.2 Origem ... 135

3.1.3 Função – O capital social como garantia aos credores sociais ... 137

3.1.4 Princípios ... 141

3.1.4.1 Princípio da unidade ... 141

3.1.4.2 Princípio da fixidez ... 141

3.1.4.3 Princípio da irrevogabilidade ... 144

3.1.4.4 Princípio da realidade ... 146

3.1.4.5 Princípio da intangibilidade ... 149

3.1.5 Subcapitalização ... 158

3.1.6 Críticas à função do capital social como mecanismo de garantia ... 169

3.2 Contabilidade e Direito Societário: objetivos e finalidades ... 192

3.2.1 As demonstrações financeiras e os registros que oferecem ... 198

CONCLUSÃO ... 203

(12)

INTRODUÇÃO

O presente trabalho tem por objetivo demonstrar que a proteção dos credores da pessoa jurídica que admite a responsabilidade limitada de seus sócios deve se concentrar no controle do uso e disposição do patrimônio social, por meio de suas demonstrações financeiras.

Se bens e direitos são destinados ao cumprimento de uma atividade econômica organizada, cabe ao Direito definir ferramenta adequada para assegurar que os riscos a ela associados sejam cobertos exclusivamente por estes bens e direitos. Essa ferramenta é a contabilidade, que, por meio das demonstrações financeiras que produz, registra e controla o patrimônio da entidade, dando condições à tomada de decisões. Seu uso adequado pode (e deve) prevenir as adversidades inerentes a qualquer atividade sujeita a riscos.

A garantia de ressarcimento dos credores sociais, quando atingidos pelos riscos da atividade empresarial, não pode ultrapassar o patrimônio especialmente constituído e gerido para o desenvolvimento desta atividade, exceto nos casos de desrespeito às finalidades que determinam sua afetação.

Não se trata de trabalho sobre a aplicação da teoria da desconsideração da personalidade jurídica. Seu objeto está na comprovação de que a garantia da capacidade da pessoa jurídica em responder por suas obrigações reside no uso adequado e preventivo dos resultados da atividade empresarial. Procurar-se-á evidenciar, assim, que a busca de patrimônios alheios para reparar danos causados pela pessoa jurídica não é apenas inconveniente, mas sobretudo contrária ao Direito vigente e às prerrogativas que este oferece aos empreendedores nacionais quando da tomada de decisão em investir.

(13)

O que não é tão evidente – nem hoje, nem ao longo da história do Direito – é a decisão sobre qual sujeito responderá por tais danos e sob quais fundamentos. A aplicação da Justiça nessa seara varia de maneira significativa de acordo com os interesses envolvidos. É, invariavelmente, uma decisão política.

Se houve momentos na História em que a obrigação de reparar se ligava a um desejo de vingança, sem correlação necessária entre o autor da conduta danosa e o responsável por sua reparação, igualmente ocorreram outros em que se firmou a culpa do agente como elemento necessário à responsabilização por danos causados. Hoje, verifica-se um descolamento da culpa com relação à obrigação de indenizar, em virtude do alargamento da Teoria do Risco e dos interesses que ela busca proteger em decorrência do desenvolvimento de uma sociedade mais complexa desde o advento da revolução industrial. Mas ainda é um tema árduo para o operador do Direito.

A responsabilidade civil, portanto, nasce como uma ferramenta para exercer a função de lidar com o dano e suas consequências. Fica a seu cargo não apenas cuidar da indenização da vítima, mas também definir o agente responsável pelo dano, alocar riscos e prevenir comportamentos antissociais.1

Este trabalho foca-se na análise sobre mecanismos de caução ao credor da pessoa jurídica, para viabilizar seu devido ressarcimento, sem desconstruir o princípio da separação e limitação patrimonial entre pessoa jurídica e os detentores de seu capital social.

Tema de difícil abordagem porque mentes privilegiadas nele já se debruçaram e trabalhos dignos de nota foram entregues para o deleite do operador do Direito Comercial. Entretanto, regra geral, as obras sobre a proteção dos credores da pessoa jurídica se limitam à análise das circunstâncias em que o Direito permite ou não atingir o patrimônio daqueles que participam de seu capital, como se a desconsideração da personalidade jurídica fosse o único instituto hábil ao cumprimento da função de ressarcimento de danos. A desconsideração da personalidade jurídica não só é e deve ser aceita, como fortalece o instituto da autonomia patrimonial e da responsabilidade limitada. Mas não precisa constituir o único caminho a trilhar – até porque nem mesmo

1 PÜSCHEL, Flavia Portella. Funções e princípios justificadores da responsabilidade civil e o art. 927,

(14)

oferece condições para resolver boa parte das situações que exigem proteção ao credor, dado que sua aplicação é (e deve continuar sendo) restrita a casos de conduta fraudulenta ou abusiva em relação ao uso da personalidade jurídica.

O resultado desse enfoque – de tomar a desconsideração como única forma de acautelar os interesses do credor social – é um alargamento indevido das situações em que deve ocorrer a responsabilização de terceiros por obrigações oriundas exclusivamente da atividade da empresa. Fenômeno danoso à Economia e à sociedade, a aceitação da responsabilidade dos sócios como única forma de reparar danos de terceiros provocados pela atividade empresarial é equivocada e contrária ao sistema jurídico vigente, além de, por vezes, nem mesmo cumprir a finalidade a que se destina: a satisfação dos credores sociais.

Por razão que talvez somente a sociologia tenha condições de resolver, o empreendedor no Brasil é estigmatizado pela pecha de aproveitador inescrupuloso dos benefícios da limitação da responsabilidade ao capital empregado no negócio. Não há dúvida alguma de que há maus exemplos no exercício da atividade empresarial – e não por outra razão a teoria da desconsideração da personalidade jurídica foi tão bem recebida no país. Entretanto, não é a regra, não podendo o Direito se prestar a apenas exercer a perseguição do ilícito, em detrimento de incentivar o lícito.

A limitação da responsabilidade não é um benefício concedido aos empreendedores porque o sistema tem a intenção de exclusivamente privilegiá-los. Trata-se de incentivo àqueles que, em vez de guardar seu capital, fazendo com que este circule somente em meios financeiros com garantias firmes de retorno com ganho (os “rendeiros”), resolvem arriscá-lo, investi-lo em negócios comerciais, industriais, de serviços (os “empreendedores”), gerando empregos, pagando impostos, relacionando-se com fornecedores e clientes. Evidentemente que sua função também é de proteção: o ordenamento assegura ao empreendedor que, arriscar seu patrimônio em um dado empreendimento, não o levará à ruína pessoal, fazendo-o arcar com riscos para além do capital investido. Mas isso não se faz por caridade do Estado ao empreendedor, faz-se porque a sociedade precisa deste capital assim aplicado para crescer e progredir.

(15)

Trata-se de uma troca, sem a qual o modelo econômico preconizado na Constituição não subsiste. E não por outra razão que 98,68% das sociedades registradas na Junta Comercial de São Paulo são sociedades limitadas.2 O empreendedor condiciona seu interesse em desenvolver uma atividade empresarial à garantia de que isso não o levará à bancarrota pessoal. Aceitar sua responsabilização no cumprimento das obrigações sociais sem respeito ao sistema jurídico existente, independentemente de quem seja o credor, é leviano, profundamente danoso e afronta a segurança jurídica, pondo em risco um dos alicerces do modelo econômico atualmente existente: a livre-iniciativa para empreender.

Estrutura

O presente trabalho estrutura-se da seguinte maneira.

No primeiro capítulo examinam-se os institutos da responsabilidade civil com o objetivo de verificar se o Direito brasileiro admite a responsabilização dos titulares de participação no capital social da pessoa jurídica em situações em que não há fraude ou abuso da personalidade jurídica, hipóteses em que seria aplicada sua desconsideração.

Nesse tópico o trabalho buscará no Direito Civil as premissas em que o tema da responsabilidade se baseia. A metodologia funda-se no fato de que estudos a respeito da responsabilização de sócios, regra geral, esquivam-se da origem do instituto, provocando uma confusão de conceitos extremamente prejudicial a qualquer conclusão.

Essa confusão não afeta apenas o Direito Comercial, mas igualmente outras áreas do Direito Privado, que aplicam a responsabilização dos sócios sem atender a uma interpretação sistemática. Sem querer adentrar na discussão quanto ao cabimento da unificação do Direito Privado, parte-se aqui de fenômeno posto: em matéria de responsabilidade civil não há como adentrar o tema sem permear seus princípios. Como bem expressado por Carlos Alberto Menezes Direito “a responsabilidade civil é uma espécie de estuário onde desaguam todas as áreas do Direito – público e privado,

2 PARGENDLER, Mariana. O direito societário em ação: análise empírica e proposições de reforma. Revista de Direito Bancário e do Mercado de Capitais, São Paulo, ano 16, n. 59, p. 230, jan.-mar.

(16)

contratual e extracontratual, material e processual; é uma abóbada que concentra e amarra toda a estrutura jurídica”.3

No segundo capítulo o estudo aprofunda-se na opção do Direito brasileiro por admitir a pessoa jurídica como sujeito de direitos e deveres (independentemente da teoria a fundamentar sua natureza), personificando a empresa. Ainda sem adentrar a crise pela qual vem passando o princípio da autonomia patrimonial, busca-se, na análise de sua origem e função, retomar a importância inegável do instituto para a atividade empresarial. Na mesma direção, recuperam-se os propósitos da limitação da responsabilidade dos sócios, com o fim de contrapô-los ao incessante desígnio de eliminá-la. Para tanto, faz-se a diferenciação necessária entre interesses, direitos e deveres do sócio e da pessoa jurídica, destacando a finalidade de cada um em face da empresa e de seus resultados.

Ainda no mesmo capítulo penetra-se na teoria da desconsideração da personalidade jurídica e sua recepção pelo Direito pátrio. Além de estudar sua origem e desenvolvimento, faz-se uma análise crítica do alargamento de seu uso. Pretende-se demonstrar que tal tese foi inserida no sistema com o objetivo central de fortalecer o reconhecimento da personalidade jurídica e da limitação da responsabilidade dos sócios e não de enfraquecê-los ou oferecer subsídios a seu uso inadequado. Portanto, sua aplicação não pode ser aceita sem que presentes suas condições indispensáveis, sob pena de se fazer necessária reformulação da oferta hoje apresentada àqueles que desejam investir na atividade empresarial: a limitação de sua responsabilidade.

Comparam-se, então, as percepções do capítulo primeiro a respeito dos institutos da responsabilidade civil com a aplicação da desconsideração da personalidade jurídica, demonstrando que o estudo da responsabilidade civil no Direito brasileiro, associado ao estudo da autonomia patrimonial da pessoa jurídica e da finalidade da limitação da responsabilidade, confirmam não admitir o ordenamento nacional a relativização da regra de responsabilidade limitada, exceto nos casos de fraude e de abuso da personalidade jurídica.

3 DIREITO, Carlos Alberto Menezes; CAVALIERI FILHO, Sérgio.

Comentários ao novo Código Civil, v. XIII: Da responsabilidade civil, das preferências e privilégios creditórios. Rio de Janeiro:

(17)

Nesse sentido, destaca-se que, além de abalar garantias imprescindíveis ao desenvolvimento econômico, responsabilizar o empreendedor não é conveniente. Esse é um mecanismo que se socorre de patrimônio alheio em fase posterior à inadimplência. Sob a escusa de ser o titular do capital social beneficiário dos resultados da atividade empresarial (por meio do recebimento de dividendos), pretende-se deva ele responder com seus bens pessoais na ausência de patrimônio ou na existência de patrimônio insuficiente da pessoa jurídica para pagar as dívidas.

Ocorre que não há no Direito qualquer impedimento de o sócio usar de maneira livre os proventos legitimamente recebidos da pessoa jurídica, o que aliás reafirma não ser sua posição de garante das atividades sociais. Se assim é, há chance de que nem mesmo haja patrimônio deste para adimplir as obrigações sociais. Dessa forma, além de afrontar uma garantia dada ao empreendedor no início de suas atividades (de limitar sua responsabilidade) e, por consequência, abalar a crença no estímulo econômico decorrente deste instituto, pode-se fazer isso em troca de satisfação nenhuma, pois em nada está atrelado o patrimônio pessoal do sócio ao cumprimento das obrigações sociais.

Não parece admissível que garantias oferecidas ao empreendedor pelo ordenamento jurídico no momento da decisão de investir possam ser surrupiadas pelo mesmo ordenamento quando se verifica, sem qualquer conduta antijurídica por parte deste, que o empreendimento fracassou.

Dentre os deveres do titular de participação no capital social de uma pessoa jurídica não está o de garantir seus resultados e responder por sua eventual ineficiência ou malogro. Sua obrigação é de meio: deve agir com diligência e lealdade no exercício de sua condição de sócio. Incumbe à pessoa jurídica garantir o cumprimento de suas obrigações e precaver-se dos riscos inerentes à atividade empresarial – o que faz por meio de seus próprios resultados, antes de distribuí-los.

(18)

Demonstra-se haver meios de proteção ao credor da pessoa jurídica – de qualquer natureza – em momento anterior à crise do inadimplemento, sem prejudicar a responsabilidade limitada.

O intuito é oferecer uma proposição de convivência justa entre os interesses dos credores e o estímulo à livre-iniciativa proporcionado pela responsabilidade limitada, que é comando constitucional, fazendo-se uma análise dos mecanismos de controle do patrimônio da pessoa jurídica, por meio de suas demonstrações financeiras.

Contribuição original à ciência jurídica brasileira

Como já mencionado, os estudos relativos à proteção dos credores sociais têm se limitado à discussão da aplicação da teoria da desconsideração da personalidade jurídica. Obras de contribuição singular permitiram a compreensão dessa teoria que, desde seu nascimento, colocou-se como mecanismo de proteção ao princípio da autonomia patrimonial, tão caro ao desenvolvimento da empresa, penalizando aqueles que fazem mau uso da personalidade jurídica.

Ocorre que, diante da crise pela qual passa o instituto da responsabilidade limitada na atualidade, olvidam-se os aplicadores do Direito que sua concepção somente foi possível pelo reconhecimento de que entre o detentor do capital social e o credor social há um titular de direitos e obrigações, único responsável pelos riscos da empresa. A origem da concessão da responsabilidade limitada àqueles que investem em dado negócio por meio da criação de uma pessoa jurídica está no fato de que aqueles transferem bens e direitos a esta, perdendo com isso qualquer poder de livre disposição sobre tais bens e direitos, entregando-os à pessoa jurídica para uso exclusivo no exercício da atividade empresária. Sendo assim, para proteger os credores sociais, o aplicador do Direito deve se fixar no uso desses bens e direitos pela pessoa jurídica. Se há riscos inerentes à atividade desenvolvida, que se criem mecanismos internos de disposição de ativos para responder a tais riscos. A garantia aos credores sociais está no patrimônio social, antes de sua dissipação – seja por meio de distribuição de dividendos, seja por má administração.

(19)

credores sociais. O que urge ao Direito Comercial é retomar as condições sob as quais a responsabilidade limitada foi criada e determinar processos internos na pessoa jurídica para assegurar que seu patrimônio social tenha pujança para ela seguir exercendo a atividade para a qual foi criada. Não se pode falar em responsabilidade limitada sem reabilitar as funções do capital social. Igualmente, não se pode seguir com a responsabilidade limitada sem reconsiderar as formas de organização e de controle internos da empresa.

Importância do tema

Os institutos do Direito Comercial têm reiteradamente perdido o respeito dos operadores do Direito sob a justificativa de que há outros bens jurídicos de maior relevância a serem protegidos. No exercício de sopesar os princípios das variadas áreas do Direito, invariavelmente se verifica a diminuição da importância daqueles que regulam a prática empresarial.

Como muito bem expresso por Fábio Ulhoa Coelho, um princípio de Direito necessariamente deve guardar relação com um valor social. Se a sociedade passa a não mais enxergar a importância de algum princípio, pois entende não ser o valor a que se relaciona caro à sua proteção, o princípio morre – seja por mudanças legislativas, seja por interpretações reiteradas da lei em decisões judiciais.4

Se alguns princípios do Direito Comercial estão se esvaindo, limitando-se às discussões doutrinárias entre os comercialistas, mas perdendo sua aplicabilidade no confronto prático com outras áreas do Direito, como ocorre frequentemente no embate com o Direito do Trabalho, com o Direito Consumerista, com o Direito Tributário, com o Direito Ambiental, com o Direito Concorrencial ou com qualquer outro que com ele venha a confrontar-se, é porque a sociedade não os está enxergando como princípios relevantes.

4 COELHO, Fábio Ulhoa.

Princípios do direito comercial: com anotações ao projeto de Código

(20)

A questão é: a sociedade não os está enxergando por que efetivamente são princípios mais fracos, ou por que não tem condições de reconhecer sua relevância para a proteção de seus interesses?

O presente trabalho busca demonstrar que é possível a convivência justa e equilibrada entre os princípios da responsabilidade limitada e da autonomia patrimonial, de um lado, com os princípios de tantas outras áreas do Direito que visam a proteger o interesse dos credores sociais. A proposta defende o exercício legítimo da empresa, por meio da constituição de uma pessoa jurídica, indicando que está no reforço deste instituto a defesa de valores relevantes para a sociedade.

A sociedade empresária não nasce exclusivamente para o atendimento de interesses particulares de seus sócios. Ela busca atender, sempre, uma necessidade, sob pena de nascer destinada à falência. Além disso, é sujeito de direito que paga tributos, gera empregos e fornece bens e serviços a toda a comunidade em que atua. Fortalecer os incentivos para que o capital seja aplicado na produção de bens para geração de riqueza deve ser objetivo de todos. Certificar-se de que a administração de tal riqueza deve se ligar à proteção dos credores sociais, deve ser objetivo do Direito.

A aplicação do capital, que é um animal arisco, depende de segurança jurídica. É papel do Direito estabelecer os parâmetros dentro dos quais o empreendedor pode investir. E é papel do operador respeitar esses parâmetros. A incerteza a respeito da manutenção de certas prerrogativas concedidas no momento da criação do negócio (como a responsabilidade limitada) pode desviar o capital do seu destino natural e levá-lo a levá-locais em que a certeza o fará reproduzir-se de forma mais eficiente.

Conceder essa certeza aos empreendedores é proteger o interesse daqueles que da atividade empresarial se beneficiam: os membros da comunidade em que atua.

Terminologia

(21)
(22)

1 RESPONSABILIDADE CIVIL

1.1 Panorama geral

O ordenamento brasileiro prevê dois tipos de dever: um geral, de não causar prejuízo a outrem (neminem laedere, suum cuique tribuere) e um especial, que envolve

sujeitos específicos, limitado a um dado objeto.5

Do descumprimento de um dever é que surge a obrigação de indenizar. Há quem diga que o dever geral é um dever primário e que de sua violação nasce um dever sucessivo: a obrigação de indenizar.6 Há interpretação no sentido de que a

responsabilidade civil é uma modalidade autônoma de obrigação, associada à obrigação de reparar dano, não sendo mais uma sanção em consequência de um ato contrário ao Direito.7 Certo é que o que faz nascer a responsabilidade civil – esse dever de indenizar

– é a violação de um dever jurídico preexistente (próprio ou de terceiro). A responsabilidade civil decorre dessa imputação civil do dano a determinada pessoa – seja porque a ele deu causa, seja porque a lei assim determina que responda por ele.

O Direito tem por objeto a viabilização do convívio social. Para atingir essa finalidade, assume que haja obediência a certo padrão de comportamento. Quando uma pessoa age em desconformidade com esse ideal de conduta desenhado pelo ordenamento, verifica-se, lato sensu, um ato ilícito. Em sentido estrito, entretanto, para

que haja um ato ilícito, além da conduta antijurídica, deve estar presente um resultado danoso, cuja causa está no comportamento desobediente. Assim, conforme Humberto Theodoro Júnior, “a ilicitude não se contentaria com a ilegalidade do comportamento humano, mas se localizaria, sobretudo, no dano injusto a que o agente fez a vítima se

submeter”.8 O dano é uma lesão a um bem jurídico – seja patrimonial, seja moral.

5 COMPARATO, Fábio Konder. Obrigações de meios, de resultado e de garantia. Revista dos Tribunais, São Paulo, ano 56, v. 386, p. 31, dez. 1967.

6 THEODORO JÚNIOR, Humberto.

Comentários ao novo Código Civil, v. 3, t. 2: Dos atos jurídicos

lícitos. Dos atos ilícitos. Da prescrição e da decadência. Da prova. Rio de Janeiro: Forense, 2008. p. 20.

7 DIREITO, Carlos Alberto Menezes, CAVALIERI FILHO, Sérgio.

Comentários ao novo Código Civil, v. XIII cit., p. 46.

8 THEODORO JÚNIOR, Humberto.

(23)

O ato ilícito pressupõe a existência de uma relação jurídica anterior, originária, que foi lesada. A consequência prevista para essa ocorrência é a responsabilidade, que nada mais é do que o dever de indenizar ou de ressarcir o dano causado pelo inadimplemento do dever jurídico existente na relação originária.9 A

obrigação originária tem um fim primário, que é a prestação (o cumprimento do dever); a responsabilidade, por sua vez, é derivada do inadimplemento do dever jurídico decorrente da obrigação e implica, portanto, uma relação jurídica secundária ou derivada, e tem o fim de sujeitar o patrimônio do devedor que não satisfez a obrigação originária.

Por isso se falar em dois momentos distintos da obrigação: o débito (Schuld), que se refere à obrigação do devedor de realizar uma prestação; e a

responsabilidade (Haftung), por meio da qual o credor pode atacar o patrimônio do

devedor para obter o ressarcimento pelos danos causados por sua inadimplência.10

Como consequência, é possível haver uma obrigação sem responsabilidade (pois cumprida), ou mesmo responsabilidade sem obrigação (quando um sujeito, por acordo de vontades ou por lei, responde por obrigação de terceiro). Esse segundo caso refere-se à ausência de obrigação própria (daquele que responderá pelo dano), dado que o agente que descumpriu a obrigação originária é pessoa diversa daquela chamada a responder.

O ato ilícito stricto sensu é uma fonte de obrigação de indenizar, mas não é

a única. A obrigação violada pode ser legal ou contratual. O dever a que os sujeitos estão obrigados a cumprir pode decorrer tanto da lei, quanto de um fato jurídico (negócios jurídicos, atos jurídicos lícitos e atos ilícitos).11

Tem-se, portanto, quanto ao ato/fato, a responsabilidade contratual e a extracontratual (também chamada de delitual ou aquiliana).

9 WALD, Arnoldo (com a colaboração dos professores Álvaro Villaça Azevedo e Rogério Ferraz

Donnini). Direito civil: introdução e parte geral. 11. ed. Reformulada. São Paulo: Saraiva, 2009. p.

273.

10 WALD, Arnoldo.

Direito civil: direito das obrigações e teoria geral dos contratos. 18. ed.

Reformulada com a colaboração dos professores Semy Glanz, Ana Elizabeth L. W. Cavalcanti e Liliana Minardi Paesani. São Paulo: Saraiva, 2009. v. 2, p. 8.

11 NERY JUNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade.

Código Civil comentado. 4. ed. São Paulo:

(24)

No caso da responsabilidade contratual, o inadimplemento per se faz

presumir a responsabilidade (culpa in contrahendo). O elemento culpa, atrelado à

conduta, ao dano e ao nexo causal entre conduta e dano, faz-se necessário para a verificação da responsabilidade. Mas, tendo em vista tratar-se de uma obrigação contratual descumprida, opera-se a inversão do ônus da prova e, neste caso, cabe ao devedor fazer prova de que não agiu com culpa.

Na responsabilidade extracontratual, o elemento culpa pode ou não ser condição necessária para sua configuração. E mesmo o sendo, há igualmente alguns casos de presunção legal (juris tantum, até prova em contrário; ou juris et de jure, não

admitindo prova em contrário). Entretanto, não se operando a presunção ou quando a lei não excluir a culpa como elemento necessário à responsabilidade (adiante tratado), quem deve fazer sua prova é a vítima do dano.12

Quanto ao agente, a responsabilidade em indenizar pode ser pessoal (responsabilidade in omittendo ou in committendo), quando o agente da conduta

responde por ato próprio (responsabilidade por fato próprio); ou pode ser por ato de outrem (fundamentada com base na culpa in eligendo – escolha de pessoa não habilitada

para realizar o ato; ou na culpa in vigilando – falta de fiscalização do ato de terceiro),

quando aquele que responde pelo dano o faz em razão de atos de terceiro (responsabilidade por fato de terceiros). O Direito ainda admite uma terceira possibilidade, que é a responsabilidade pelo fato da coisa ou do animal, em que o dever daquele que responde é o de guarda ou vigilância e a quebra deste dever gera um dano em razão de fato provocado pelo que devia estar sob seus cuidados (animal ou coisa).

Não é, portanto, simples descrever as inúmeras causas que podem levar ao dever de indenizar. De maneira didática, Carlos Alberto Menezes Direito propõe-se a elencar as mais importantes no sistema:

a) ato ilícito (stricto sensu), isto é, lesão antijurídica e culposa dos

comandos que devem ser observados por todos;

b) ilícito contratual (inadimplemento), consistente no descumprimento de obrigação assumida pela vontade das partes;

12 WALD, Arnoldo.

(25)

c) violação de deveres especiais de segurança, incolumidade ou garantia impostos pela lei àqueles que exercem atividades de risco ou utilizam coisas perigosas;

d) obrigação contratualmente assumida de reparar o dano, como nos contratos de seguro e de fiança (garantia);

e) violação de deveres especiais impostos pela lei àquele que se encontra numa determinada relação jurídica com outra pessoa (casos de responsabilidade indireta), como os pais em relação aos filhos menores, tutores e curadores em relação aos pupilos e curatelados; (f) ato que, embora lícito, enseja a obrigação de indenizar nos termos estabelecidos na própria lei (ato praticado em estado de necessidade).13

Quanto ao fundamento da responsabilidade civil, o Código Civil adota a responsabilidade subjetiva e a objetiva (sistema dualista de responsabilidade civil).14

A responsabilidade subjetiva, formulada com base na teoria da culpa, prevê que para nascer o dever de indenizar faz-se necessária a verificação da conduta de um agente, de um dano causado, da culpa lato sensu (i.e., imprudência, negligência ou

imperícia ou dolo) deste agente e do nexo de causalidade entre sua conduta e o dano. Portanto, a responsabilidade subjetiva se fundamenta na conduta culposa do agente.

A responsabilidade objetiva, por sua vez, afasta a necessidade de averiguação da culpa do agente. O dever de indenizar decorre da verificação da conduta de um agente, de um dano causado e do nexo de causalidade entre a conduta e o dano. A responsabilidade objetiva fundamenta-se no fato da coisa ou no risco da atividade.

Para alguns autores, ambos os fundamentos têm a mesma importância e convivem em harmonia, não podendo se falar em predominância de um sobre o outro. A aplicação da responsabilidade subjetiva ou da objetiva é escolha do legislador, que optará em quais situações é admissível afastar a evidência da culpa.15-16

13 DIREITO, Carlos Alberto Menezes, CAVALIERI FILHO, Sérgio.

Comentários ao novo Código Civil, v. XIII cit., p. 53.

14 BATTESINI, Eugenio. Direito, economia e responsabilidade objetiva no Brasil. Revista do Instituto de Direito Brasileiro, ano 1, n. 1, p. 64, 2012. Segundo o autor “[...] quanto ao nexo de imputação, ao

‘fundamento’, ou a razão de ser da atribuição da responsabilidade a uma determinada pessoa, pelos danos ocasionados ao patrimônio ou à pessoa de outra, em consequência de determinado fato antijurídico’ (NORONHA, 2007, p. 471), tem-se que fenômeno jurídico contemporâneo é a existência de sistema dualista de responsabilidade civil, com a convivência da responsabilidade subjetiva (negligence) e da responsabilidade objetiva (strict liability)”.

15 NERY JUNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade.

(26)

Para outros, entretanto, ter-se-ia a regra geral na responsabilidade subjetiva, sendo esta a base do sistema, somente sendo admissível a aplicação da responsabilidade objetiva em casos específicos contemplados em lei, ou nas condições autorizadas pelo Código Civil.17-18-19

Não há como negar que, na ausência das condições impostas pelo ordenamento para a aplicação da responsabilidade objetiva, aplica-se a subjetiva, parecendo mais evidente ser essa a regra geral.

Com a inserção da responsabilidade objetiva no ordenamento, verifica-se que, na aplicação da responsabilidade civil, atualmente, há um descolamento entre culpa e responsabilidade. Tradicionalmente, aquela era condição e fundamento desta em qualquer situação (teoria da culpa). Com o aprofundamento da teoria do risco (que surge com o desenvolvimento industrial e dos meios de transporte), para que haja responsabilidade, não se faz necessária a existência de culpa do agente.

Observa-se, contudo, que mesmo nos casos em que a culpa é deslocada de seu papel central no estabelecimento da responsabilidade, ainda se faz absolutamente necessário verificar o nexo de causalidade entre a conduta do agente e o dano para fins de estabelecer o dever de indenizar. Pode haver responsabilidade sem culpa, mas não responsabilidade sem nexo causal.

O ordenamento brasileiro expressamente dispõe sobre a responsabilidade civil extracontratual no Código Civil, estipulando como suas fontes o ato ilícito, a lei e as atividades que impliquem risco por sua natureza.

O ato ilícito, nos termos do Código Civil, verifica-se em duas circunstâncias: (i) por meio de uma conduta (ação ou omissão) culposa do agente, que viola o direito de terceiro, causando-lhe um dano (artigo 186); e (ii) em decorrência de abuso de direito do agente, que se configura quando, no exercício de um direito seu,

16 BATTESINI, Eugenio. Direito, economia e responsabilidade objetiva no Brasil.

Revista do Instituto de Direito Brasileiro, ano 1, n. 1, p. 61, 2012.

17 THEODORO JÚNIOR, Humberto.

Comentários ao novo Código Civil, v. 3, t. 2 cit., p. 29.

18 VENOSA, Silvio de Salvo. Direito civil – Responsabilidade civil. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2002. v.

IV, p. 15.

19 DIREITO, Carlos Alberto Menezes, CAVALIERI FILHO, Sérgio.

(27)

excede os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé e pelos bons costumes, sob a ótica de que ninguém é detentor de um direito absoluto – seu exercício deve sempre respeitar os limites impostos pelo ordenamento (artigo 187).

O artigo 927 estabelece o dever de reparar o dano em caso de ato ilícito, fazendo remissão expressa aos mencionados artigos 186 e 187. Em seu parágrafo único, abre o caminho para a responsabilidade objetiva, estipulando que “haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem”.

Por alocar as hipóteses de responsabilidade objetiva em seu parágrafo único, parece o Código Civil reforçar a interpretação de que dentro do conceito de ato ilícito estaria presente o elemento culpa (lato sensu). Como se as situações previstas naquele

parágrafo único, apesar de não serem ilícitas, seriam passíveis de responsabilização. Essa batalha por um conceito de ato ilícito desatrelado do elemento culpa não é nova, mas objetivo de profundas discussões na seara da responsabilidade civil. Quem defende a culpa como condição do ilícito assume que a responsabilidade subjetiva estaria sempre ligada ao ilícito, enquanto a objetiva ao comportamento lícito. Mas como negar que no ato a gerar a responsabilidade objetiva não está também presente o descumprimento de um dever jurídico preexistente (dever de segurança, dever de incolumidade, dever de vigilância etc.)?

No cerne da ilicitude está uma conduta incoerente com aquela esperada pelo Direito e que causa dano a alguém. A intenção ou não do agente em realizá-la de maneira a causar o estrago não torna o comportamento aceitável pelo Direito, mas sim auxilia o sistema a resolver a questão da imputação da responsabilidade pelo dano causado. A culpa, portanto, é condição para a aplicação de responsabilidade subjetiva, mas não para conceituação de ato ilícito.

(28)

1.2 Origem e breve desenvolvimento histórico

O Direito romano primitivo não vinculava responsabilidade e culpa. O termo “responder” não estava ligado à ideia de culpa, nem mesmo de autoria da conduta. “Sponsor” era o devedor. O “responsor” era a garantia e, portanto, aquele

obrigado a responder por dívida de outro. Assim, responder, no Direito romano, significava “se colocar como garante do desenrolar de fatos vindouros”.20

A reparação de danos estava ali conectada à ideia de um justo equilíbrio – dar a cada um aquilo que é seu (suum cuique tribuere). Conforme Michel Villey,

traduzido por André Rodrigues Correa, “quando intervém uma ruptura nesse equilíbrio, um prejuízo contrário ao direito e à justiça (damnum injuria datum), entra em jogo a

‘justiça’ dita ‘corretiva’, cuja função é reduzir o desequilíbrio”.21

Portanto, o que originava a obrigação de indenizar não era a culpa, mas o desequilíbrio provocado, que precisava ser reordenado para se fazer justiça.

A partir do século II, já se verifica valoração do comportamento do agente, trazendo à análise da responsabilidade o elemento subjetivo do dolo e da culpa. Tal elemento, na realização do ato danoso, passa a ser requisito necessário para a configuração do damnum iniura datum, que deu origem à responsabilidade da lex Aquilia eo conceito da culpa extracontratual ou aquiliana.22

Com o Direito Canônico, a culpa se afirma como elemento condicionante da responsabilidade, em confusão entre moral e Direito que até hoje reverbera no sistema.23

20 VILLEY, Michel. Esquisse historique sur le mot responsable (1977). Trad. Port. de André Rodrigues

Corrêa. Esboço histórico sobre o termo responsável (1997). Revista Direito GV 1, v. 1, n.1, p. 136,

maio 2005.

21 Idem, ibidem, p. 139.

22 FATTORI, Sara Corrêa. A responsabilidade pela reparação do dano no direito romano. Disponível

em: <http://www.pge.sp.gov.br/centrodeestudos/revistaspge/revista3/rev9.htm>.

23 VILLEY, Michel. Esquisse historique sur le mot responsable (1977). Trad. Port. de André Rodrigues

Corrêa. Esboço histórico sobre o termo responsável (1997). Revista Direito GV 1, v. 1, n.1, p. 143,

(29)

Da ideia do justo equilíbrio dos romanos, contraposta à interferência da moral no Direito, em que a culpa cristã se apoderou do conceito jurídico de responsabilidade, forma-se um vácuo no tema da responsabilidade, que se torna relevante na Europa, no final do século XIX. Os danos decorrentes dos riscos nascidos na era industrial, com o desenvolvimento de máquinas e de novos meios de transporte (nos acidentes de trabalho e de trânsito) não encontram proteção no Direito. Conforme Humberto Theodoro Júnior,

O ritmo da sociedade industrializada e massificada engendrou tantos perigos para as pessoas, que a ameaça constante de danos individuais assumiu a proporção de risco social, a ser suportado não apenas pelos indivíduos, mas pela sociedade como um todo. [...] A exigência da civilização contemporânea seria de que nenhum dano ficasse sem indenização. O criador do risco e beneficiário da situação perigosa deveria arcar sempre com o dever de reparar o dano causado a outrem.24

Além dos efeitos da Revolução Industrial, após o crash de 1929 e, mais

intensamente, com o fim da Segunda Guerra Mundial, inicia-se uma busca acentuada por ideais de uma sociedade solidária, com base em justiça social. Do Estado se exige

Somos agora responsáveis diante de nosso foro pessoal. E pelos outros, diante da humanidade, da

sociedade, do tempo futuro – esses substitutos de Deus. E dentro dessas perspectivas desaparece mesmo o conjunto de imagens representativas do comparecimento diante de um juiz, enquanto refloresce a idéia de garantia, mas considerada somente do ponto de vista do sujeito ativo, do ponto

de vista unilateral que caracteriza uma moral individualista, ao contrário do direito. Lemos em obras

de filósofos contemporâneos: que para um homem se fazer responsável é conferir a seus atos um sentido, dar consistência à sua liberdade, ‘constituir-se como sujeito moral’. ‘O campo da Ética coincide com aquele da Responsabilidade’ (J. Henriot). Responsabilidade: ‘situação de um agente consciente diante dos atos que efetivamente há querido’ (Dicionário Lalande). Não está claro que

saímos da linguagem do direito? [...] A primeira noção utilizada para servir de base ao sistema não é aquela de justiça, ou de justa repartição dos bens entre os homens. São de início postos os conceitos de ‘atos’, e se eles são ‘imputáveis’ ao indivíduo, e depois o de ‘obrigação’. O homem ‘obrigado’ a observar uma certa conduta será declarado responsável por ela. A idéia de responsabilidade, porém

compreendida sob a ótica da moral, substituiu o antigo Leit-motiv da ‘justiça’, se tornou a pedra

angular da ordem jurídica.[...] O direito civil dos modernos foi refundado como um prolongamento da moral. ‘Cada um de nós será obrigado, se faz mal ao próximo, de ‘restituere’, de repor as coisas no lugar, de ‘reparar todos os danos causados por sua culpa’. [...] No campo da moral pura, a pertinência dessa regra é por demais duvidosa: primeiramente, porque ela parece excluir que nós tenhamos de nos preocupar com a infelicidade do próximo desde que não seja por nós produzida; [...] Depois, pelo que nela há de excessivo: é admissível que ‘todo fato qualquer que cause um dano a outrem’ obriga-nos à reparação? Passaríamos a vida inteira pagando indenizações...a moral cristã é uma moral de sacrifício”.

24 THEODORO JÚNIOR, Humberto.

(30)

um papel mais interventor, com a finalidade de garantir acesso a todos aos serviços e bens necessários a uma vida com dignidade25 e, por conseguinte, maior proteção.

O deslocamento da culpa para o risco não se deu de maneira imediata. O primeiro movimento foi de presumir culpa em certos fatos danosos, mesmo que tal não fizesse o menor sentido, pois as situações apresentadas não permitiam nem ao menos verificar seu principal elemento, a imputabilidade. Em um segundo momento é que se passou a prescindir da culpa, como fundamento da responsabilidade. O fato em si passava a valer como culpa.26

O primeiro movimento a caminho da responsabilidade objetiva foi na flexibilização para provar culpa, seguido da adoção do conceito de culpa presumida. Sem abandonar a teoria da culpa, passou-se a admitir sua presunção relativa (juris tantum)para certos casos, podendo ser elidida por meio de prova em contrário. O efeito,

do ponto de vista de alcançar a famigerada justiça distributiva, é que neste momento passa a se assistir à inversão do ônus da prova, passando da vítima para o agente.

Posteriormente, com base na responsabilidade contratual (em reação aos danos decorrentes de acidentes com transportes), passou-se a interpretar, fundamentado no vínculo contratual, estar implícita, na obrigação de bem prestar o serviço, a garantia de que não pode ocorrer qualquer acidente. Assim, o descumprimento dessa obrigação (quando ocorre o acidente de transporte), já fazia incidir a responsabilidade para o transportador, que só a afastava comprovando causa não a ele imputável, como força maior, caso fortuito ou culpa da vítima. De novo, há inversão do ônus da prova, facilitando às vítimas do acidente sua indenização. O mesmo raciocínio se fazia com relação aos acidentes de trabalho.

Finalmente, aproximou-se da responsabilidade objetiva (não a alcançando plenamente, pois o elemento culpa ainda se fazia presente) ao se analisar o que se chamou de culpa anônima do Estado: se o serviço público não funciona, funciona mal

25 DIREITO, Carlos Alberto Menezes, CAVALIERI FILHO, Sérgio. Comentários ao novo Código Civil, v. XIII cit., p. 1.

26 ALVIM, Agostinho.

Da inexecução das obrigações e suas consequências. 5. ed. São Paulo: Saraiva,

(31)

ou atrasado, há responsabilidade do Estado em decorrência de sua má organização, por culpa ou falta do serviço (“faut du service”).27

A doutrina alemã é precursora no desenvolvimento da responsabilidade objetiva, com obra de K. Binding publicada em 1872, seguidos pelo italiano G. Venezian, que publicou sua obra a respeito do tema em 1884 e dos franceses, considerados fundadores da teoria da responsabilidade objetiva, R. Saleilles, L. Josserand, G. Ripert.28

A teoria do risco, primeiramente, foi criticada pelos clássicos estudiosos da responsabilidade civil, considerada como um retrocesso a regras primitivas e uma afronta à responsabilidade aquiliana, tão longamente desenvolvida pelos jurisconsultos.29 Mas com sua difusão, restou claro que a responsabilidade condicionada

à culpa não se apresentava mais suficiente para atender à sociedade industrial. A culpa permanece como elemento da responsabilidade, mas esta pode prescindir dela em determinadas situações eleitas pelo sistema. Deixam – a culpa e a responsabilidade – de ser conceitos correspondentes. A responsabilidade civil advém da obrigação de um reparar o dano sofrido por outro. Assim expõe Agostinho Alvim:

A classificação mais simples é esta: a responsabilidade civil fundamente-se na culpa quando esta lhe é elemento indispensável; e prescinde dela quando se satisfaz apenas com o dano e o nexo de causalidade.

A primeira hipótese consubstancia a teoria da culpa, ou subjetiva. A segunda entende-se como a teoria dita objetiva, ou do risco, e dentro de seus postulados se diz que todo dano é indenizável, e deve ser reparado por quem a ele se liga por um nexo de causalidade, independentemente de culpa.30

Dado que ninguém é obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei, a teoria do risco encontra sua legitimidade em disposição legal, que expressamente prevê a responsabilidade objetiva.

27 DIREITO, Carlos Alberto Menezes, CAVALIERI FILHO, Sérgio. Comentários ao novo Código Civil, v. XIII cit., p. 6.

28 PÜSCHEL, Flavia Portella. Funções e princípios justificadores da responsabilidade civil e o art. 927,

§ único do Código Civil. Revista Direito GV 1, v. 1, n. 1, maio, 2005, p. 95, 2005; e DIREITO,

Carlos Alberto Menezes, CAVALIERI FILHO, Sérgio. Comentários ao novo Código Civil, v. XIII

cit., p. 11.

29 ALVIM, Agostinho.

(32)

1.3 Responsabilidade subjetiva

A atribuição da responsabilidade subjetiva depende da existência de três elementos básicos: de uma conduta, ou de um nexo de imputação – uma ação juridicamente qualificada com fundamento na ideia de culpa ou de risco criado; de um dano – uma lesão ou prejuízo, patrimonial ou moral, a um terceiro; e de um nexo de causalidade – um elo que liga a ação ao dano, a relação de causa e efeito entre a ação praticada e o dano verificado.31

O primeiro elemento, a conduta, inclui a ação e a omissão. E, nos termos do artigo 186 do Código Civil, que prescreve o ato ilícito stricto sensu, o elemento culpa é

a ele intrínseco. Assim, a ação ou omissão é o elemento objetivo da conduta, enquanto a culpa seu elemento subjetivo.

Como princípio geral do Direito, as pessoas devem se abster de realizar atos prejudiciais a terceiros. A conduta comissiva é uma extensão desse dever geral de abstenção. A omissiva, por sua vez, para que seja relevante ao Direito, deve vir de sujeito que teria um dever jurídico de agir, de praticar um ato para impedir determinado resultado. Portanto, a omissão como mera inatividade não importa ao ato ilícito, mas apenas aquela de quem se esperava uma ação em razão de seu dever específico de atuar em certas situações.

Para o estabelecimento da responsabilidade subjetiva, a conduta precisa ser culposa. A vítima, neste caso, somente poderá pedir ressarcimento pelos danos sofridos se comprovar a culpa. O elemento essencial da culpa stricto sensu é a falta de

diligência, i.e., do zelo, da cautela, do cuidado para cumprir um dever (que se

exterioriza por negligência, imperícia ou imprudência).32 O nível de cuidado exigível do

agente está intimamente ligado com seus conhecimentos, capacidades ou aptidões para atuar.

Note-se que, para fins de responsabilidade civil, o agente responde em qualquer grau de culpa (stricto sensu ou dolo), visto que a função da indenização é

31 BATTESINI, Eugenio. Direito, economia e responsabilidade objetiva no Brasil. Revista do Instituto de Direito Brasileiro, ano 1, n. 1, p. 64, 2012.

32 DIREITO, Carlos Alberto Menezes, CAVALIERI FILHO, Sérgio.

(33)

reparar os danos causados, e não punir o agente (como ocorre na responsabilidade penal). A indenização é proporcional ao dano sofrido pela vítima, e não graduada em razão do grau de culpabilidade do agente, conforme artigo 944 do Código Civil (“a indenização mede-se pela extensão do dano”).

Aliás, a gravidade da culpa, na responsabilidade civil, serve em benefício do agente, não da vítima, para que o valor a ser indenizado não seja excessivamente desproporcional ao grau de sua culpa, conforme parágrafo único do artigo 944 do Código Civil: “se houver excessiva desproporção entre a gravidade da culpa e o dano, poderá o juiz reduzir, eqüitativamente, a indenização”.

Para que uma conduta tenha relevância para o Direito, além de culposa precisa ter causado um dano a alguém, conforme dispõe o artigo 186 do Código Civil. Para que faça nascer a responsabilidade, necessário verificar se o dano foi causado por aquela conduta. Portanto, há que haver uma relação de causa e efeito entre o ato ilícito e o dano, chamado de nexo causal.

Não há previsão expressa no Código Civil acerca de regras para estabelecimento do nexo causal. No artigo 403, dispõe-se que as perdas e danos só devem incluir os prejuízos efetivos e os lucros cessantes por efeito direto e imediato da ação ou omissão do devedor. Daí se dizer que a análise do nexo causal está em definir a causa mais direta, a mais determinante para a ocorrência do dano. Conforme Caio Mario da Silva Pereira:

[...] o problema da relação de causalidade é uma questão científica de probabilidade. Dentre os antecedentes do dano, há que destacar aquele que está em condições de necessariamente tê-lo produzido. Praticamente, em toda ação de indenização, o juiz tem de eliminar fatos menos relevantes, que possam figurar entre os antecedentes do dano. São aqueles que seriam indiferentes à sua efetivação. O critério eliminatório consiste em estabelecer que, mesmo na sua ausência, o prejuízo ocorreria. Após este processo de expurgo, resta algum que, ‘no curso normal das coisas’, provoca um dano dessa natureza. Em conseqüência, a doutrina que se constrói neste processo técnico se diz da ‘causalidade adequada’, porque faz salientar na multiplicidade de fatores causais, aquele que normalmente pode ser o centro do nexo de causalidade, eliminando os demais.33

33 PEREIRA, Caio Mario da Silva.

(34)

Há situações que excluem o nexo causal da relação. São elas: o caso fortuito, a força maior, fato exclusivo da vítima ou de terceiros. São circunstâncias que, independentemente da diligência do agente, estão fora de seu controle, seja por sua imprevisibilidade (caso fortuito), seja por sua inevitabilidade (força maior), seja porque o dano foi resultado de ato da própria vítima ou de terceiros.

1.4 Responsabilidade objetiva

Com a crescente complexidade da vida moderna, intensificada pela era industrial, o desenvolvimento de novos meios de transporte e a produção em massa, a dificuldade apresentada pela teoria da culpa em determinar os elementos da conduta passou a se tornar relevante, pois aumentaram os casos em que a infração de um dever não era evidente, mas havia danos a serem ressarcidos. Pela teoria da culpa não haveria quem responsabilizar e a situação da vítima era de absoluto desamparo. A teoria da culpa não mais bastava às necessidades da época.

A responsabilidade objetiva nasceu como uma responsabilidade independente de culpa: passa a ser admissível que o risco ínsito em um ato faça nascer a obrigação de indenizar. O risco toma o lugar da culpa.

Em um primeiro momento, causou desconforto a ideia de que uma atividade em tese lícita (pois até então o ilícito estava intrinsecamente ligado à culpa) poderia gerar a obrigação de indenizar.34 Pela teoria que então se desenhava, o fundamento da

responsabilidade não estaria na ilicitude de uma atividade, mas sim no seu risco.

34 ALVIM, Agostinho.

Da inexecução das obrigações e suas consequências cit., p. 307. Agostinho

Alvim chegou a questionar a imputabilidade exclusiva ao “causador” do dano: “Ademais, não é exato dizer-se – pensamos nós – que o dono do negócio deve responder porque criou um risco em seu proveito.

Ele o criou em proveito seu e da coletividade. Com efeito assim é.

O dono de uma empresa de transporte responde pelo dano que o passageiro sofreu.

Mas, não é possível dizer que ele reponde porque, tendo criado um risco em seu proveito, justo é que sofra as consequências.

Em seu proveito, por quê?

Há reciprocidade no proveito, já que a cada lucro realizado pela empresa corresponde uma vantagem obtida por alguém que dela se serviu.

(35)

Mas este desconforto foi ultrapassado pela necessidade social e jurídica de serem as vítimas indenizadas e da incapacidade de o sistema da responsabilidade subjetiva atender a todas as situações em que presente um dano.

Não poucas foram as teorias desenvolvidas a partir da teoria do risco, subdividindo-se estas em várias modalidades, todas buscando embasar a aplicação da responsabilidade objetiva. 35-36-37

A teoria do risco integral, pouco absorvida pelo Direito Privado, estipula que qualquer fato causador de um dano deve acarretar responsabilidade ao agente, bastando a apuração do dano, mesmo nos casos de culpa exclusiva da vítima, fato de terceiro, caso fortuito ou de força maior.

A teoria do risco profissional faz nascer o dever de indenizar apenas quando o fato causador do dano é decorrente de atividade profissional do lesado (desenvolvida de forma habitual e contínua).

A teoria do risco-proveito direciona a responsabilidade para quem tira proveito ou vantagem do fato causador do dano: ubi emolumentum, ibi onus (onde está

o ganho, reside o encargo). Por essa teoria, as vantagens não seriam necessariamente econômicas, o que dificulta sua limitação. Esta tem sido a teoria mais aceita para fins de justificar a responsabilidade objetiva.

A teoria do risco excepcional, por sua vez, descreve ser a reparação devida sempre que o dano decorre de risco não ligado à atividade comum da vítima.

Por fim, mas não menos relevante, tem-se a teoria do risco criado, desenvolvida por Caio Mario da Silva Pereira, segundo a qual o sujeito que desenvolve atividade ou profissão e com isso, cria um perigo, deve ser responsabilizado, salvo reste comprovado ter tomado todas as medidas idôneas para evitá-lo. Institui-se, assim, a

35 DIREITO, Carlos Alberto Menezes, CAVALIERI FILHO, Sérgio.

Comentários ao novo Código Civil, v. XIII cit., p. 12.

36 PÜSCHEL, Flavia Portella. Funções e princípios justificadores da responsabilidade civil e o art. 927,

§ único do Código Civil. Revista Direito GV 1, v. 1, n. 1, maio, 2005, p. 96, 2005. 37 BATTESINI, Eugenio. Direito, economia e responsabilidade objetiva no Brasil.

(36)

presunção de risco, em decorrência da atividade ou profissão do causador do dano.38

Trata-se de ampliação da teoria do risco-proveito, vez que não se subordina o dever de reparar à vantagem recebida, mas a fazer o agente assumir as consequências da atividade que pratica.

A teoria do risco justifica a atribuição da responsabilidade objetiva com base em alguns princípios desenvolvidos durante seu desenvolvimento. Não é possível analisá-los isoladamente para fins de compreender o cenário em que se aplica a responsabilidade objetiva. Mas deve-se tratá-los como “um conjunto de idéias justificadoras” conforme Flávia Portella Püchel.39 Passa-se a uma descrição delas, com

base no trabalho dessa autora.

O mais antigo princípio é aquele reverberado pela teoria do risco-proveito: se alguém se beneficia de uma atividade, deve arcar com os prejuízos dela decorrentes (ubi emolumentum, ibi onus).

O princípio do risco extraordinário trata da situação em que há um risco acima do normal. Pode-se verificar o risco extraordinário de três maneiras:40 pela

grande probabilidade da ocorrência de danos, pelo valor elevado dos prejuízos que pode causar ou, ainda, pelo desconhecimento do potencial danoso da atividade. Verificado esse risco, haveria justificativa para a aplicação da responsabilidade objetiva.

Pelo princípio da causa do risco, a responsabilidade repousa em quem deu causa ao dano. Mas não no sentido de causador por conduta culposa, como no caso da responsabilidade subjetiva. Neste caso, causador seria o sujeito que controla a fonte do risco, qual seja, aquele que a melhor conhece e por isso está na melhor posição para evitar a ocorrência de danos.

Na mesma toada, o princípio da prevenção, que dispõe residir a responsabilidade em quem controla a fonte de risco e pode reduzi-lo. Neste caso, a imposição da responsabilidade é um incentivo para que ele o faça.

38 PEREIRA, Caio Mario da Silva.

Responsabilidade civil cit., p. 24.

39 PÜSCHEL, Flavia Portella. Funções e princípios justificadores da responsabilidade civil e o art. 927,

§ único do Código Civil. Revista Direito GV 1, v. 1, n. 1, maio, 2005, p. 96, 2005. 40 BATTESINI, Eugenio. Direito, economia e responsabilidade objetiva no Brasil.

Referências

Documentos relacionados

TEORIA MUSICAL ATRAVÉS DE INSTRUÇÃO

Figura 8 – Isocurvas com valores da Iluminância média para o período da manhã na fachada sudoeste, a primeira para a simulação com brise horizontal e a segunda sem brise

pelo capricho&#34;, e &#34;com os tres poderes bem divididos.&#34; Para redigir o projecto da magna carta, ele-- geu-se uma comissão composta de sete membros: Antonio Carlos Ribeiro

Devido ao reduzido número de estudos sobre fatores de risco para PI, optou-se por utilizar como categorias de referência as de menor risco para o BPN, conforme apontado pela

O fato de o complexo amigdalóide ser uma estrutura neural relacionada com ansiedade antecipatória e exercer uma modulação sobre a resposta de congelamento observada após a

A Direcção Nacional de Pescas e Aquicultura (DGPA) é o serviço do Ministério que centraliza e responde pelo acompanhamento, implementação e fiscalização das políticas,

NOTA 5: num CentOS ou Red Hat, para saber se o serviço postfix está instalado, uma alternativa seria procurar pelo pacote, com o comando &#34;rpm -aq | grep postfix&#34;.. Se

Os resultados podem ser usados para auxiliar na compreensão do fenômeno que ocorre no ambiente marciano, contribuindo para o entendimento de como os vórtices de