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2.2 A NOVA ECONOMIA INSTITUCIONAL

2.3.2 Direitos de propriedade

Os autores que iniciaram o debate da questão dos direitos de propriedade foram Coase (1960) no artigo The problem of social costs e Demsetz (1967) no artigo Toward a theory of

property rights. Coase (1960) parte de uma crítica a abordagem de Pigou5 para a análise das

externalidades, pois a considera muito simplista. Para ele a abordagem de Pigou mascara o problema real, uma vez que todo problema de externalidades traz subjacente um problema prévio de alocação de direitos de propriedade.

Para contrapor ao argumento de Pigou, Coase (1960) utiliza como exemplo uma ferrovia que causa externalidades aos proprietários de terras por onde ela passa e mostra que em algumas situações seria mais vantajoso para a ferrovia negociar a propriedade dos terrenos do que indenizar os proprietários pelos danos causados, como prega a solução de Pigou, isso porque a transação de indenização tem custos de naturezas distintas, inclusive os custos relacionados a práticas oportunistas das partes envolvidas na transação (SILVA e SPHOR, 2015).

Assim, considerando que o problema das externalidades tem natureza recíproca e os custos de transação não são nulos, Coase (1960) mostra que a definição prévia dos direitos de

5 Conhecido como “princípio do poluidor pagador”, é considerado a abordagem tradicional para análise das

externalidades, segundo a qual o gerador do dano, paga pelas externalidades causadas ao ambiente ou a sociedade.

propriedade é uma questão chave na análise de externalidades e consequentemente na análise da eficiência econômica.

Se os fatores de produção são pensados como direitos, torna-se mais fácil entender que o direito de fazer algo que tem um efeito nocivo é também um fator de produção. O custo do exercício de um direito (de usar um fator de produção) é sempre a perda sofrida por outros em consequência do exercício desse direito (COASE, 1960, p. 22, tradução nossa).

Demsetz (1967, p. 348, tradução nossa) seguindo os argumentos de Coase (1960), coloca que a principal função dos direitos de propriedade “é guiar os incentivos para conseguir uma maior internalização das externalidades”. Esse autor, porém, avança em relação a Coase (1960) ao definir três tipos de regime de propriedade: comunal, privada e estatal.

No regime de propriedade comunal, os direitos podem ser exercidos por todos os membros da comunidade, ou seja, nega-se ao Estado ou as pessoas individuais o direito de interferir no exercício dos direitos de propriedade da comunidade. O regime de propriedade privada, significa que a comunidade e o Estado reconhecem o direito do proprietário de excluir outras formas de exercício dos direitos que não as estabelecidas por ele. O regime de propriedade estatal implica que o Estado pode excluir qualquer pessoa do uso de um direito, desde que siga procedimentos políticos aceitos para determinar quem não pode usar a propriedade estatal. (DEMSETZ, 1967).

Para Demsetz (1967), o regime comunal apresenta muitas externalidades, enquanto a propriedade privada tem a capacidade de internalizar muitos dos custos associados a propriedade comunal. A desvantagem do regime privado, contudo, é que ela concentra muitos dos benefícios e dos custos.

No que tange aos recursos naturais, os teóricos da abordagem convencional dos direitos de propriedade, ao associarem o regime de propriedade comum com a ausência de direitos exclusivos e efetivos, influenciaram Hardin (1968) a elaborar a sua teoria clássica conhecida como “Tragédia dos comuns”, segundo a qual o uso ineficaz dos recursos que conduziria a exaustão seria inevitável para os recursos sob o regime de propriedade comum, pois os usuários viveriam um dilema social entre cooperar e não cooperar e face a inexistência de direitos de propriedade definidos optariam pela não cooperação.

De acordo Poteete, Ostrom e Jansen (2011), vários estudos de caso mostraram que Hardin (1968) falhou em três pontos:

a) o uso sustentável dos recursos naturais compartilhados pode ocorrer na ausência da propriedade privada ou da propriedade estatal;

b) os usuários de recursos locais possuem a capacidade de monitorarem e imporem as decisões coletivas;

c) há evidências de que mesmo em situações onde os direitos de propriedade estão bem definidos e impostos o uso sustentável dos recursos comuns não está garantido.

Além disso, a discussão em torno dos direitos de propriedade ganhou mais elementos quando os direitos de propriedade passaram a ser analisados a partir do seu caráter dinâmico e multidimensional (FIANI, 2003). Nessa nova perspectiva, os direitos de propriedade passam a serem vistos como cestas de direitos e nesse caminho Schlager e Ostrom (1992) ao analisar os recursos comuns argumentam que existe um pacote de direitos relacionados ao nível operacional e ao nível de escolha coletiva. Os direitos do nível operacional dizem respeito aos direitos de acesso e de retirada do recurso. No nível de escolha coletiva, os direitos são de gestão dos recursos (direito de regular padrões internos de uso e transformar o recurso fazendo melhorias), exclusão (determinar quem terá o direito de acesso e como ele poderia ser transferido) e alienação (direito de vender ou arrendar qualquer um dos direitos anteriores). A propriedade desses direitos define quatro tipos de detentores, conforme pode ser observado no Quadro 7 a seguir.

Quadro 7 – Pacotes de direitos associados com a posição do usuário

Detentores /Direitos Proprietário absoluto Aqueles que estão na posse Requerentes Autorizados a usar Acesso e retirada X X X X Gestão X X X Exclusão X X Alienação X

Fonte: Schlager e Ostrom (1992, p. 252, tradução nossa).

Assim, a contribuição de Ostrom e seu grupo de pesquisa, no que tange a questão dos direitos de propriedade e recursos de acesso comum foi em três direções:

a) regime de propriedade comum e recursos comuns não são sinônimos, a gestão e uso de recursos comuns pode se dá através da propriedade privada ou estatal também;

b) diversos estudos de caso realizados no mundo todo mostraram que a gestão e uso de recursos comuns através do regime de propriedade comum não

necessariamente conduz à exaustão dos recursos como previa a Tragédia dos comuns de Hardin;

c) os direitos de propriedade devem ser compreendidos a partir do seu caráter multidimensional e analisados como cesta de direitos.

A seguir serão apresentadas as contribuições de Ostrom no que tange a ação coletiva e a segunda geração de modelos de análise dos dilemas sociais (ARARAL, 2014; CUNHA, 2004).