• Nenhum resultado encontrado

4 SISTEMA SOCIOECOLÓGICO DA FLORESTA NACIONAL DO TAPAJÓS

4.3 SISTEMA DE GOVERNANÇA (SG)

4.3.4 Sistemas de direitos de propriedade (SG4)

De acordo com Poteete, Ostrom e Jansen (2011, p. 76), “os direitos de propriedade não são fenômenos simplesmente econômicos, eles refletem os padrões sociais da organização econômica, a dinâmica política da competição e os sistemas para tomada de decisão coletiva”. Desse modo, os direitos de propriedade precisam ser compreendidos pelo seu caráter multidimensional e dinâmico a fim de evitar a confusão comum que existe entre tipos de bens, regimes de propriedade e direitos de propriedade.

As florestas são recursos de acesso comum, pois é difícil excluir um usuário ou um grupo de usuários do seu uso ou benefício, mas também as florestas são altamente subtraíveis, ou seja, o seu uso por um usuário ou um grupo a torna indisponível para o uso por outro usuário ou grupo.

Essas características, contudo, não definem de imediato o regime de propriedade ao qual as florestas estarão submetidas, nem tão pouco quais direitos cada grupo de usuários possuirá. A decisão do regime de propriedade é sobretudo política e econômica, no caso brasileiro, existem florestas cujo regime de propriedade é estatal e outras com regime de propriedade privado.

As Flonas, objeto desse estudo, são de acordo com o SNUC de domínio público, ou seja, o seu regime de propriedade é o estatal, porém como as Flonas são UCs classificadas como de uso sustentável, o SNUC permite a utilização dos seus recursos por meio de formas sustentáveis de exploração. A definição, contudo, de quem pode fazer uso desses recursos, uma vez que o direito ao uso do recurso é formado por uma cesta de direitos: direito ao acesso, a retirada, a gestão, a exclusão de outros usuários e a alienação, vai depender de uma variedade de fatores políticos e econômicos.

No Brasil, as normas e critérios para a distribuição da cesta de direitos de propriedade dos recursos das florestas públicas está definida em uma variedade de instituições que se complementam, com destaque para a LGFP e o SNUC. A LGFP defini que a gestão das florestas públicas se dará de três formas: 1) por meio da criação de Flonas; 2) com a destinação das florestas públicas às comunidades locais e; 3) por meio da concessão florestal,

ou seja, pela LGFP, somente caso não seja possível repassar direitos de acesso e retirada para as comunidades locais é que esses direitos serão repassados para a iniciativa privada por meio das concessões.

O SNUC, por sua vez, traz uma série de regras para que haja o repasse dos direitos de acesso e retirada para as comunidades tradicionais que habitam as Flonas, uma dessas regras é que as comunidades que reivindicam os direitos habitem o interior das UCs antes da sua criação, a outra condição é que seja estabelecido um CCDRU. O SNUC aborda também as normas e critérios para efetivação do direito à gestão, visto que atendendo aos padrões do novo modelo de governança, a governança híbrida ou participativa, o direito a gestão é compartilhado entre Estado e comunidade ou entre Estado e empresas ou entre Estado e OSCIP.

No caso específico da Flona do Tapajós, o direito de acesso e retirada dos recursos foi concedido parcialmente as comunidades tradicionais em 2003 por meio da Portaria nº 40 do IBAMA, que concedeu as Associações Intercomunitária a autorização para iniciar o Projeto Piloto de Manejo Florestal, somente em 2005, após a aprovação do PMFS, foi emitida a autorização definitiva.

Note-se, contudo, que essa autorização é específica para uma área da Flona, a zona de manejo florestal, somente em 2010 com a assinatura do CCDRU entre ICMBIO e Federação é que o direito de acesso e retirada foi institucionalizado para a zona populacional, onde os moradores vivem e de onde eles retiram os recursos para sua sobrevivência. Contudo, mesmo o CCDRU em vigor atualmente, ainda é incompleto, pois existe duas áreas no interior da Flona que ainda não pertencem ao ICMBIO e este, portanto não pode repassar o direito de uso às comunidades, são as áreas da Gleba Cupari e uma área supostamente devoluta onde estão lotes ao longo da BR 163 e que o ICMBIO aguarda pela identificação e repasse pelo INCRA.

O direito de gestão, no caso das florestas públicas onde o direito de acesso e retirada foi concedido às comunidades locais, como é o caso da Flona do Tapajós, não é pleno, ele é compartilhado entre Estado e comunidade e se concretiza por meio do conselho consultivo. A Flona do Tapajós, foi a primeira UC a ter um conselho consultivo formalmente instituído, em 2001, desde então atendendo as mudanças institucionais, esse conselho passou por diversas reconfigurações, sendo a mais recente em 2018.

O direito de exclusão e de alienação que compõem a cesta de direitos de propriedade, no caso das Flonas, são exclusivos do Estado que tem o poder e a autonomia para elaborar normas que definam os critérios de exclusão e alienação bem como as sanções previstas para o descumprimento dessas regras. Não obstante, o direito exclusivo de criar as regras de uso e

gestão pertencente ao Estado brasileiro, as comunidades tradicionais da Flona do Tapajós não se eximem dos seus conflitos internos e não raro elaboram regras internas para melhorar a eficiência na utilização dos recursos, como é o caso da comunidade do Pini que proibe a pesca no lago da comunidade no verão.

Vê-se assim, que as mudanças institucionais que ocorreram a partir do começo do século XXI foram fundamentais para a definição dos direitos de propriedade das florestas públicas brasileiras, apesar dessa evolução, contudo, a existência de instituições que estabeleçam as normas para a definição dos direitos de propriedade não é suficiente para que os mesmos sejam garantidos, outros fatores contribuem para que ainda existam falhas nessa definição, como é o caso por exemplo do CCDRU da Flona do Tapajós que não abrange todas as comunidades.

Da mesma forma, a insuficiência de enforcement contribui para que ainda existam falhas no direito exclusivo de acesso e retirada dos recursos pelas comunidades tradicionais, principalmente no recurso pesqueiro, mais vulnerável e de difícil monitoramento devido a sua dinamicidade.