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5 A ESTRUTURA DE GOVERNANÇA DA EXPERIÊNCIA DE MANEJO

5.2 OS PRESSUPOSTOS COMPORTAMENTAIS

5.2.1 Racionalidade limitada

Williamson (2012) opõe-se ao pressuposto neoclássico da racionalidade substantiva ao admitir que os agentes possuam limitações para acessar, acumular, processar e transmitir informações. Tais limitações cognitivas implicam em agentes que fazem escolhas e tomam decisões com base em um número restrito de informações, as quais são interpretadas de acordo com suas experiências anteriores e alinhadas as diversas visões de mundo que cada indivíduo possui.

Por envolver processos cognitivos, modelos mentais e visões de mundo, a análise da racionalidade limitada dos agentes não é tarefa simples, de forma que pesquisadores têm adotado diferentes métodos para detectar e demonstrar a racionalidade limitada dos indivíduos. Silveira (2017), por exemplo, usou o acesso à informação e aos fatores considerados na tomada de decisão como proxies para a racionalidade limitada, além de expor aos entrevistados de sua pesquisa duas situações-problema com o objetivo de captar o uso da emoção ou da razão nas decisões. Por sua vez, Schubert (2012), ao investigar a racionalidade limitada dos produtores de leite de Santa Catarina, questionando os motivos que levavam os produtores a permanecerem na atividade versus a disponibilidade e os fatores que poderiam conduzir à mudança de atividade. Por fim, Matei (2015), analisou os processos de inovação na agricultura familiar e concluiu que as interações entre agentes tenderam a amenizar as incertezas causadas pela racionalidade limitada dos indivíduos.

Considerando a dificuldade em encontrar métodos adequados para captar a racionalidade limitada dos indivíduos optou-se nessa pesquisa, por investigar o acesso à informação e ao conhecimento dos agentes envolvidos no manejo florestal comunitário a partir tanto da percepção individual, quanto da análise das informações levantadas nas entrevistas. Além disso, buscou-se identificar e analisar a presença da racionalidade limitada em algumas decisões recentes dos dirigentes da cooperativa.

No que tange ao acesso a informação sobre o manejo florestal, para a maioria dos usuários entrevistados ele se dá por meio da cooperativa, principal fonte de informação para 88% dos usuários. As associações comunitárias são a segunda principal fonte, seguida pelas organizações governamentais, os cooperados, as ONGs e os vizinhos.

Esse cenário se justifica pelo fato de, não obstante haver um arranjo organizacional onde diversas organizações atuam e a presença de instâncias de deliberação bem definidas que permitem o contato direto entre ONGs e associações comunitárias, por exemplo, é a cooperativa a principal intermediadora e articuladora para oferta de cursos e treinamentos

sobre manejo florestal oferecidos aos usuários dos recursos, sendo que 93% dos entrevistados já realizaram pelo menos um curso ofertado pela cooperativa.

Essa oferta de cursos e treinamentos é viabilizada pelo estabelecimento de parcerias realizadas pela cooperativa com organizações governamentais e não governamentais na tentativa de ampliar o acesso à informação e ao conhecimento sobre os mais diversos assuntos que envolvem o MFC, desde processos de extração, uso de equipamentos, gestão, cooperativismo, segurança no trabalho, combate a incêndio, entre outros.

Vale destacar, contudo, que o estabelecimento dessas parcerias só é possível porque existe um aprendizado anterior proveniente de experiências de parcerias bem-sucedidas desde a década de 1990, envolvendo comunitários e ONGs, e entre comunitários e organizações governamentais que garante a presença de laços de confiança, permitindo que esta relação se transforme em fonte de acesso à informação.

Existem dois exemplos recentes de parcerias que auxiliaram em decisões da cooperativa. O primeiro foi um estudo realizado pela UFOPA, que identificou e quantificou as possibilidades de uso dos resíduos da madeira extraída e forneceu subsídios para o projeto de implantação da movelaria. Sem esse estudo a cooperativa não teria acesso às informações essenciais e necessárias para elaboração e aprovação do projeto pela Fundação Banco do Brasil, financiadora dos recursos. Vale ressaltar, contudo, que o acesso à informação e ao conhecimento disponibilizado pelo estudo não seria suficiente para realização do projeto se não houvesse o desejo dos gestores da cooperativa em efetivá-lo, a partir da visão de que o beneficiamento da madeira, ao agregar valor ao produto, possibilita ampliação nas alternativas de geração de renda para os cooperados. O segundo exemplo, refere-se à parceria realizada com a Emater- PA para elaboração de um estudo que subsidiou o projeto da agroindústria de processamento de frutas que se encontra em processo de implantação.

O estabelecimento de parcerias tem funcionado como um instrumento para prover a cooperativa de informações necessárias para a tomada de decisão, de modo a minimizar incertezas provenientes da racionalidade limitada dos agentes quando estes não têm acesso às informações necessárias para realizar suas escolhas, como nos casos da implantação da movelaria e da agroindústria. Por outro lado, observa-se que a ausência de informação e conhecimento a respeito da cadeia produtiva de produtos florestais não madeireiros é um importante fator limitante para a ampliação dos usos desses recursos, levando a cooperativa a priorizar e despender maiores esforços no manejo madeireiro.

Conforme já enfatizado no capítulo anterior, a cadeia produtiva dos PFNM reconhecidamente dispõe de menos estudos e investimentos por parte de pesquisadores e

gestores públicos. Tal situação coloca os extrativistas à mercê das poucas empresas que se mostram interessadas em comprar os produtos florestais não madeireiros e que por isso passam a ter grande poder de barganha, estabelecendo preços muito baixos tornando a atividade inviável, considerando-se o grande esforço físico necessário para realizá-las26. A

própria política de garantia de preços mínimos para produtos da sociobiodiversidade é vista pelos dirigentes da cooperativa como extremamente burocrática, além do seu acesso ser possível apenas individualmente.

Esses aspectos reforçam a imagem, amplamente disseminada, da maior rentabilidade da atividade madeireira quando comparada com a não madeireira e, portanto, justifica a maior ênfase dada a essa atividade a despeito da necessidade de diversificação das atividades, com vistas a ampliar os resultados econômicos para um maior número de comunitários e evitar a sobrexploração dos recursos e garantir a regeneração da floresta e o uso futuro dos recursos.

O acesso à informação também é decisivo para que haja uma racionalidade na definição dos preços, isso porque os produtos florestais não madeireiros são os únicos produtos que a cooperativa não tem autonomia para definir os preços de comercialização, mostrando mais uma vez os efeitos da racionalidade limitada.

No que tange às incertezas provenientes do ambiente institucional, ou seja, da possibilidade de mudanças nas regras de uso dos recursos, observa-se que tanto os usuários quanto os dirigentes da cooperativa reconhecem a presença dessa incerteza, conforme já abordado na seção 5.1.2. Os agentes têm acesso à informação de que mudanças no poder executivo e a consequente emergência de uma nova visão para a política ambiental podem implicar em transformações nos parâmetros da governança florestal, que por sua vez implicam em mudanças nas instituições. Porém, em virtude da racionalidade limitada, os agentes têm dificuldade em processar essa informação, não conseguindo quantificar e transformar a incerteza em risco, de modo que conduzem suas escolhas como as inseguranças não existissem, planejando ações para o futuro, como é o caso da implantação da serraria que se encontra em curso.

Isto posto, as análises das decisões recentes demonstram que as escolhas realizadas pelos dirigentes da cooperativa estão sempre condicionadas pela racionalidade limitada, seja porque as informações disponíveis são incompletas ou porque os agentes têm dificuldades para processá-las ou transmiti-las, sendo tais condições o alimento para a incerteza e para

26 A coleta de andiroba, por exemplo, quando não realizada na área populacional, requer do extrativista grande

esforço físico para carregar, nas costas, cestos com sementes, que pesam até 10 kg por distâncias superiores a 5 km.

incompletude dos contratos, conforme já havia enfatizado Williamson (2012), de modo que qualquer análise, seja das relações contratuais ou da estrutura de governança, deve considerar a presença da racionalidade limitada dos agentes.