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OS DISCURSOS DE VERDADE SOBRE A FAMÍLIA NAS PROPOSIÇÕES LEGISLATIVAS: A BANDEIRA DE LUTA DA FRENTE PARLAMENTAR

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OS DISCURSOS DE VERDADE SOBRE A FAMÍLIA: A NORMALIZAÇÃO DA FAMÍLIA HETEROSSEXUAL,

ANO NÚMERO AUTOR/A/ES CONTEÚDO 2011 PL 0733 Marcelo Aguiar

2.2 OS DISCURSOS DE VERDADE SOBRE A FAMÍLIA NAS PROPOSIÇÕES LEGISLATIVAS: A BANDEIRA DE LUTA DA FRENTE PARLAMENTAR

EVANGÉLICA NO CONGRESSO NACIONAL

Nos últimos anos, consideramos que o “carro-chefe”, em termos de Projeto de Lei apresentado pela Frente Parlamentar Evangélica é o PL 6583/2013, mais conhecido

como Estatuto da Família. Apresentado pelo deputado evangélico Anderson Ferreira (PR-PE), e apoiado por parlamentares tanto evangélicos como católicos, o Estatuto da

Família dispõe, dentre outras coisas, a respeito da definição do que se deveria entender

como família, dos direitos, garantias desta e sobre políticas públicas voltadas à família no que se refere à educação, saúde, violência doméstica, entre outros. Entretanto, é interessante notar que, logo no art. 2º do referido Projeto de Lei, faz-se um destaque (em negrito no documento original) que muito nos revela:

Art. 2º Para os fins desta Lei, define-se entidade familiar como o núcleo social formado a partir da união entre um homem e uma mulher, por meio de casamento ou união estável, ou ainda por comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes29.

As justificativas apresentadas para a elaboração do PL 6583/2013 são das mais diversas. Uma primeira delas refere-se à primazia da família enquanto instituição social que estaria no cerne da formação de cada sociedade humana:

A família é considerada o primeiro grupo humano organizado num sistema social, funcionando como uma espécie unidade-base da sociedade. Daí porque devemos conferir grande importância à família e às mudanças que a têm alterado a sua estrutura no decorrer do tempo30.

O que de fato justifica a apresentação do referido PL seria a constatação de ameaças à família que pululam no tecido social no período recente. Desta forma, o principal motivo que evidenciaria a necessidade de proteção e valorização da família por parte do poder público seria o da própria destruição da família:

São diversas essas questões. Desde a grave epidemia das drogas, que dilacera os laços e a harmonia do ambiente familiar, à violência doméstica, à gravidez na adolescência, até mesmo à desconstrução do conceito de família, aspecto que aflige as famílias e repercute na dinâmica psicossocial do indivíduo31.

Mas afinal, qual família estaria sendo destruída ou desconstruída? Embora o PL não verse sobre quais seriam os elementos que tentam desconstruir o conceito de

29 BRASIL. Congresso Nacional. Projeto de Lei PL 6583/2013. Dispõe sobre o Estatuto da Família e dá

outras providências. Disponível em:

<http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=597005>. Acesso em: 05 ago 2016.

30 BRASIL. Congresso Nacional. Projeto de Lei PL 6583/2013. Dispõe sobre o Estatuto da Família e dá

outras providências. Disponível em:

<http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=597005>. Acesso em: 05 ago 2016.

31 BRASIL. Congresso Nacional. Projeto de Lei PL 6583/2013. Dispõe sobre o Estatuto da Família e dá

outras providências. Disponível em:

<http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=597005>. Acesso em: 05 ago 2016.

família, podemos nos lembrar do destaque encontrado no PL no art. 2. Um destaque, obviamente, não é feito por acaso, de forma inofensiva. Quando Anderson Ferreira (PR- PE) apresenta o projeto dando especial destaque à definição de família como o casamento ou a união estável entre um “homem” e uma “mulher”, o intuito é, justamente, a tentativa de normalizar jurídica e politicamente uma determinada configuração de família como aquela que seria legítima, em detrimento de configurações ilegítimas. Falando de forma mais explícita, o intuito é excluir desta definição as famílias não-heterossexuais que, não se enquadrando no legítimo, além de não serem consideradas famílias (ou famílias de segunda categoria), não devem receber o mesmo tratamento e as mesmas garantias, direitos e proteções que as famílias heterossexuais por parte do Estado.

Tais concepções defendidas no Estatuto da Família reproduzem aquilo que Judith Butler (2015) denomina matriz heterossexual. Ancorada nas discussões foucaultianas, a autora ressalta que essa matriz é construída e se perpetua através da cultura, na qual existem investimentos na produção de gêneros “inteligíveis”, em contraposição àqueles indivíduos que, pela não conformação com as normas de sexualidade, são entendidos como transgressores. Os discursos de verdade hegemônicos e que alimentam a matriz heterossexual, criados através de saberes sobre o sexo, produzem campos de regulação dos corpos, agindo de forma a discipliná-los através da ordenação do desejo àquilo que se espera. Em suas próprias palavras:

A noção de que pode haver uma “verdade” sobre o sexo [...] é produzida precisamente pelas práticas reguladoras que geram identidades coerentes por via de uma matriz de normas de gênero correntes. A heterossexualização do desejo requer e institui a produção de oposições discriminadas e assimétricas entre “feminino” e “masculino”, em que esses são entendidos como atributos expressivos de “macho” e “fêmea”. A matriz cultural por intermédio da qual a identidade de gênero se torna inteligível exige que certos tipos de “identidade” não possam “existir” – isto é, aquelas em que o gênero não decorre do sexo e aquelas em que as práticas do desejo não “decorrem” nem do “sexo” nem do “gênero”. Neste contexto, “decorrer” seria uma relação política de direito instituído pelas leis culturais que estabelecem e regulam a forma e o significado da sexualidade. Ora, do ponto de vista deste campo, certos tipos de “identidade de gênero” parecem ser meras falhas do desenvolvimento ou impossibilidades lógicas, precisamente porque não se conformam às normas da inteligibilidade cultural (BUTLER, 2014, p. 44).

Quando Butler (2015) salienta que as verdades sobre o sexo tornam algumas manifestações da sexualidade como ininteligíveis, também podemos dizer que a tentativa de institucionalização de uma verdade sobre a família por parte da Frente Parlamentar Evangélica almeja, por via da exclusão de “arranjos ininteligíveis”

compostos por “sexualidades ininteligíveis”, tornar as novas famílias como impossibilidades não somente lógicas, mas como impossibilidades jurídicas na medida em que não deveriam ser contempladas pelos ordenamentos jurídicos brasileiros que versam sobre os direitos da família.

Atrelado ao Estatuto da Família está o PL 6584/2013, também de autoria do deputado evangélico Anderson Ferreira (PR-PE). O referido projeto versa sobre a institucionalização da “Semana Nacional de Valorização da Família”. Concatenado ao projeto referenciado anteriormente, este também apela pela necessidade de se reforçarem os valores morais da família entendida em sua configuração exclusivamente heterossexual. Na justificativa do PL encontra-se a seguinte afirmação:

Hoje a sociedade encontra-se num processo permanente de transformação afetando diretamente seus valores. Infelizmente alguns valores importantes que forjam caráter, deveres e direitos, que se reproduzem no seio familiar são abalados. Ciente desse quadro é que apresentamos o projeto de valorização da família32.

Para resgatar valores perdidos com as novas transformações que ocorrem na sociedade, o PL realça o papel da escola na valorização da família entendida nesta configuração restrita:

Considero de grande importância o resgate de valores familiares no âmbito das escolas através de confecção de murais, promoção de peças teatrais, sessões de cinema, concurso de redação, etc. Assim como realçar o dever das instituições em zelar pela família e pela promoção do seu fortalecimento, destacar o seu papel na construção da sociedade e promover a reflexão, a discussão acerca do seu conceito na sociedade atual e seus problemas econômicos, sociais, culturais, éticos e morais33.

Esta mesma concepção a respeito da escola como lugar e instrumento de perpetuação e reprodução da ideia da família legítima também foi utilizada pelos parlamentares evangélicos para combater aquilo que se convencionou chamar “ideologia de gênero”, e sua suposta propagação no Plano Nacional de Educação (PNE) 2014-2024. A mobilização de evangélicos, em conjunto com os parlamentares católicos, foi pela retirada das diretrizes de gênero, visto que estas, em sua concepção, teriam o objetivo de “homossexualizar” a sociedade e destruir a família tradicional. O PL

32 BRASIL. Congresso Nacional. Projeto de Lei PL 6584/2013. INSTITUI “A SEMANA NACIONAL DE VALORIZAÇÃO DA FAMÍLIA”, QUE INTEGRARÁ O CALENDÁRIO OFICIAL DO PAÍS. Disponível em: <http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=597006>. Acesso em: 05 ago 2016.

33 BRASIL. Congresso Nacional. Projeto de Lei PL 6584/2013. INSTITUI “A SEMANA NACIONAL DE VALORIZAÇÃO DA FAMÍLIA”, QUE INTEGRARÁ O CALENDÁRIO OFICIAL DO PAÍS. Disponível em: <http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=597006>. Acesso em: 05 ago 2016.

3236/2015, de autoria do deputado-pastor Marco Feliciano (PSC-SP) é um dos exemplos da tentativa de retirada oficial da diretriz de gênero que estava explicitada no rol de discriminações que o Plano Nacional de Educação tinha por objetivo combater. Na justificativa do PL, encontramos os seguintes dizeres:

O dispositivo que se pretende insertar no Plano Nacional de Educação veda que, a pretexto do justo combate a todas as formas de discriminação, se estimule a propagação da maléfica doutrina de gênero, por qualquer meio ou forma, em flagrante conflito com as convicções morais e religiosas dos educandos ou de seus pais ou responsáveis34.

Também o Projeto de Lei 7180/2014, de autoria do deputado Erivelton Santana (PSC-BA) se utiliza dos mesmos argumentos, na medida em que altera as Leis de Diretrizes e Bases da Educação (LDB), estabelecendo a primazia dos “valores familiares” referentes à “educação moral, sexual e religiosa”, de forma a fazer com que o ensino escolar “respeite” tais convicções. Segundo a justificativa do projeto:

Somos da opinião de que a escola, o currículo escolar e o trabalho pedagógico realizado pelos professores em sala de aula não deve entrar no campo das convicções pessoais e valores familiares dos alunos da educação básica. Esses são temas para serem tratados na esfera privada, em que cada família cumpre o papel que a própria Constituição lhe outorga de participar na educação dos seus membros35.

Vemos aqui que o deputado faz um apelo a um dos componentes centrais da definição de laicidade que já apresentamos: a defesa da liberdade de consciência. Entretanto, tal defesa é feita, somente, quando se refere à necessidade de se respeitar convicções hegemônicas e socialmente consolidadas.

Além dos supracitados, o PL 1859/2015, assinado por deputados evangélicos como João Campos (PRB-GO), Alan Rick (PRB-AC), Stefano Aguiar (PSB-MG) e Rosangela Gomes (PRB-RJ), em conjunto com deputados que se autodeclaram católicos, como Eros Biondini (PTB-MG) e Givaldo Carimbão (PROS-AL) e, também, o PL 3235/2015, também de autoria de Marco Feliciano (PSC-SP), se colocam, ambos, contra a propagação da “ideologia de gênero”. O PL 1859/2015 propõe acréscimo de

34 BRASIL. Congresso Nacional. Projeto de Lei PL 3236/2015. Acrescenta parágrafo único ao artigo 2º da Lei nº 13.005, de 25 de julho de 2014, que “Aprova o Plano Nacional de Educação – PNE e dá outras

providencias”. Disponível em:

<http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=2016876>. Acesso em: 08 ago 2016.

35 BRASIL. Congresso Nacional. Projeto de Lei PL 7180/2014. Altera o art. 3º da Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as leis de diretrizes e bases da educação nacional. Disponível em: <http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=606722>. Acesso em: 08 ago 2016.

parágrafo ao art. 3 da Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB). Segue a redação do parágrafo sugerido:

“Parágrafo único: A educação não desenvolverá políticas de ensino, nem adotará currículo escolar, disciplinas obrigatórias, ou mesmo de forma complementar ou facultativa, que tendam a aplicar a ideologia de gênero, o termo ‘gênero’ ou ‘orientação sexual’” 36.

Já o PL 3235/2015 acrescenta o art. 234-A ao Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), com o intuito de criminalizar quaisquer comportamentos que induzam à “ideologia de gênero”. Tornar-se-ia crime, então:

Veicular a autoridade competente, em atos normativos oficiais, em diretrizes, planos e programas governamentais, termos e expressões como ‘orientação sexual’, ‘identidade de gênero’, ‘discriminação de gênero’, ‘questões de gênero’ e assemelhados, bem como autorizar a publicação dessas expressões em documentos e materiais didático-pedagógicos, com o intuito de disseminar, fomentar, induzir ou incutir a ideologia de gênero37.

As tramitações do Plano Nacional de Educação e o desenrolar das discussões acerca do que se convencionou chamar “ideologia de gênero”, assim como projetos que versam sobre a importância da manutenção dos valores familiares, são de grande importância para compreendermos como se dá a defesa do discurso de verdade sobre a

família. Ora, uma educação que vise o respeito aos princípios democráticos e que verse

sobre a legitimidade de toda e qualquer expressão de identidade de gênero e orientação sexual contraria aquilo que os parlamentares evangélicos denominam “bons costumes” coniventes com os “valores familiares”. Tratar esses indivíduos como igualmente legítimos às pessoas heterossexuais seria o mesmo que colocar em cheque as bases que sustentam as verdades sobre a família tradicional. A necessidade de se colocar em discurso em forma de lei a explícita proibição de discursos contra-hegemônicos no cenário escolar brasileiro está relacionado à potencialidade de enfrentamento tais discursos acerca da diversidade sexual pela educação. Novamente, o questionamento de tais verdades é também o questionamento da exclusividade da heterossexualidade como única legítima e, portanto, da posição de poder daqueles que a legitimam.

36 BRASIL. Congresso Nacional. Projeto de Lei PL 1859/2015. Acrescenta Parágrafo único ao artigo 3º da Lei 9.394/96 (Lei de Diretrizes e Bases da Educação). Disponível em: <http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=1302894>. Acesso em: 05 ago 2016.

37 BRASIL. Congresso Nacional. Projeto de Lei PL 3235/2015. Acrescenta o art. 234-A à Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990, que “Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente e dá outras providências”. Disponível em: <http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=2016875>. Acesso em: 05 ago 2016.

Esta relação fundamental entre verdade, poder e direito já havia sido discutida anteriormente por Michel Foucault. O direito, o conjunto de normas jurídicas socialmente construídas e institucionalizadas, encontra-se em íntima relação com a

ordem do discurso. O que é estabelecido por esta como verdade, e todas as relações de

poder que esta verdade implica, é a base mesma de legitimação do instituído pelo direito. Nas palavras do autor:

[...] estamos submetidos à verdade também no sentido de que ela é lei e produz o discurso verdadeiro que decide, transmite e reproduz, ao menos em parte, efeitos de poder. Afinal, somos julgados, condenados, classificados, obrigados a desempenhar tarefas e destinados a um certo modo de viver ou morrer em função dos discursos verdadeiros que trazem consigo efeitos específicos de poder (FOUCAULT, 2015, p. 279).

Como mencionado, os dispositivos jurídicos estão alicerçados em uma economia

política da verdade (FOUCAULT, 2014) e, em relação recíproca, reforçam e perpetuam

estas mesmas verdades. Se pensarmos na perspectiva de um discurso de verdade sobre

a família, percebemos que este discurso, produzido e legitimado por uma forma

específica de poder que se normaliza no campo religioso, é corroborado com a tentativa de institucionalização jurídica de um discurso de verdade sobre a família, em forma de lei, e é perpassada por este poder e por este discurso que procuram estabelecer a legitimidade da configuração tradicional de família.

Além disso, é interessante notar que ambos os PLs trazem, em sua justificativa, uma elaborada redação acerca de teóricos que, compactuando com a “ideologia de gênero”, buscariam destruir a família tradicional. Em mesa-redonda ocorrida no II Simpósio Internacional da Associação Brasileira de História das Religiões (ABHR), Sandra Duarte de Souza (2016) ressalta a forma como autores como Judith Butler, Friedrich Engels e Max Horkheimer, dentre outros importantes autores das ciências sociais e dos estudos de gênero, são responsabilizados pela construção ideológica do gênero. Entretanto, todos estes autores são “desmistificados” quando os proponentes do PL encerram seu argumento com citação de uma entrevista concedida pelo clérigo e professor de Teologia Moral, José Eduardo de Oliveira. Desta forma, a conferencista menciona a forma como os parlamentares utilizam-se da seguinte citação para combater os “ideólogos do gênero”:

Sintetizando em poucas palavras, a ideologia de gênero consiste no esvaziamento jurídico do conceito de homem e de mulher, e as conseqüências são as piores possíveis. Conferindo status jurídico à chamada “identidade de

gênero” não há mais sentido falar em “homem” e “mulher”; falar-se-ia apenas de “gênero”, ou seja, a identidade que cada um criaria para si. Portanto, não haveria sentido em falar de casamento entre um “homem” e uma “mulher”, já que são variáveis totalmente indefinidas. Mas, do mesmo modo, não haveria mais sentido falar em “homossexual”, pois a homossexualidade consiste, por exemplo, num “homem” relacionar-se sexualmente com outro “homem”. Todavia, para a ideologia de gênero o “homem 1”não é “homem”, nem tampouco o “homem 2”o seria. Em poucas palavras, a ideologia de gênero está para além da heterossexualidade, da homossexualidade, da bissexualidade, da transexualidade, da intersexualidade, da pansexualidade ou de qualquer outra forma de sexualidade que existir. É a pura afirmação de que a pessoa humana é sexualmente indefinida e indefinível. Os ideólogos de gênero, às escondidas, devem rir às pencas das feministas. Como defender as mulheres, se elas não são mulheres? Qual seria o objetivo, portanto, da “agenda de gênero”? O grande objetivo por trás de todo este absurdo – que, de tão absurdo, é absurdamente difícil de ser explicado – é a pulverização da família com a finalidade do estabelecimento de um caos no qual a pessoa se torne um indivíduo solto, facilmente manipulável. A ideologia de gênero é uma teoria que supõe uma visão totalitarista do mundo38.

Após revelar as “mentiras” propagadas pela “ideologia de gênero”, o PL 1859/2015 também recorre à Constituição Federal de 1988 para embasar e legitimar sua necessidade de aprovação:

A presente proposição baseia-se no princípio constitucional da especial proteção do Estado à família (Artigo 226), esta última reconhecida pela Carta Magna como “base da sociedade” (Artigo 226), no princípio constitucional da obrigação da lei estabelecer os meios jurídicos que garantam à família a possibilidade de se defender contra os que desrespeitam seus valores éticos e sociais (Artigo 221) e, com muito mais razão, contra os que atentam contra a sua integridade e existência no tecido social, e no princípio constitucional do papel privilegiado da família na educação, atribuído à mesma como dever (Artigo 205), de modo que se torna uma contradição constitucional um sistema educacional concebido com o objetivo específico de destruir a própria família como instituição39.

O recurso ao argumento jurídico, com o repetido apelo à Constituição Federal, tem sido recurso frequentemente utilizado pelos parlamentares da Frente Parlamentar Evangélica com o objetivo de legitimar seus posicionamentos em defesa da família

tradicional e na contrariedade à ampliação dos direitos sexuais da população LGBT+.

Tal recurso, atrelado a argumentos que fazem arguição à destruição da família, faz com que tais proposições e verdades sejam acolhidas com facilidade pelo conjunto da população, sobretudo pelos segmentos religiosos mais conservadores da sociedade

38 BRASIL. Congresso Nacional. Projeto de Lei PL 1859/2015. Acrescenta Parágrafo único ao artigo 3º da Lei 9.394/96 (Lei de Diretrizes e Bases da Educação). Disponível em: <http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=1302894>. Acesso em: 05 ago 2016.

39 BRASIL. Congresso Nacional. Projeto de Lei PL 1859/2015. Acrescenta Parágrafo único ao artigo 3º da Lei 9.394/96 (Lei de Diretrizes e Bases da Educação). Disponível em: <http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=1302894>. Acesso em: 05 ago 2016.

brasileira que se veem representados por estes parlamentares e suas pautas morais. Entretanto, e retomando as discussões foucaultianas, o direito e a Constituição rogam papel essencial nesta defesa apenas quando utilizada para legitimar concepções hegemônicas defendidas pelos membros da FPE.

Outros apelos a argumentos do campo jurídico são também evocados pelos parlamentares evangélicos na defesa da liberdade religiosa. Este recurso é acionado em todas as vezes que há o temor de que alguma prática específica realizada em cultos evangélicos seja tipificada como “homofóbica”. A defesa da liberdade religiosa, nestes termos, sempre inclui a liberdade de as igrejas decidirem não aceitarem práticas e cerimoniais que não se enquadrem em sua moral sexual religiosa.

Uma destas proposições é o Projeto de Lei PL 1089/2015, de autoria do deputado evangélico Josué Bengtson (PTB-PA). A despeito de tentativas de avanço nas proposições de combate à homofobia por parte de ativistas do movimento LGBT+, o deputado ressalta em seu projeto que “[...] há uma clara tentativa de parcela minoritária da sociedade brasileira de silenciar as opiniões emitidas por líderes religiosos, criminalizando discursos eventualmente por eles proferidos a respeito da sexualidade, aborto, eutanásia, prostituição dentre outros temas”. Diante do temor causado pelas

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