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A PRIMAZIA DO GÊNERO DEBATES SOBRE LAICIDADE: PARA PENSAR EM DIREITOS SEXUAIS, DIREITOS REPRODUTIVOS E

No documento Download/Open (páginas 39-51)

DIREITOS DEMOCRÁTICOS NO BRASIL CONTEMPORÂNEO

Ao longo deste capítulo nos dedicamos a pensar o tema da laicidade brasileira. Para isso, realizamos primeiramente uma discussão conceitual e, em seguida,

caracterizamos os modos de presença da religião no espaço público, sobretudo dos evangélicos enquanto grupo religioso e político que interessa de forma específica aos objetivos da presente pesquisa.

As análises subsequentes se concentrarão na forma como os evangélicos têm marcado presença na política institucional brasileira através da atividade de parlamentares que assim se autodenominam. Se nos propusermos a falar sobre laicidade no Brasil, devemos considerar condutas que têm se consolidado como ameaças a laicidade e que se tecem em desrespeito a garantias de direitos de cidadania. No que concerne a isto, os parlamentares evangélicos (mas não só, visto que posicionamento de parlamentares católicos também deve ser considerado, embora não seja o objetivo da presente pesquisa) tem se consolidado como importante grupo de pressão em questões relativas à moral sexual, sobretudo quando falamos em direitos sexuais e reprodutivos. Isto nos faz retomar a um ponto do qual já nos ocupamos: as questões referentes à gênero e sexualidade encontram-se no centro dos debates sobre laicidade, e as relações entre religião e política têm colocado sérios empecilhos à ampliação de direitos de cidadania para mulheres e para a população LGBT+.

As problemáticas que envolvem a laicidade e a garantia de direitos nos levam, quase que de imediato, a pensar também sobre as questões concernentes à própria democracia. Já analisamos brevemente como a laicidade tem se constituído enquanto elemento fundamental para o Estado Democrático de Direito, mas afinal o que entendemos por democracia? Para esclarecer devidamente os termos, pensamos ser necessário salientar, de antemão, o que caracteriza a concepção de democracia em que pretendemos nos apoiar. Primeiramente, consideramos simplista a concepção de que a democracia funcionaria enquanto um regime político caracterizado pela “vontade da maioria” – o que, como se verá, é um argumento corrente na retórica dos parlamentares evangélicos. Ora, a tal “vontade da maioria” nada mais seria do que outra forma de imposição, não diferiria das formas de imposição executadas por regimes totalitários propriamente ditos. A diferença, neste caso, seria pura e simplesmente a quantidade de pessoas que tem o poder de imposição. Definir a democracia como o regime que se diz basear nas “vontades da [suposta] maioria” oculta, em sua própria definição, a possibilidade da pluralidade em todos os campos da vida social: na vida religiosa, nas ideologias políticas, no vasto campo da sexualidade, dentre outros. Afinal, nas análises que estão sendo propostas aqui, falamos de aspectos contextuais que nascem com a modernidade, na qual, impulsionada também pelo processo de globalização, as

produções de sentido não possuem mais um formulador único e facilmente localizável (como, por exemplo, foi a religião – sobretudo a Igreja Católica – no Brasil).

A democracia tem sido tema caro às ciências políticas e foi a principal ocupação desta área do conhecimento durante todo o século XX. Das contribuições mais contemporâneas à teoria democrática podemos citar, por exemplo, Robert Dahl (2001), Hans Kelsen (1929), Joseph Schumpeter (1961), Alexis de Tocqueville (2005) e Jürgen Habermas (1995; 1997a; 1997b). Sem dúvida, extrapola em muito os limites deste trabalho nos ocuparmos do tema específico do desenvolvimento da democracia, dada a vasta gama de contribuições de teóricos das ciências políticas ao que se convencionou chamar de teoria democrática moderna, inaugurada pela obra O Príncipe de Nicolau Maquiavel (2010). Desta forma, para atender aos propósitos da presente pesquisa, nos apoiaremos em escritos contemporâneos a fim de compreender os sentidos da democracia quando pensada em relação aos direitos de cidadania e à laicidade.

Para isso, corroboramos com as proposições de Norberto Bobbio, em sua asserção de que falar em democracia, em contextos pluralistas como o das sociedades contemporâneas, é falar de um regime político que permite a dialética entre dissenso e consenso, sendo esta a sua própria especificidade em relação a outros regimes políticos. É neste processo dialético que o pluralismo se evidencia. Nas palavras de Bobbio:

O pluralismo enfim nos permite apreender uma característica fundamental da democracia dos modernos em comparação com a democracia dos antigos: a liberdade – melhor: a liceidade – do dissenso [...] o dissenso, desde que mantido dentro de certos limites (estabelecidos pelas denominadas regras do jogo [democrático]), não é destruidor da sociedade, mas solicitador, e uma sociedade em que o dissenso não seja admitido é uma sociedade morta ou destinada a morrer (BOBBIO, 1986, p. 61).

Ora, falar em um sistema político do dissenso nada mais é que falar sobre um sistema político no qual a diversidade e o pluralismo são a ele inerentes. Mais do que isso, são necessários para que a vida democrática assim se caracterize. É na concepção de democracia entendida como regime político do dissenso que se coloca em cheque tudo aquilo que se pretende impor como verdade absoluta, e aqui já é pertinente ressaltar a primeira relação que estabelecemos entre democracia, entendida nestes termos, e a questão da laicidade e das religiões no Estado Democrático de Direito.

Saulo Baptista (2013) considera que nas sociedades atuais há certa busca pelas “religiões de conserva” como forma de suprimir as incertezas trazidas pela modernidade. Para conseguir suprir esse papel de superação das incertezas, essas religiões carregam, em seu escopo teológico, verdades absolutas que estabelecem

critérios arbitrariamente construídos sobre elementos fundamentais da vida social e definidores, por exemplo, do que é certo e do que é errado. Desta forma, estas verdades absolutas são incapazes de tolerar o dissenso característico dos regimes democráticos. Nas palavras de Baptista:

As religiões não costumam tolerar o dissenso em questões teológicas. Embora a fé seja sempre fundamentada em interpretações, cada instituição religiosa tem uma trajetória histórica, na qual “a verdade” é dada pela exegese e hermenêutica do grupo que detém o poder, no período considerado. Quem tem a hegemonia tem a ortodoxia. Os opositores são sempre hereges. Em contexto dessa natureza, não há clima para alimentar qualquer processo democrático, pois não se limita apenas a regras de governo (BAPTISTA, 2013, p. 155).

Paradoxalmente, a intolerância para com o dissenso no seio de uma determinada comunidade religiosa é garantida pelo Estado Democrático de Direito justamente por este se encontrar em consonância com os princípios da laicidade que, por sua vez, se expressa na garantia da liberdade de crença e de culto. Nos itens anteriores vimos que, mais que a mera separação entre Estados nacionais e Igrejas que possuem o monopólio da produção de sentido, a laicidade envolve elementos da garantia da própria liberdade religiosa em contextos pluralistas. O princípio laico da não discriminação, e a possibilidade das diferentes formas de produção religiosa de sentido fazem parte, portanto, das garantias de liberdade de consciência sem as quais não poderíamos falar em laicidade.

A relação entre laicidade e garantia de direitos é mais íntima do que se possa pensar e em todo momento laicidade, democracia e cidadania se perpassam mutuamente. Não somente no que concerne às liberdades religiosas enquanto elemento que compõe a liberdade de consciência, mas também no que se refere às garantias de direitos daqueles cidadãos que passam a reivindicar seus direitos perante o Estado laico, direitos estes que, enquanto históricos, só são possíveis de serem reivindicados justamente em regimes políticos que respeitam os princípios da laicidade (o que, como já vimos, é possível mesmo em Estados que não possuam uma separação oficial com Igrejas hegemônicas).

Antes de adentrar propriamente na temática dos direitos sexuais e reprodutivos, convém um breve parêntese acerca do que propriamente são direitos, e qual a relação destes com a questão da laicidade. Aqui, retomamos considerações realizadas por Norberto Bobbio. Contrariando o argumento jusnaturalista, Bobbio ressalta a necessidade de se pensar os direitos como fenômenos sociais que nascem em

determinados contextos sociais por reivindicações que só passam a ser possíveis nestes mesmos contextos. Falar em termos de direitos naturais, como queriam os jusnaturalistas, já é argumento insustentável frente à facticidade histórica comprovada dos direitos. Em suas palavras:

A realidade de onde nasceram as exigências desses direitos era constituída pelas lutas e pelos movimentos que lhes deram vida e as alimentaram: lutas e movimentos cujas razões, se quisermos compreendê-las, devem ser buscadas não mais na hipótese do estado de natureza, mas na realidade social da época, nas suas contradições, nas mudanças que tais contradições foram produzindo em cada oportunidade concreta (BOBBIO, 2004, p. 36).

Se pensarmos na luta por direitos de cidadania atrelada às transformações sociais no seio de um determinado contexto, sem dúvida podemos pensar que alguns direitos de cidadania só foram possíveis de serem reivindicados a partir do momento em que os princípios da laicidade passaram a ser minimamente respeitados ou, ao menos, considerados em sua possibilidade de existência futura. Esta é, sem dúvida, a condição do que entendemos hoje enquanto direitos sexuais e direitos reprodutivos. Sua reivindicação seria mais facilmente calada em contextos nos quais verdades absolutas fundamentadas em preceitos religiosos fizessem parte da própria composição e legitimação do Estado.

Aqui se revela uma das problemáticas centrais desta pesquisa: as verdades absolutas fundamentadas em preceitos religiosos ainda fazem parte da composição do Estado que deveria, em contrapartida, garantir os direitos sexuais e reprodutivos através de julgamentos laicos a respeito destes direitos que são fundamentais à dignidade humana. Embora seja necessário pontuar que tais verdades absolutas não existam mais enquanto política institucional intrínseca ao Estado de Direito e seu ordenamento jurídico, é inegável que ainda existem porque parlamentares que se autodeclaram religiosos empenham-se dia-a-dia, em suas atividades legislativas, na tentativa de imposição dessas verdades que, mesmo sem sucesso, obstaculizam e/ou retardam a ampliação de direitos, desrespeitando o próprio princípio da laicidade do Estado. Esta tem sido a forma de atuação dos parlamentares evangélicos que compõem a FPE.

A utilização de bandeiras pela defesa de uma configuração heterossexual de

família, de militância contra a legalização do aborto em quaisquer circunstâncias

(mesmo casos de estupro e anencefalia do feto) e a demonização de tudo o que trate de questões de gênero e sexualidade fora dos moldes de uma moral sexual religiosa e tradicional tem sido os principais alvos da “cruzada moral” destes parlamentares. Com

isso, não estamos afirmando que foram os evangélicos quem iniciaram uma “cruzada moral” contra novas reivindicações dos movimentos feminista e LGBT. Os evangélicos tem ganhado destaque na política a partir do início do presente século na defesa de pautas que, até meados da década de 1990, eram bandeiras políticas dos segmentos católicos conservadores e que, diga-se de passagem, são ainda apoiadas por este mesmo segmento. O que ocorre é que, atualmente, os parlamentares evangélicos têm tomado para si estas bandeiras anteriormente defendidas explicitamente por católicos e tem alcançado maior visibilidade na medida em que atuam enquanto religiosos e, concomitantemente, enquanto legisladores.

Desta forma, como se verá no decorrer deste trabalho, a presença dos evangélicos no espaço público, mais especificamente na política institucional, tem sido o de fazer frente à ampliação de direitos que dissonam de sua moral sexual, contrariando os princípios de uma democracia que permite dissensos, e da laicidade na medida em que legislam a partir de suas concepções religiosas particulares. As polêmicas envolvendo os evangélicos e as questões dos direitos reprodutivos e da descriminalização do aborto, assim como aquelas relacionadas a direitos sexuais como a criminalização da homofobia e a legalização da união civil entre pessoas do mesmo sexo passaram a ganhar maior visibilidade midiática no ano de 2009, sobretudo a partir do lançamento do Plano Nacional de Direitos Humanos 3 (PNDH-3), e se estenderam para o pleito eleitoral do ano de 2010, pleito este que marca um primeiro período de destaque da ação política dos evangélicos enquanto grupo de pressão para a manutenção da moral sexual tradicional.

Analisando o processo eleitoral de 2010, Sandra Duarte de Souza (2013) destaca a atuação dos evangélicos enquanto apoiadores ou adversários políticos da então candidata do Partido dos Trabalhadores (PT) à presidência, Dilma Rousseff, os evangélicos procuraram fazer valer os princípios cristãos nos posicionamentos desta candidata em questões concernentes à descriminalização do aborto e à moral sexual. Grupos evangélicos que apoiaram a candidata, sobretudo as Assembleias de Deus do Ministério Madureira (CONAMAD), fizeram-na estabelecer acordos nos quais exigiam a retirada destes temas morais controversos de pauta em troca de seu apoio eleitoral; seus adversários, por sua vez, encabeçados pela figura do líder assembleiano Silas Malafaia empenharam-se, na “demonização” da petista, acusando-a da defesa destas mesmas pautas controversas e declararam apoio público ao principal candidato da oposição, José Serra, do Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB). A pressão

religiosa fez com que a candidata em questão refutasse seus próprios posicionamentos, visto que em ocasiões anteriores salientara ser favorável à descriminalização do aborto, na medida em que entendia essa questão como de saúde pública, e passasse a se posicionar contrariamente à descriminalização do aborto durante a campanha presidencial, recorrendo inclusive a argumentos de cunho moral e, desta forma, comprometendo a efetiva ampliação dos direitos reprodutivos das mulheres em seu governo após vitória nas urnas. A descriminalização do aborto enquanto aquilo que se refere à saúde e à autonomia dos corpos das mulheres foi utilizada enquanto moeda de troca para o recebimento do apoio de setores religiosos conservadores católicos e evangélicos. De acordo com Sandra Duarte de Souza:

[...] das disputas de 2010, talvez o segmento mais vitorioso tenha sido o dos evangélicos, que tiveram seu poder político ampliado por meio do uso político da religião, particularmente da moral sexual religiosa. Dilma foi eleita e os evangélicos estão “cobrando a conta”. As questões do aborto, da homofobia e da união civil entre pessoas do mesmo sexo têm sido utilizadas como moeda de troca nas relações de força travadas na arena política brasileira e, ao que tudo indica, continuará sendo nas próximas corridas eleitorais (SOUZA, 2013, p. 199).

A respeito da questão do aborto, por exemplo, o discurso da candidata petista, em poucos meses de campanha, mudou de considerar sua legalização como questão de saúde pública para ganhar tom de questão moral. De acordo com Cristina Vital e Paulo Victor Leite Lopes (2012), “[...] não apenas a vulgarização da discussão do aborto tornou-se um problema, mas o próprio reforço do lugar do religioso (apenas em sua versão cristã) também representa um retrocesso em termos de conquistas políticas desse pleito” (VITAL; LOPES, 2012, p. 108).

A forma de fazer política dos evangélicos, seja enquanto legisladores, seja enquanto grupo de pressão presente na sociedade civil brasileira, tem estabelecido de forma muito precisa os inimigos que devem ser combatidos. Segundo Maria das Dores Campos Machado, “o que se percebeu nesse último pleito [de 2010] foi a reconfiguração da política dos segmentos religiosos e, mais especificamente, a politização reativa à agenda dos movimentos feminista e LGBT” (MACHADO, 2012, p. 49). Entretanto, as iniciativas de parlamentares evangélicos no que se refere à questão do aborto não se restringem somente em pressionar o poder executivo ou os candidatos a este cargo, mas também se configuram na atuação destes em várias Frentes Parlamentares “anti-abortistas” (Frente Parlamentar da Família e Apoio à Vida, Frente Parlamentar em Defesa da Vida – Contra o Aborto, etc.) e em Projetos de Lei, a

exemplo do PL 5069/2013 de autoria do deputado federal e membro da FPE, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), que tipifica como crime a ser prescrito no Código Penal, sob o art. 127-A, o “anúncio de meio abortivo ou induzimento ao aborto”. A justificativa do projeto coloca-se contra “super-potências capitalistas” e agências internacionais que supostamente financiariam o movimento feminista22. Tais afirmações baseiam-se em posicionamento de setores da Igreja Católica reativo à IV Conferência Mundial Sobre a Mulher: Igualdade, Desenvolvimento e Paz, realizada pela Organização das Nações Unidas (ONU) em 1995 e explicitados em carta da Conferência Episcopal Peruana contra a chamada “ideologia de gênero” 23, no qual caracterizam as feministas como, além de neo-marxistas, “meretrizes” financiadas por organizações e super-potências capitalistas (CONFERÊNCIA EPISCOPAL PERUANA, 1998).

As formas sobre como as questões de gênero estão no centro dos debates que se referem à laicidade brasileira na contemporaneidade também são perceptíveis nas respostas da FPE quando se colocam em disputa os direitos das pessoas LGBT, alocados na categoria dos direitos sexuais.

No que se refere à criminalização da homofobia, o Projeto de Lei da Câmara PLC 122/2006, os argumentos utilizados pelos parlamentares evangélicos e por grupos evangélicos no geral são relativos à liberdade de tratar a homossexualidade (ou homossexualismo, expressão mais comumente utilizada por este grupo) como pecado condenável aos olhos de Deus. Ao colocarem-se em postura de desafio à laicidade brasileira, utilizam como recurso de argumentação algo que é característico deste mesmo elemento: o apelo à liberdade religiosa. Perpassando debates de mesas-redondas que ocorreram na Câmara dos Deputados acerca do PLC 122/2006, Natividade e Lopes (2009) salientam argumentos utilizados por religiosos que colocam a Bíblia Sagrada acima da Constituição Federal e que se colocam enquanto defensores da família e da “lei natural”. Além disso, de acordo com os mesmos autores, outra direção tomada pelos argumentos utilizados pelos parlamentares evangélicos (e também católicos), é a de que:

22 BRASIL. Congresso Nacional. Projeto de Lei PL 5069/2013. Acrescenta o art. 127-A ao Decreto-Lei no. 2.848, de 7 de dezembro de 1940 – Código Penal. Disponível em: <http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra;jsessionid=A8A2EB98B443200640F3 95CD4BACDBA7.proposicoesWeb2?codteor=1061163&filename=PL+5069/2013>. Acesso em: 20 jun 2016.

23 Para uma análise pormenorizada do conteúdo da carta da Conferência Episcopal Peruana, ver: SANTOS; COELHO (2016).

[...] a “propagação do homossexualismo” constituía um dos temores: a inclusão do termo [discriminação por] orientação sexual na Constituição poderia significar a “oficialização do homossexualismo”, o que deveria ser combatido visto que a homossexualidade é nociva à sociedade, à moral e aos bons costumes, não devendo, portanto, receber apoio sob forma de lei (NATIVIDADE; LOPES, 2009, p. 79).

O recurso ao argumento da liberdade religiosa ganha força especialmente quando se reivindica a liberdade de pregar contra “o homossexualismo” e de auxiliar aqueles que dessa prática queiram se livrar. Segundo Natividade e Lopes (2009), são “argumentos morais que desqualificam a homossexualidade e fundamentam o proselitismo religioso em torno da necessidade de se conter a aceitação social desse comportamento” (NATIVIDADE; LOPES, 2009, p. 81). A contrariedade ao PLC 122/2006 é reforçada, ainda, por ações legislativas como o Projeto de Decreto Legislativo 234/2011, de autoria do deputado federal e presidente da FPE, João Campos (PSDB-GO) e que versa sobre o que se culminou chamar “cura gay”. O referido projeto, em nome da liberdade religiosa e na tentativa de deslegitimar as sexualidades que fogem aos padrões socialmente estabelecidos, prevê sustar os artigos 3º e 4º do Conselho Federal de Psicologia, de forma a permitir tratamentos de “reversão do homossexualismo” para aqueles que assim desejarem24.

A retórica dos parlamentares que compõem a FPE no que concerne às homossexualidades (e também às transexualidades e bissexualidades), como veremos no capítulo seguinte, é de constantes tentativas de desqualificação das formas de expressão da sexualidade e das performances de gênero (BUTLER, 2015) que fogem à heteronormatividade, e em todo momento se faz presente a tentativa de caracterizá-las como ilegítimas em detrimento da heterossexualidade social e religiosamente legitimada. Isto pode ser novamente verificado nos posicionamentos destes parlamentares em relação à união civil e ao casamento entre pessoas do mesmo sexo ou então em proposições legislativas que, reiteram que somente as formas tradicionais são legítimas. Este tem sido o caso dos debates em torno da concepção de família.

No que se refere especificamente ao que pretendemos analisar nesta pesquisa, salientamos que a FPE tem agido de forma militante na tentativa de obstaculizar tudo aquilo que se configure como ameaça à sua concepção particular de família, conceito-

24 BRASIL. Congresso Nacional. Projeto de Decreto Legislativo PDC 234/2011. Susta a aplicação do parágrafo único do Art. 3º e o Art. 4º, da Resolução do Conselho Federal de Psicologia nº 1/99 de 23 de Março de 1999, que estabelece normas de atuação para os psicólogos em relação à questão da orientação

sexual. Disponível em:

<http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=881210&filename=PDC+234

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