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Família como construção social

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IMPLICAÇÕES POLÍTICO-JURÍDICO-RELIGIOSAS NA PERPETUAÇÃO DA VERDADE SOBRE A FAMÍLIA

3.1 DESMISTIFICANDO A FAMÍLIA NATURAL: SOBRE FAMÍLIAS E TRANSFORMAÇÕES SOCIAIS

3.1.1 Família como construção social

A concepção de família como produto histórico, construída e reformulada no seio da sociedade para atender a seus propósitos, vem sendo importante objeto de discussão nas ciências humanas e sociais. Seu reconhecimento como instituição dinâmica marca, por exemplo, a obra A origem da família, da propriedade privada e do

Estado de Friedrich Engels (1984). Utilizando-se de estudos antropológicos que

precederam seu próprio livro e que demonstram as diversas configurações familiares encontradas nas sociedades não-Ocidentais, à sua época, pejorativamente chamadas de “sociedades primitivas”, Engels discorre sobre diversas formas de família que marcam determinados períodos históricos. Embora não seja nosso objetivo descrever a forma como o autor caracteriza cada um destes grupos, torna-se relevante salientar que seu estudo nos mostra transformações fundamentais que ocorrem no seio da família. Tais transformações, históricas e não lineares, revelam como se deu a consolidação da família patriarcal e monogâmica nas sociedades Ocidentais do século XIX, perpassando momentos históricos em que a poligamia foi norma, ou em que novos sentidos sobre o incesto foram construídos, proibindo relações sexuais entre pais e filhos, irmãos e irmãs, parentes próximos, entre outros (ENGELS, 1984).

É no contexto das famílias que restringem a monogamia à mulher que se consolidam as concepções sobre os papeis de gênero que os estudos feministas caracterizam como patriarcais. Discorrendo sobre o cerceamento dos corpos das mulheres, através de ideais de castidade, fidelidade e da maternidade como o destino feminino e enquanto elementos que definiriam as mulheres de valor ou as verdadeiras mulheres (diferenciando-as das mulheres promíscuas), Engels faz a seguinte consideração:

Quanto á mulher legítima, exige-se dela que tolere tudo isso e, por sua vez, guarde uma castidade e uma fidelidade conjugal rigorosas. É certo que a mulher grega da época helênica é mais respeitada que a do período civilizado; todavia, para o homem, não passa, afinal de contas, da mãe de seus filhos legítimos, seus herdeiros, aquela que governa a casa e vigia as escravas – escravas que ele pode transformar (e transforma) em concubinas, à sua vontade. A existência da escravidão junto à monogamia, a presença de jovens e belas cativas que pertencem, de corpo e alma, ao homem, é o que imprime desde a origem um caráter específico à monogamia – que a monogamia é só para a mulher, e não para o homem (ENGELS, 1984, p. 67, grifos no original).

As origens históricas da família monogâmica, portanto, estão concatenadas às concepções que fundamentam a submissão das mulheres a seus maridos nas famílias patriarcais do século XIX. É esta a configuração de família denunciada enquanto opressora, por exemplos, nos escritos de Simone de Beauvoir (1970), e de fato encontramos elementos da família patriarcal ainda hoje, nas sociedades contemporâneas. Os altos índices de assédio sexual contra mulheres, sua objetificação por parte dos diversos recursos midiáticos, sua responsabilização pelo cuidado dos filhos quando mãe e a total isenção da responsabilidade do homem, a maior aceitação social da infidelidade masculina, muitas vezes tratada como “natural” porque os homens “são assim mesmo”, fazem parte de ideais partilhados por um senso comum que ainda encontra muitos resquícios da família patriarcal descrita por Engels, e dos papeis sociais atribuídos a cada um dos sexos nessas comunidades. Nesse sentido, ainda de acordo com este autor, a monogamia não surge, historicamente, como “uma reconciliação entre o homem e a mulher e, menos ainda, como a forma mais elevada do matrimônio”, mas como a “escravização de um sexo pelo outro” (ENGELS, 1984, p. 70).

Nesta perspectiva, o autor caracteriza a monogamia como o cerne que originou o primeiro antagonismo de classes na história das sociedades modernas e capitalistas:

[...] o primeiro antagonismo de classes que apareceu na história coincide com o desenvolvimento do antagonismo entre o homem e a mulher na monogamia; e a primeira opressão de classe, com a opressão do sexo

feminino pelo masculino. A monogamia foi um grande progresso histórico, mas, ao mesmo tempo, iniciou, juntamente com a escravidão e as riquezas privadas, aquele período, que dura até os nossos dias, no qual cada progresso é simultaneamente um retrocesso relativo, e o bem-estar e o desenvolvimento de uns se verifica às custas da dor e da repressão de outros (ENGELS, 1984, p. 70-71).

Embora devamos questionar a ideia de “progresso” que aparece em boa parte dos escritos de Engels da produção intelectual do século XIX, o autor nos auxilia na elucidação de como os processos históricos revelam que a família monogâmica e patriarcal, longe de ser o que poderíamos caracterizar como a origem da família ou

família ontológica, é apenas uma das formas que a instituição familiar assumiu ao longo

da história. Além disso, as análises de Engels tornam-se importantes por evidenciarem a submissão das mulheres como um dos pilares que sustentam essa configuração de família opressora, que cria significados simbólicos que reverberam em uma cultura igualmente opressora e que investe no controle e vigilância constantes dos corpos das mulheres.

Ora, tal concepção de família destacada por Engels também foi o modelo que perdurou nas famílias escravocratas na sociedade brasileira, sobretudo durante o período do Brasil-colônia. Nesse sentido, escritos como os de Roberto DaMatta (1997) e Gilberto Freyre (2003) destacam o papel fundamental da família patriarcal enquanto alicerce do próprio desenvolvimento econômico em nossa sociedade, respaldada, inclusive, pela legitimação religiosa advinda do poder da Igreja Católica, à época empenhada na catequização dos povos indígenas. Entretanto, devemos reconhecer, como ressalta Mariza Corrêa (1981), que não podemos inferir ter havido apenas um modelo de organização familiar, mesmo à época do Brasil colônia. A pluralidade de modelos de família tem sido característica das sociedades ao longo dos anos, e pode ser observada mesmo na aparente preponderância da família patriarcal. Neste sentido, a autora critica a obra de Gilberto Freyre, por considerar apenas a família patriarcal, ignorando configurações familiares que fogem a esta regra. De acordo com a autora, “A ‘família patriarcal’ pode ter existido, e seu papel ter sido extremamente importante: apenas não existiu sozinha, nem comandou do alto da varanda da casa grande o processo de total formação da sociedade brasileira” (CORRÊA, 1981, p. 10).

A partir do argumento de Mariza Corrêa, mesmo que a autora não negue a existência da família patriarcal e a repercussão e acolhimento de seus valores na sociedade brasileira mesmo nas décadas que se seguem, não é possível escrever sobre a

[...] não podemos sequer imaginar a possibilidade de escrever a história da família brasileira, mas apenas sugerir a existência de um panorama mais rico, a coexistência, dentro do mesmo espaço social, de várias formas de organização familiar, a persistência desta tensão revelando-se, não aquela ‘quase maravilha de acomodação’ que é para Gilberto Freyre o sistema de casa grande e da senzala, mas na constante invenção de maneiras de escapar ou de melhor suportar aquela dominação (CORRÊA, 1981, p. 14).

Entretanto, se a família patriarcal não está sozinha na construção da cultura brasileira e se devemos considerar o emaranhado de diferentes configurações que fogem às normas da “casa grande”, não há como negar que a definição de papéis sociais de gênero que relegam às mulheres a inferioridade perante seus maridos é componente fundamental para analisar a sociedade brasileira ainda hoje. Tal inferioridade, seja no período colonial ou no Brasil contemporâneo possui, além da conivência cultural com práticas de opressão às mulheres que fazem parte das concepções culturais comuns da sociedade brasileira, o apoio das instituições religiosas que justificam a maternidade compulsória por meio do casamento heterossexual, e atribuem graus hierarquicamente diferenciados entre homens e mulheres, nos quais homens estão mais autorizados a vivenciar sua sexualidade que mulheres, e nos quais as segundas devem se submeter àquilo que os primeiros desejam delas. Tal fundamentação religiosa é apreendida pela própria concepção do casamento, instituição que por muito tempo na história da sociedade brasileira foi considerada como monopólio religioso, e da qual também se tem dificuldade em perceber a dinamicidade – daí, inclusive, a dificuldade em se pensar e aceitar falar em “casamento” para referir-se à relação entre pessoas do mesmo sexo ou de pessoas transexuais, pessoas que, nestes parâmetros, estariam contrariando os desígnios religiosos.

Além disso, devemos considerar que o casamento e, por conseguinte, a família, já foram entendidos, exclusivamente, como componentes de uma relação de transmissão de patrimônio à descendência81. Daí também a importância de assegurar a fidelidade feminina, visto que o papel de transmissão é do pai em relação àqueles que ele deve saber que fazem parte, consanguineamente, da sua descendência. A este respeito, Elisabeth Roudinesco pontua que:

Numa primeira fase, a família dita “tradicional” serve acima de tudo para assegurar a transmissão de um patrimônio. Os casamentos são então arranjados entre os pais sem que a vida sexual e afetiva dos futuros esposos,

81 Embora a questão do patrimônio ainda seja importante nos debates concernentes à família, e faça parte de uma das principais lutas de pessoas LGBT+ que lutam por isso, o patrimônio, hoje, não é mais o único fator que caracteriza os significados do conceito de família.

em geral unidos em idade precoce, seja levada em conta. Nessa ótica, a célula familiar repousa em uma ordem do mundo imutável e inteiramente submetida a uma autoridade patriarcal, verdadeira transposição da monarquia de direito divino (ROUDINESCO, 2003, p. 12).

Se, por um lado, não podemos negar aqueles elementos que fundamentaram, por muito tempo, o conceito de família, e perpetuaram, até os dias atuais, a heteronormatividade respaldada por grande parte das religiões que se colocam em defesa da “família tradicional”, tal como os parlamentares que compõem a FPE por outro, os estudos recentes da sociologia e do direito que se referem à família revelam profundas mudanças nas instituições familiares, que envolvem inclusive a recente visibilidade das famílias não-heterossexuais82. Mesmo que este processo tenha sido percebido antes mesmo da visibilidade das chamadas novas famílias, com a mudança de família como pura transmissão de patrimônio para a ideia de família e casamento como símbolos de amor e fidelidade mútuos, o fato de as famílias não-heterossexuais terem saído de seus armários torna-se elemento considerável na análise da transformação desse conceito. A este respeito, Flávia Biroli evidencia que as transformações no conceito de família desaguam na noção, ainda vigente, de que família e casamento estão necessariamente associados à ideia de autonomia do indivíduo na escolha de suas relações. De acordo com a autora:

O amor romântico é, de certo modo, a agudização da noção de escolha individual como a base para as uniões no mundo moderno. É um ideal de referência que permaneceria até os dias de hoje. O esgarçamento das noções mais convencionais de conjugalidade e a aceitação social do divórcio não parecem ter redefinido seu lugar nas representações do casamento e da família. Pelo contrário, ganha força a representação do casamento e da vida famíliar como desdobramentos do direito dos indivíduos a se orientar pelos próprios sentimentos (BIROLI, 2014, p. 19).

Quando falamos sobre as transformações no conceito de família, também consideramos importante discorrer sobre as mudanças no aparato jurídico naquilo que concerne ao casamento e família. O direito, nas análises que aqui estamos fazendo, se torna importante na medida em que nos referimos à tentativa de institucionalização jurídico-política de uma verdade sobre a família por parte dos parlamentares evangélicos. Veremos, então, que o mesmo ordenamento jurídico que é acionado na tentativa de se perpetuar um conceito estático de família também pode ser usado para se falar em famílias plurais, na medida em que tem acompanhado as mudanças sociais e contribuído com a ideia de família como uma instituição marcada pelo dinamismo.

O reconhecimento, pelos estudos da área do direito e pelos ordenamentos jurídicos, inclusive o brasileiro, de que instituições entendidas como primordiais, aqui especificamente o casamento e a família, não são estáticos, dão base para nosso entendimento de não ser possível inferir haver uma família natural no qual deveria se fundamentar a concepção de família em sociedades contemporâneas, sendo o único formato merecedor da proteção estatal83.

Seja nas expressões concretas das configurações familiares, seja nos significados simbólicos atrelados aos conceitos de casamento e família, seja no que se refere aos direitos atrelados ou não a estes, fato é que o casamento e a família têm se transformado, e o aparato jurídico também se aperfeiçoa de forma a atender novas demandas. Por vezes, o sistema jurídico acompanhou e buscou dar legitimidade jurídica aos processos de mudança, por vezes, mesmo, os promoveu, com importantes modificações nas leis que regulam as relações afetivo-sexuais. No que se refere ao caso brasileiro, Maria Berenice Dias (2015) ressalta o papel da Constituição Federal de 1988 na legitimação jurídica e na garantia de proteção das famílias, entendidas em sua dimensão plural. Nas palavras da jurista:

Desde a Constituição Federal, as estruturas familiares adquiriram novos contornos. Nas codificações anteriores, somente o casamento merecia reconhecimento e proteção. Os demais vínculos familiares eram condenados à invisibilidade. A partir do momento em que as uniões matrimonializadas deixaram de ser reconhecidas como a única base da sociedade, aumentou o espectro da família. O princípio do pluralismo das entidades familiares é encarado como o reconhecimento pelo Estado da existência de várias possibilidades de arranjos familiares (DIAS, 2015, p. 49).

Nestes termos, a Constituição Federal estende o entendimento de que o conceito de família necessariamente passe pelo casamento, conceito que atenderia às exigências da heteronormatividade. Ora, de certo modo, é interessante notar que até mesmo os parlamentares evangélicos que compõem a FPE afirmam, implicitamente, que a Constituição de 1988 garante a diversidade de configurações familiares somente pelo fato de proporem algo como o Estatuto da Família. Se a definição de família unicamente heterossexual está na Constituição e é invocada por estes como respaldo legal, qual seria a necessidade de se fazer uma nova lei? Assim, contrariamente à ideia de que as concepções de casamento e família seriam necessariamente atreladas – concepção esta ainda vigente no senso comum da sociedade brasileira –, a Constituição de 1988 abre um novo leque de possibilidades para famílias que não se conformam às normas

83 Ver: RIOS (2007; 2011); DIAS (2015).

socialmente legitimadas. Além disso, como a ideia de casamento possui raízes arraigadas nos sistemas religiosos de legitimação, a Constituição de 1988 separa a ideia de família do poder religioso.

Ainda assim, mesmo que devamos considerar tais conceitos separadamente, e não como uma correlação necessária, o próprio conceito de casamento vem se modificando de forma a exigir a adequação dos instrumentos jurídicos. Considerando tal processo de transformação para debater a respeito da legitimidade do casamento entre pessoas no mesmo sexo no contexto estadunidense, George Chauncey escreve:

O casamento está constantemente mudando. Uma vez polígamo, ele é hoje geralmente monógamo. Uma vez preocupado principalmente com o controle do trabalho e a transmissão de bens, hoje é suposto para nutrir a felicidade e o compromisso mútuo. Uma vez governado somente pelo costume, tem sido regulado alternadamente por parentes, donos de escravos, mestres, igrejas e Estado. Dada a enorme variação ao longo do tempo e entre as culturas em como o “casamento” organizou a vida sexual e emocional, a criação de filhos, o parentesco e as alianças políticas, muitos antropólogos detestam usar o termo “casamento”, na medida em que a simplicidade aparentemente franca do termo esconde muito mais do que revela (CHAUNCEY, 2004, p. 59, tradução livre)84.

Família e casamento, portanto, são ambos conceitos dos quais não se pode pressupor uma ontologia. Ainda que, como salienta o autor, o termo “casamento” seja entendido como expressão heterossexualizada das relações afetivo-sexuais, as reivindicações de pessoas LGBT+ para o direito de se casar têm promovido profundas transformações também neste conceito, de forma que vários ordenamentos jurídicos nacionais recentemente passaram a reconhecer a união entre pessoas do mesmo sexo como casamento, equiparando-as às uniões heterossexuais.

Ainda corroborando com o argumento de que o direito é, ao mesmo tempo, efeito das transformações socioculturais relacionadas à família e ao casamento, mas também auxilia na solidificação e legitimação destas, Roger Raupp Rios analisa modelos de família e seus respectivos aspectos jurídicos. De acordo com o autor:

[…] dentre as configurações jurídicas da família sucederam-se três modelos: a família hierárquica, a família fusional e, nos dias atuais, a família pós- moderna. Uma mirada rápida e esquemática revela, grosso modo, o

84 Marriage is constantly changing. Once often polygamous, it is now usually monogamous. Once concerned primarily with the control of labor and the transmission of property, now it is supposed to nurture happiness and mutual commitment. Once governed by custom alone, is has been alternately regulated by kin, slaverowners, masters, church, and state. Given the enormous variation over time and among cultures in how “marriage” has organized sexual and emotional life, child-rearing, property, kinship, and political alliances, many anthropologists are loathe to use the term “marriage” at all, since the term’s apparently straight forward simplicity hides so much more than it reveals (CHAUNCEY, 2004, p. 59).

predomínio, em cada um destes modelos, de atributos dominantes. Na família hierárquica: forte institucionalização, diminuto (quase inexistente) grau de autonomia dos membros da família diante de papéis social e juridicamente definidos, função patrimonial evidente e hierarquização das relações interpessoais; na família fusional: predomínio da institucionalidade, relativo grau de autonomia dos indivíduos – especialmente cônjuges – na definição dos papéis sociais e jurídicos, repercussões patrimoniais pressupostas e valorização do bem-estar do grupo em detrimento dos indivíduos; na família pós-moderna: a institucionalização cede espaço para a autonomia, pelos partícipes do grupo familiar, no desenho do regime de direitos e deveres, envolvimento e repercussão patrimonial entre os membros do grupo, valorização da relevância e autonomia individual diante do grupo familiar (RIOS, 2007, p. 125).

Em consonância com este autor, nos estados democráticos de direito as noções de casamento e família deveriam estar submetidas à noção da autonomia dos indivíduos na escolha de suas relações afetivo-sexuais, e não a noções cristalizadas no corpo social a respeito de práticas que seriam normais ou desviantes. A própria ideia de haver práticas que seriam desviantes desafia os princípios da autonomia, e isso será objeto de discussão posterior.

Nas análises que se seguem, veremos que o que os parlamentares consideram como família legítima acompanha a lógica argumentativa que Maranhão Filho (2015) caracteriza como cishet-psi-spi. É importante clarificar aqui o que tal conceito simboliza, pois quando os parlamentares evangélicos se colocam contra as famílias não- heterossexuais, devemos levar em consideração também sua aversão às famílias formadas por pessoas transexuais. A partir de uma conceituação sobre identidade de gênero mais aprofundada, sabemos que transexualidade e homossexualidade não se tratam da mesma coisa. Entretanto, tais conceitos não são tão claros assim para os parlamentares evangélicos, agrupando todos os grupos desviantes no mesmo “guarda- chuva”. Segundo Maranhão Filho:

O termo cishet fundamenta na cis-heteronormatividade. Concepções heteronormativas são aquelas que, muito sinteticamente falando, naturalizam a prática hétero ao mesmo tempo em que psiquiatrizam / patologizam as práticas não hétero. Já as concepções cisnormativas são aquelas, também falando em linhas gerais, que naturalizam / normalizam a cisgeneridade e descrevem / prescrevem / normativam as transgeneridades como abjetas (MARANHÃO FILHO, 2015, p. 52-53).

A respeito dos temores e dos pânicos causados pelas novas famílias que transgridem a lógica procriativa e heterossexual, nos ocuparemos no item subsequente. Por ora, vale atentarmos, especificamente, para a dinamicidade promovida por indivíduos em instituições que se pretendem estáticas, ou que determinados grupos, como os religiosos, tentam convencer o restante da sociedade de sua estaticidade para

atender seus próprios propósitos de manutenção de poder através da legitimação das convenções culturais estabelecidas nos termos de nomos social (BERGER, 1985). No

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