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A FAMÍLIA EM DISCURSO: O DIÁRIO DA CÂMARA DOS DEPUTADOS E A DEFESA DA FAMÍLIA DE PARLAMENTARES EVANGÉLICOS

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OS DISCURSOS DE VERDADE SOBRE A FAMÍLIA: A NORMALIZAÇÃO DA FAMÍLIA HETEROSSEXUAL,

ANO NÚMERO AUTOR/A/ES CONTEÚDO 2011 PL 0733 Marcelo Aguiar

2.3 A FAMÍLIA EM DISCURSO: O DIÁRIO DA CÂMARA DOS DEPUTADOS E A DEFESA DA FAMÍLIA DE PARLAMENTARES EVANGÉLICOS

Mencionamos, no início deste capítulo, que para melhor analisar as falas proferidas por parlamentares evangélicos membros da FPE do Congresso Nacional, recorreríamos, como metodologia de pesquisa, a algumas “datas-chave” que se referem especificamente à afirmação de um discurso sobre a família combativo em relação à ampliação de direitos da população LGBT+. Segue abaixo a relação de datas selecionadas e seus respectivos eventos:

 05/05/2011 – Resolução do Supremo Tribunal Federal (STF) que reconheceu as uniões homoafetivas como entidades familiares.

 25/05/2011 – Veto da presidente Dilma Rousseff ao material do Programa Escola sem Homofobia por conta da pressão da Frente Parlamentar Evangélica.  06/03/2013 – Dia em que o deputado-pastor Marco Feliciano (PSC-SP) assume

a Comissão de Direitos Humanos e Minorias (CDHM) da Câmara dos Deputados.

 14/05/2013 – Promulgada a Resolução do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) que obriga todos os cartórios em território nacional a realizarem celebração de casamento homoafetivo.

 24/10/2014 – Aprovação do substitutivo Diego Garcia ao Projeto de Lei PL no. 6583/2013, ou “Estatuto da Família”, que define entidade familiar como a união entre um homem e uma mulher.

 08/10/2015 – Aprovação do Projeto de Lei PL no. 6583/2013, ou “Estatuto da Família” na Comissão Especial da Câmara dos Deputados.

Estas datas são todas correspondentes às 54ª e 55ª legislaturas, pois foram os períodos em que as temáticas relacionadas à identidade de gênero e orientação sexual voltaram à tona com maior força recentemente em ambas as casas legislativas do Congresso Nacional. Entretanto, nosso foco recai sobre os debates que aconteceram na

Câmara dos Deputados, portanto não falaremos dos mesmos no contexto do Senado Federal.

Ademais, optamos pela seleção de tais datas para que fosse possível dar cabo da exorbitante quantidade de materiais que se encontram disponíveis nos Diários da Câmara dos Deputados. Estes podem ser facilmente acessados on-line, através do endereço eletrônico: <http://imagem.camara.gov.br/diarios.asp>. Desta forma, e para não cometer quaisquer desonestidades com o leitor do presente trabalho, ressaltamos que o objetivo aqui não é investir na análise de todos os discursos sobre a “família verdadeira” invocados por estes parlamentares durante todo o período das legislaturas citadas, pois isso exigiria um tempo de trabalho que está muito além da proposta desta pesquisa. O estabelecimento das datas que aqui trabalharemos é justamente consequência do reconhecimento dos limites deste trabalho, mas cremos que o material reunido é suficiente para mostrar como tais discursos se constituem no espaço da política institucional brasileira, além de nos oferecer pistas para as análises que pretendemos realizar no capítulo seguinte.

Feitas as devidas considerações, iniciamos aqui com os discursos de parlamentares evangélicos nas datas próximas à decisão do Supremo Tribunal Federal e seu reconhecimento da união homoafetiva como entidade familiar. A primeira manifestação encontrada a este respeito foi do deputado e presidente da FPE, João Campos (PRB-GO), que na ocasião se posiciona contrário ao conceito adotado pelo relator do Supremo Tribunal Federal, Ministro Ayres Britto, em seu parecer favorável à equiparação de casamentos heterossexuais e homoafetivos. Diz João Campos:

“O Relator do processo no Supremo, Ministro Ayres Britto, buscou um dicionário não sei onde que já começa a mudar até o conceito de casal. O conceito agora é de dupla: duas pessoas que se amam é casal, independentemente do sexo, e daí por diante. Um absurdo! Começa a invocar princípios para dizer que o Constituinte, ao definir o que é união estável, não proibiu que outro tipo de união fosse também considerada como união estável. Isso é um perigo para a democracia, um perigo para o Brasil e um desrespeito a este Parlamento!” 57.

Na sequência da fala de João Campos, o deputado evangélico e ex-governador do estado do Rio de Janeiro, Anthony Garotinho (PR-RJ) também se manifesta contrário ao relatório do Ministro Ayres Britto.

57 BRASIL. Congresso Nacional. Câmara dos Deputados. Diário da Câmara dos Deputados. Brasília, 2011a, ano LXVI, n. 75, 06 de maio de 2011, p. 21887. Disponível em: <http://imagem.camara.gov.br/Imagem/d/pdf/DCD06MAI2011.pdf#page=>. Acesso em: 12 ago 2016.

“Na minha opinião, o Ministro Ayres Britto, grande jurista que respeito, cometeu um equívoco e fez confusão entre opção sexual e família. Uma coisa é a opção sexual das pessoas; outra é o conceito de família. Dizer que a convivência entre duas pessoas do mesmo sexo constitui uma nova família não tem previsão constitucional e é contra o princípio natural. Além do mais, é algo muito difícil para a compreensão da maioria esmagadora da nossa população, que tem formação cristã, seja católica, seja evangélica, como eu – sou presbiteriano –, e cria uma série de outros problemas” 58.

No dia 7 de maio de 2011, também o deputado evangélico Ronaldo Fonseca (PROS-DF) se manifesta a respeito da decisão do Supremo Tribunal Federal. Na ocasião, o parlamentar pede a atenção do Parlamento para que realize mudanças no texto constitucional para que a família natural seja preservada:

“Atrevo-me a sugerir a este Parlamento, a fim de termos um norte para a discussão, a inclusão no texto constitucional da palavra ‘apenas’, ficando assim a leitura do texto, depois de discutido e aprovado nesta Casa: ‘Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável apenas(...)’. Depois de ‘união estável’, sugiro a inclusão da palavra ‘apenas’: ‘(...) apenas entre o homem e a mulher, como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento’” 59.

Além disso, ao se colocar em defesa da família natural, Fonseca lamenta a morte desta com a decisão do órgão máximo do Poder Judiciário. Em suas próprias palavras:

“Quero também, Sr. Presidente, lamentavelmente informar a V.Exa., assim como às Sras. e aos Srs. Deputados e a toda a Nação brasileira que, com essa decisão do Supremo Tribunal Federal, decisão essa que deve ser acatada, acabou de falecer o conceito de família natural neste País. E, diante desse falecimento, peço a V.Exa., Sr. Presidente, e aos Deputados 1 minuto de silêncio em homenagem à morte antecipada do conceito de família natural” 60.

Outro parlamentar a se pronunciar sobre a decisão do Supremo Tribunal Federal é o deputado evangélico Ronaldo Nogueira (PTB-RS). Seu argumento central é o da formação cristã da sociedade brasileira e do conceito de família esta produz e reproduz ao longo de gerações. Segundo Nogueira:

“O povo brasileiro foi formado e tem seus valores fundamentados em princípios cristãos, princípios que pregam a família como célula mater da sociedade. Como se forma uma família? Pela união civil de um homem e uma mulher que geram filhos. Esse princípio não pode ser alterado. Não há

58 BRASIL. Congresso Nacional. Câmara dos Deputados. Diário da Câmara dos Deputados. Brasília, 2011a, ano LXVI, n. 75, 06 de maio de 2011, p. 21888. Disponível em: <http://imagem.camara.gov.br/Imagem/d/pdf/DCD06MAI2011.pdf#page=>. Acesso em: 12 ago 2016. 59 BRASIL. Congresso Nacional. Câmara dos Deputados. Diário da Câmara dos Deputados. Brasília, 2011b, ano LXVI, n. 76, 07 de maio de 2011, p. 22335. Disponível em: <http://imagem.camara.gov.br/Imagem/d/pdf/DCD06MAI2011.pdf#page=>. Acesso em: 12 ago 2016. 60 BRASIL. Congresso Nacional. Câmara dos Deputados. Diário da Câmara dos Deputados. Brasília, 2011b, ano LXVI, n. 76, 07 de maio de 2011, p. 22356. Disponível em: <http://imagem.camara.gov.br/Imagem/d/pdf/DCD06MAI2011.pdf#page=>. Acesso em: 12 ago 2016.

lei ou interpretação humana que possa mudar esse conceito, que possa alterar esse valor” 61.

Além disso, o comunicante utiliza-se de argumentação religiosa para justificar seu posicionamento contrário ao entendimento de que a união homoafetiva poderia ser considerada uma forma de família. Segundo sua concepção a respeito da função e dever do Estado democrático de direito, este não pode tornar legítima uma prática que é contrária à vontade de Deus:

“[...] o próprio Deus, cujo domínio se estende sobre o universo, permite a vida, a Terra, o sol, a água, o sol, o ar, inclusive o Seu amor restaurador a todos. Ele não faz distinção entre pessoas. Porém, não podemos desconhecer que há práticas que confrontam a Sua santidade. E o Estado não pode interferir nessas práticas, tornando-as normais e legítimas” 62.

Jefferson Campos (PSB-SP) é outro deputado a comentar publicamente em sessão na Câmara dos Deputados seu posicionamento acerca da decisão do Supremo Tribunal Federal, e ao mesmo tempo posiciona-se acerca da questão da criminalização da homofobia. O faz através das seguintes palavras:

“Eu, como pastor evangélico da Igreja do Evangelho Quadrangular, tenho a existência pautada pelos princípios cristãos, e sobre assuntos dessa natureza o meu pensamento é muito claro. Eu sou contra a prática do homossexualismo e estou convicto de que esta postura não significa crime, muito menos discriminação. A Constituição Federal garante ao cidadão, seja ele detentor de um mandato político ou não, o direito de expressar-se livremente, sem que tal comportamento possa ser interpretado como preconceito e incentivo à agressão ou à violência” 63.

No mesmo momento em que se discutia a decisão do Supremo Tribunal Federal, houve outro assunto em que a utilização do discurso de verdade sobre a família ganhou os holofotes da política brasileira, tendo como protagonistas os parlamentares evangélicos. Refiro-me ao debate acerca do kit anti-homofobia. Formulado por ONGs em parceria com o Ministério da Educação (MEC), o kit, que fazia parte de um programa maior chamado Escola Sem Homofobia, foi duramente combatido pela Frente Parlamentar Evangélica em articulação com parlamentares católicos. Segundo estes, o material teria o objetivo de destruir a família, na medida em que buscaria a promoção

61 BRASIL. Congresso Nacional. Câmara dos Deputados. Diário da Câmara dos Deputados. Brasília, 2011c, ano LXVI, n. 80, 13 de maio de 2011, p. 23649. Disponível em: <http://imagem.camara.gov.br/Imagem/d/pdf/DCD06MAI2011.pdf#page=>. Acesso em: 12 ago 2016. 62 BRASIL. Congresso Nacional. Câmara dos Deputados. Diário da Câmara dos Deputados. Brasília, 2011c, ano LXVI, n. 80, 13 de maio de 2011, p. 23649. Disponível em: <http://imagem.camara.gov.br/Imagem/d/pdf/DCD06MAI2011.pdf#page=>. Acesso em: 12 ago 2016. 63 BRASIL. Congresso Nacional. Câmara dos Deputados. Diário da Câmara dos Deputados. Brasília, 2011d, ano LXVI, n. 83, 18 de maio de 2011, p. 24110. Disponível em: <http://imagem.camara.gov.br/Imagem/d/pdf/DCD06MAI2011.pdf#page=>. Acesso em: 12 ago 2016.

da homossexualidade para crianças da rede pública de ensino. Na ocasião, mais

precisamente em Diário publicado em 19 de maio de 2011, o deputado e presidente da Frente Parlamentar Evangélica, João Campos (ex-PMDB-GO, atual PRB-GO) coloca “em defesa da família brasileira” e anuncia:

“[...] na condição de Presidente da Frente Parlamentar Evangélica, junto com a bancada católica desta Casa, nós comunicamos ontem uma posição que nós tomamos: a de obstruir os trabalhos até que o Governo, através do Ministério da Educação, tome a atitude de recolher todo aquele material a que fizemos referência ontem, os vídeos e as cartilhas” 64.

Completando a fala de João Campos, Anthony Garotinho (PR-RJ) pronuncia-se sobre o assunto e sua contrariedade ao material, por tratar-se de incentivo ao

homossexualismo. Segundo o próprio:

“[...] Assim como nós queremos que todas as pessoas tenham o direito de se manifestar, nós também teremos o direito de nos manifestar e dizer o seguinte: a opção sexual é livre, e o Governo não pode incentivar, com o dinheiro público, essa ou aquela opção sexual. Isto aqui é incentivo – incentivo!” 65.

Em outra asserção a esse respeito, datada de 20 de maio de 2011, o deputado evangélico Antônio Bulhões (PRB-SP) salienta que os vídeos que compõem o kit “estimulam não só a sexualidade precoce, mas também o homossexualismo!” 66. À época, a pressão realizada pela FPE fez com que a então presidenta Dilma Rousseff vetasse a distribuição do material nas escolas públicas. Após a decisão da presidenta em 25 de maio de 2011, Anthony Garotinho (PR-RJ) comemora e salienta que o posicionamento da Frente Parlamentar Evangélica não é discriminatório, mas contrário aos “incentivos” à homossexualidade:

“Queremos deixar mais uma vez registrado que somos contra a discriminação aos homossexuais. Há uma grande diferença entre a posição das bancadas evangélica e católica e a do Deputado Bolsonaro. Somos a favor de que haja material que combata a discriminação, um material que, ao contrário, possa

64 BRASIL. Congresso Nacional. Câmara dos Deputados. Diário da Câmara dos Deputados. Brasília, 2011e, ano LXVI, n. 84, 19 de maio de 2011, p. 24537. Disponível em: <http://imagem.camara.gov.br/Imagem/d/pdf/DCD06MAI2011.pdf#page=>. Acesso em: 12 ago 2016. 65 BRASIL. Congresso Nacional. Câmara dos Deputados. Diário da Câmara dos Deputados. Brasília, 2011e, ano LXVI, n. 84, 19 de maio de 2011, p. 24538. Disponível em: <http://imagem.camara.gov.br/Imagem/d/pdf/DCD06MAI2011.pdf#page=>. Acesso em: 12 ago 2016. 66 BRASIL. Congresso Nacional. Câmara dos Deputados. Diário da Câmara dos Deputados. Brasília, 2011f, ano LXVI, n. 85, 20 de maio de 2011, p. 24899. Disponível em: <http://imagem.camara.gov.br/Imagem/d/pdf/DCD06MAI2011.pdf#page=>. Acesso em: 12 ago 2016.

valorizar as pessoas. O material que estava ali incentivava – como a própria Presidente percebeu ao assistir o vídeo –, estimulava uma opção sexual” 67.

Também em comemoração à suspensão do kit, Ronaldo Fonseca (PR-DF) salienta que o material se tratava de “[...] uma produção de muito mau gosto, que induzia, que defendia, que propagava, que fazia apologia ao homossexualismo” 68. Por fim, salienta a vitória da família brasileira e propõe a produção de um novo material que não incentive o homossexualismo: “Quem ganhou com isso? A família brasileira. Não há perdedores nem ganhadores? A família brasileira é a ganhadora. Juntos vamos produzir esse [novo] material porque somos todos contra qualquer tipo de discriminação ou preconceito” 69.

As falas acima demonstram a constante evocação do status de ilegitimidade das práticas sexuais que destoam da heterossexualidade compulsória baseia-se na já mencionada matriz heterossexual que determina o sistema de pensamento de sexo e gênero na nossa sociedade e que fazem com que a mera defesa dessas pessoas seja entendida como incentivo, privilégio ou como algo que o Estado não deveria legitimar – na concepção destes, o Estado seria aquele que protegeria os bons costumes. De acordo com Teresa de Lauretis, os próprios discursos que fundamentam um sistema de pensamento que se baseia na relação binária de sexo-gênero, no fundo perpetuam as representações sociais que são produzidas em um discurso maior que contamina todo o tecido social e que conserva em seus devidos lugares as hierarquias sociais e que permite classificar o mundo de acordo com as normas correntes. De acordo com esta autora:

O sistema sexo-gênero [...] é tanto uma construção sociocultural quanto um aparato semiótico, um sistema de representação que atribui significado (identidade, valor, prestígio, posição de parentesco, status dentro da hierarquia social etc.) a indivíduos dentro da sociedade. Se as representações de gênero são posições sociais que trazem consigo significados diferenciais, então o fato de alguém ser representado ou se representar como masculino ou feminino subentende a totalidade daqueles atributos sociais. Assim, a proposição de que a representação de gênero é a sua construção, sendo cada termo a um tempo o produto e o processo do outro, pode ser reexpressa com

67 BRASIL. Congresso Nacional. Câmara dos Deputados. Diário da Câmara dos Deputados. Brasília, 2011g, ano LXVI, n. 89, 26 de maio de 2011, p. 26228. Disponível em: <http://imagem.camara.gov.br/Imagem/d/pdf/DCD06MAI2011.pdf#page=>. Acesso em: 12 ago 2016. 68 BRASIL. Congresso Nacional. Câmara dos Deputados. Diário da Câmara dos Deputados. Brasília, 2011h, ano LXVI, n. 90, 27 de maio de 2011, p. 26698. Disponível em: <http://imagem.camara.gov.br/Imagem/d/pdf/DCD06MAI2011.pdf#page=>. Acesso em: 12 ago 2016. 6969 BRASIL. Congresso Nacional. Câmara dos Deputados. Diário da Câmara dos Deputados. Brasília, 2011h, ano LXVI, n. 90, 27 de maio de 2011, p. 26698. Disponível em: <http://imagem.camara.gov.br/Imagem/d/pdf/DCD06MAI2011.pdf#page=>. Acesso em: 12 ago 2016.

mais exatidão: “A construção do gênero é tanto o produto quanto o processo de sua representação” (LAURETIS, 2000, p. 212).

A perpetuação deste sistema sexo-gênero que compõe a matriz heterossexual, e que se expressa na fala de tais deputados acerca da ilegitimidade das relações afetivo- sexuais não heterossexuais apela para categorias que buscam normalizar comportamentos que, na verdade, fazem parte de um disciplinamento dos corpos e dos desejos dos sujeitos.

O disciplinamento dos corpos e a produção de corpos dóceis é objeto de reflexão de Guacira Lopes Louro que, por sua vez, pensa estes corpos em termos de um corpo

educado para sua própria sexualidade. Desta forma, a autora discorre acerca de como as

tecnologias e dispositivos específicos de regulação dos corpos produzem a sexualidade entendida como normal. Versando a respeito do disciplinamento dos corpos no ambiente escolar, e da forma como, a partir de tal disciplinamento, podemos compreender as determinações (também construídas) da sexualidade e das identidades de gênero, Louro salienta que:

Todas essas práticas e linguagens constituíam e constituem sujeitos femininos e masculinos; foram – e são – produtoras de “marcas”. [...] Para que se efetivem essas marcas, um investimento significativo é posto em ação: família, escola, mídia igreja, lei participam dessa produção. Todas essas instâncias realizam uma pedagogia, fazem um investimento que, frequentemente, aparecem de forma articulada, reiterando identidades e práticas hegemônicas enquanto subordina, nega ou recusa outras identidades e práticas (LOURO, 2000, p. 16).

Corroborando com Louro, entendemos que a atenção especial dada à escola e à educação de crianças, ao que se deve ensinar ou não e ao combate às diretrizes que “propagam o homossexualismo” é estratégica, por ser a escola um dos primeiros ambientes de socialização dos futuros reprodutores (ou não) da moral sexual tradicional. Não educar no combate aos estigmas e preconceitos, esconder de crianças e jovens aquilo que deve permanecer no armário da anormalidade inerente ao homossexualismo, colabora para a manutenção da heterossexualidade como proeminente na hierarquia da diversidade sexual.

Outro evento que marca a proliferação de discursos de verdade sobre a família no Congresso Nacional foi a nomeação do deputado-pastor Marco Feliciano (PSC-SP) à presidência da Comissão de Direitos Humanos e Minorias (CDHM) da Câmara dos Deputados. Na ocasião de sua nomeação pelo Partido Social Cristão (PSC), o deputado evangélico Takayama (PSC-PR) posiciona-se favorável, apostando que o colega de

bancada, dentre outras coisas, se comprometeria com a defesa da família. Diz Takayama:

“Preocupam-nos sobretudo as injustiças sociais, o desrespeito à família, a desagregação das drogas, as condições desumanas de nossos presídios, enfim, todas as mazelas sociais que são responsabilidades intrínsecas da Comissão de Direitos Humanos desta Casa. No nosso papel de evangelizadores está implícito o amor incondicional ao próximo. E, como tal, a nossa missão é a de resgatar a dignidade da pessoa humana” 70.

Ora, quando levamos em consideração tudo o que já foi dito sobre a noção de

família tradicional ou família natural, sobre os discursos e proposições legislativas de

parlamentares evangélicos acerca de qual seria a família verdadeira em detrimento de configurações ilegítimas, podemos perceber o que está implícito na fala do deputado Takayama, e o porquê de seu apoio à nomeação de Marco Feliciano a esta Comissão de tamanha importância para a ampliação de direitos sexuais de LGBT+s. Conhecido por sua postura de afronta ao movimento LGBT+, a nomeação de Marco Feliciano constituiu-se uma estratégia da Frente Parlamentar Evangélica que, durante seu período na Comissão de Direitos Humanos e Minorias (CDHM), possibilitou controle e obstrução de proposições favoráveis aos direitos de lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais.

Contra a Resolução no. 175, promulgada pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e já mencionada anteriormente neste capítulo, também houveram manifestações explicitadas nos Diários da Câmara dos Deputados. Uma destas é a do deputado evangélico Ronaldo Fonseca (PR-DF) que, além de demonstrar sua insatisfação com tal decisão que estaria adentrando aos limites do Poder Legislativo, fala sobre a preparação de um Projeto de Emenda à Constituição (PEC), intitulada PEC da Família, que estaria sendo preparada por deputados preocupados com a destruição da família. Segundo Fonseca, com a referida PEC, que veda o casamento civil entre pessoas do mesmo sexo, “[...] vai ficar claro na Constituição que o casamento civil é apenas entre homem e mulher, porque essa é a natureza do casamento civil” 71. Além disso, salienta: “O casamento civil veio para proteger a família. O casamento civil veio para proteger a

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