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PARTE III – A PESQUISA

Capítulo 11 Discussão e algumas conclusões

Nesse capítulo iremos, primeiramente, apresentar uma discussão sobre os diferentes aspectos que integram o contexto em que os alunos realizam suas atividades. Em seguida, apresentaremos algumas conclusões sobre os sentidos, para os alunos, das atividades que realizam nas aulas de Arte, conclusões essas fundamentadas na síntese dos dados de pesquisa e nas referências teóricas adotadas nesta dissertação. Essas conclusões, que não têm a pretensão de esgotar o grande número de questões que podem ser discutidas a partir das observações realizadas, configuram uma primeira resposta a questão de pesquisa formulada para este estudo. Alguns dos sentidos desvelados foram compreendidos como sentidos “antiarte” e outros como sentidos “para a arte”.

11.1) Arte, escola e aulas de Arte.

As atividades das crianças nas aulas de Arte podem adquirir os mais variados sentidos, dependendo do momento, da criança, da atividade ou do contexto considerado. Múltiplos sentidos podem ser vividos, ao mesmo tempo. O contexto em que se realizam as atividades constitui-se em um campo de relações múltiplas e complexas em que diversas dimensões da vivência se entrecruzam.

Há uma dimensão institucional que chega à criança através da conduta dos pais. Conforme Merleau-Ponty (1990, p. 136) a “vida privada já está

institucionalizada” (grifo do autor) e a cultura induz um certo modo de existir.

Devemos considerar “o psicológico e o institucional como dois aspectos de uma mesma estrutura” (MERLEAU-PONTY, 1990, p. 58). Concordando com Durkheim que o “fato social é coercitivo”, o autor alerta para que a psicologia da criança não incorra no mesmo erro da psicanálise, que desconsidera o “institucional em sua análise do domínio individual”, pois há, “invasão do social até no corporal: sinais, símbolos instituídos, lágrimas” (MERLEAU-PONTY, 1990, p. 54, 11 e 55, respectivamente. Grifo do autor).

Nessa dimensão institucional, a escola aparece como obrigação ou dever e impõe suas regras e determinações. A obtenção de boas notas, ou de sucesso no desempenho escolar, é uma manifestação da dimensão institucional na conduta da criança. Como ela, muitos outros aspectos institucionais podem se fazer presentes na atividade da criança. Essa instituição, a escola, e essa escola particular, a EMEF, contém, como parte dela, a aula de Arte, como disciplina genérica, que pode ser realizada de diferentes formas, por diferentes professores. A aula de Arte assume alguns aspectos semelhantes e algumas diferenças, em relação às demais disciplinas. Ao mesmo tempo em que a aula de Arte incorpora o sentido de dever e obrigação, comum a todas as disciplinas escolares, carregando, portanto, os componentes de freqüência, avaliação, autoridade do professor e prestação de contas das notas aos familiares, ela também projeta uma diferença, uma particularidade que a faz diferente das demais disciplinas: trata-se de uma aula de Arte e não de outra disciplina. Ela carrega, nesse aspecto, um conjunto de sentidos que lhe é próprio. Trata-se não apenas das diferenças existentes entre cada disciplina, que fazem de cada disciplina um mundo à parte que reflete e, ao mesmo tempo, diferencia-se do todo, mas também das diferenças entre as aulas de Arte e todas as demais disciplinas, que manifestam os sentidos específicos que essa instituição particular, a aula de Arte, carrega como parte de uma instituição maior, que é a escola.

Há diversos significados para aula de Arte, e eles estão relacionados à própria noção de arte. Esses significados chegam aos alunos através de seus familiares, de seus amigos e vizinhos, dos professores e funcionários da escola, dos livros didáticos e da mídia. As atividades realizadas desde a pré-escola e nas quatro primeiras séries do Ensino Fundamental têm papel fundamental na constituição das primeiras compreensões das crianças sobre o significado de aulas de Arte na escola, configurando a primeira associação da expressão arte com o campo das artes plásticas. Do mesmo modo, as atividades realizadas em oficinas, como aquelas que acontecem no Recreio das Férias, integram o campo de sentidos vivenciados pelas crianças, configurando expectativas sobre o que pode acontecer nas aulas de Arte e ampliando o campo de possibilidades que poderão se confirmar ou, como neste estudo, integrar o contexto da frustração ou da crítica. Os sentidos das aulas de Arte, para os alunos, não

se estabelecem por completo, de forma unívoca ou definitiva. Eles se projetam na sua vivência e suas pré-compreensões são permanentemente transformadas pela vivência mesma. O sentido de Arte, na sua atividade, projeta-se a partir das expectativas das crianças desde antes da própria aula. Nas atividades que realizaram na mesma escola, com a professora do ano anterior, e nas atividades realizadas em outras escolas, as pré- compreensões já existentes também foram transformadas. A vivência dos colegas também interfere na constituição dessas compreensões. O sentido de prática artística perpassa a compreensão da aula de Arte pelas crianças. Ele é projetado não apenas como modo de guardar coerência com o significado das palavras (aula de Arte), mas como relação com sentidos vivenciados anteriormente e que são transferidos para a aula de Arte: as crianças desenham em suas casas, vêem seus irmãos e colegas desenhando e essa atividade é qualificada como atividade artística. SZYMANSKI (2003) lembra que as crianças chegam à escola trazendo, como parte de si, os valores e hábitos que se constituíram na família.

Eles se misturam com os significados e possibilidades que se manifestam na sociedade em geral, nos diferentes elementos culturais: televisão, cinema, livros, revistas, objetos, obras de arte. A dimensão institucional, que se constituiu a partir das relações interpessoais, remete a criança, mesmo indiretamente, a uma imensa variedade de significados e proporciona a vivência de diferentes sentidos, mesmo não diretamente relacionados ao seu cotidiano. O aluno sabe que há na sociedade, no campo da arte, muito mais do que aquilo a que ela tem acesso diretamente. Os múltiplos sentidos vividos em sociedade são percebidos pelas crianças e passam a integrar o seu campo vivencial, pois elas compreendem, a seu modo, essas manifestações. Elas aparecem para as crianças em um certo sentido, a partir do qual elas projetam sua compreensão. Os significados sociais da arte não se impõem, todos ou cada um, como obrigatórios, mas configuram um certo conjunto de possibilidades, indicando o que é, ou pode ser, arte.

Os diferentes discursos sobre arte que existem em nossa sociedade chegam à criança trazendo diferentes possibilidades de interpretação e vivência. Chegam às crianças discursos e indicações diversas sobre arte como beleza, originalidade, criatividade, habilidade, totalidade, acabamento e todas as demais

características atribuídas à atividade artística em geral e às artes plásticas, em particular, nessa sociedade.. Também os preconceitos que, por um lado, desvalorizam a atividade artística como atividade menos séria e, por outro lado, atribuem a excelência em arte a uma espécie de vocação genial que só alguns poucos possuem, também chegam às crianças, em algum grau, a partir das relações sociais.

Todos esses aspectos da vivência - o aspecto institucional da escola e suas regras, a vivência prévia da arte como atividade pessoal em diferentes contextos, o contato com a arte em sua multiplicidade de sentidos projetados socialmente e os sentidos da arte e da atividade artística no contexto familiar – estão presentes na interação com a professora e na compreensão de suas aulas. A professora, essa

professora, constitui-se em um outro importante aspecto da vivência das crianças. Essa

professora, que está ministrando essas aulas, não é mais uma novidade. Ela já carrega consigo alguns meses de convivência com as crianças, com as quais estabeleceu uma relação que, por sua vez, incorpora a vivência que ela tem da arte, da escola, das crianças e das aulas. Nessa convivência, as crianças aprenderam a considerar as demais dimensões na presença dessa professora, com as características e sentidos que ela projeta na própria atividade docente.

Há também o conjunto de relações com os demais alunos da classe, com sua dinâmica, e as demais relações com a escola, sua direção e funcionários, além dos demais professores e do clima geral da escola. Tudo isso interfere, de alguma forma, na atividade das crianças, pois integram o contexto em que as atividades se realizam.

Nesse complexo vivencial, as crianças realizam as suas atividades com os mais diversos sentidos.

11.2) Os sentidos “antiarte”.

11.2.1 – O sentido burocrático.

A proposição da atividade da criança como tarefa tende a burocratizar a aula e a retirar a arte da aula de Arte, pois a arte é expressão e não execução de instruções: “[...] há em toda a expressão e mesmo na expressão pela linguagem uma

espontaneidade que não suporta instruções, nem sequer as instruções que eu gostaria de dar a mim mesmo” (MERLEAU-PONTY, 2002, p. 115).

Um dos sentidos vivenciados pelas crianças é o sentido burocrático, que se manifesta fortemente em todo o contexto escolar. Exige-se um desempenho dos alunos, representado por um conceito, nota ou avaliação. O sentido de obter a

aprovação institucional se manifesta fortemente. Chamamos esse sentido de burocrático na medida em que a obtenção da nota tende a se constituir em uma espécie

de mera constatação da realização de uma atividade, desvinculada da compreensão que a criança tem de sua própria atividade. As crianças percebem como ilegítimas as notas baixas atribuídas pela professora nas aulas de Arte, independentemente da contestação que fazem dos critérios adotados pela professora. Para elas, a aula de Arte não existe para dar nota. E, se essa nota deve existir, não pode ser uma nota baixa. Assim, a nota nas aulas de Arte adquire, para as crianças, um sentido burocrático, pois se choca com a compreensão da arte como liberdade e diversidade, sentidos de arte vivenciados pelas crianças a partir da dimensão social. E choca-se com a dimensão de espontaneidade da própria expressão, conforme assinalado por Merleau-Ponty.

A professora, ao contrário dos alunos, atribuía um grande valor à avaliação formal, e considerava que dar nota baixa era algo positivo, desejável e justo, no caso dos alunos que não correspondem às suas expectativas. Desse modo, havia uma tensão que atravessava todas as aulas e a atividade dos alunos. Era a tensão entre a conduta da professora de valorizar a avaliação formal e a compreensão das crianças de que, em arte e na aula de Arte, essa avaliação não é importante ou deve ser, quase sempre, positiva. Esse sentido burocrático apareceu na medida em que a professora trouxe a norma escolar, em toda a sua plenitude, para um contexto em que as crianças a consideram inadequada. A avaliação negativa, a nota baixa, apareceu para as crianças como algo não aceitável, como uma agressão.

O sentido burocrático projeta-se na atividade: há alunos que, em certos momentos, realizam suas atividades para receber a nota. Esse sentido se manifesta no desinteresse pela atividade que realizam, pela displicência com que, às vezes, realizam suas atividades. Manifesta-se, também, em certa medida, na mera cópia do desenho do colega ou no recurso a técnicas padronizadas, ensinadas por algum colega ou mesmo

pela professora. Nesse caso, a tarefa é realizada rapidamente e o desenho não tem nenhuma importância, não é mostrado para os colegas depois de pronto. A questão mais importante é se ele está certo, isto é, se guarda correspondência com as instruções determinadas pela professora.

11.2.2 – Desenhar para evitar repreensões.

Nas aulas observadas, a autoridade do professor manifestou-se fortemente. As ordens, determinações e repreensões repetiam-se. Os alunos percebiam a professora como alguém que poderia, a qualquer momento, criar uma situação desagradável para elas, na forma de notas baixas, gritos, punições e repreensões. Essa possibilidade é dada na própria dimensão institucional, mas se realiza na conduta dessa professora.

As orientações da professora, aparentemente influenciada pela pedagogia tecnicista, reduziam a atividade a um saber construir, com ênfase nos aspectos técnicos e uso de materiais, sem preocupação com a linguagem artística (FERRAZ e FUSARI, 1999, p. 32). Esse contexto propicia o distanciamento emocional em relação à própria atividade, que é reduzida a uma tarefa mecânica. Desse modo, desinteressados das propostas apresentadas pela professora, alguns alunos realizaram suas atividades sem envolvimento perceptivo e com grande distanciamento afetivo, apenas no sentido de

evitar discussões com a professora e garantir que não seriam repreendidas.

Expressaram esse sentido as crianças que realizaram apenas parte da tarefa solicitada, apenas a iniciando para, logo após, parar e conversar, retomando-a quando a professora, eventualmente, circulava pela classe ou fazia algum chamamento a toda a classe, como ordens para fazer silêncio e para prestar atenção. Esses alunos parecem não ter interesse em receber notas altas em Arte. Suas atividades em sala de aula voltam-se para evitar problemas e repreensões. Esses alunos, de certa forma, estão fingindo que desenham, fingem que cumprem as ordens e se dedicam a suas conversas e outras atividades, como estudar outras disciplinas, fazer joguinhos e brincadeiras, entre outras.

11.2.3 – Agredir a professora.

Do mesmo modo que Merleau-Ponty considera que os “conflitos familiares são conflitos entre tal filho e tal pai; mas também entre os diferentes

desempenhos dos indivíduos, desempenhos que estão ligados à estrutura social do meio” (1990, p. 135-136, grifo do autor), podemos considerar que os conflitos na sala

de aula são conflitos entra tal professora e tais alunos, não podendo ser compreendidos fora da conduta desses indivíduos particulares. Ao mesmo tempo, são conflitos ligados à estrutura social do meio, no caso, a instituição escolar.

Alguns alunos, às vezes, atuam no sentido de desmoralizar, afrontar,

agredir, desafiar ou irritar a professora. Essa conduta aparece mais abertamente ou

mais dissimulada. Alguns alunos fazem comentários jocosos, piadinhas e, às vezes, chegam ao desrespeito aberto. Algumas brincadeiras dirigem-se abertamente à professora. Mas, na maioria dos casos, os comentários referem-se à atividade. Às vezes, esse sentido aparece nas brincadeiras entre os alunos. Em outras ocasiões, esse sentido se manifesta nas perguntas dirigidas à professora, perguntas ridículas, que apresentam uma compreensão abertamente distorcida ou falta de entendimento de alguma orientação óbvia – e são feitas em tom jocoso, entre sorrisos e risadinhas.

Esse sentido também se manifesta na recusa em realizar as tarefas determinadas pela professora. Nesse caso, os alunos não estão se importando em receber notas baixas e não buscam evitar repreensões da professora. Pelo contrário, eles parecem buscar o confronto com a professora. As brincadeiras e piadas remetem à compreensão das tarefas como algo próprio de crianças pequenas, como mencionado anteriormente. Mas também podem ser interpretadas como manifestações de um distanciamento dos alunos em relação às aulas de Arte, que passam a ser consideradas como atividades de menor importância.

11.3) Os sentidos para a arte.

11.3.1 – Ser aceito pela professora.

Outros alunos expressam sentido aparentemente oposto ao descrito acima: querem agradar a professora. O aluno quer agradar a professora porque sente a necessidade de ser aceito por ela. Nas classes observadas, alguns alunos manifestaram esse sentido em sua atuação. A professora, para esses alunos, constitui- se em referência importante. Ela é um outro significativo (SZYMANSKI, 2003). Ela se constitui em um outro, no qual o aluno pode ver a si próprio e encontrar ali a confirmação de quem ele é, isto é, de sua identidade - de seu modo de ser e existir. A avaliação da professora, portanto, adquire uma grande importância. Agradar a professora e encontrar nela a confirmação do valor de sua atividade (e, em última instância, de sua existência na medida em que a existência como aluno de Arte é parte da existência da criança) é, também um dos sentidos projetados pelas crianças nas aulas de Arte.

11.3.2 – Mostrar a obra.

A obra criada só pode se realizar plenamente e existir na condição de obra de arte no seu aparecer. É o aparecer no mundo para o outro que realiza e completa a obra de arte. É no outro que a obra se realiza: “É nos outros que a expressão toma relevo e devém plena significação.” (MERLEAU-PONTY, 1980b, p.151). A arte manifesta o mundo pelo corpo do artista. Essa manifestação só pode existir no aparecer, que é, sempre, um aparecer para alguém, no mundo. Retomando o gesto do artista, o espectador pode alcançar o mundo do artista e fazer com que a obra de arte se cumpra como tal.

Também para Fusari e Ferraz, “a verdadeira concretização da obra de arte se faz no contato com as pessoas, quando o ato criador se completa.” (1993, p. 19).

Isso não é diferente para as crianças. A criança, nas relações interpessoais, relaciona-se também com a dimensão institucional, que é dada na cultura. A cultura se constitui em mediação entre a vida social e a vida psíquica. Ela se manifesta em todos os aspectos do mundo em que vive a criança, “[...] até nos utensílios e nas palavras mais usuais” (MERLEAU-PONTY, 1990, p. 136). Pela cultura, a criança pode viver os sentidos de arte que existem em seu mundo social. Além disso, embora exista uma “originalidade da mentalidade infantil” (MERLEAU- PONTY, 1990, p. 217), não devemos considerar a criança como alheia à vida humana.

Com essas considerações, podemos compreender que o sentido de arte como criação de caráter estético que se realiza no seu aparecer no mundo. Esse aparecer é um aparecer para o outro e é constituído no âmbito cultural. Os alunos manifestaram vivenciar esse sentido, pois, para eles, sua obra precisava ser mostrada. O mostrar a obra e a aceitação dela pelo outro completavam sua criação, realizando sua existência como obra de arte.

O momento de realização da obra da criança como obra de arte é semelhante ao do artista: a obra precisa ser mostrada, precisa aparecer, só se realiza na percepção do observador. Do mesmo modo que para os artistas, também para a criança a arte é um modo de ser, que é um ser no mundo e com o outro. Esse outro, para a criança, é colocado em diferentes níveis: o amigo do mesmo grupo, o colega de classe, a classe toda, o professor, a família, a escola toda, o bairro – todos esses são diferentes níveis em que ela pode permitir a apresentação de sua obra.

É na companhia de outras pessoas, especialmente dos colegas e amigos, que se torna possível que o desenho seja mostrado imediatamente após ser concluído, ou mesmo enquanto ainda está sendo feito. Enquanto o artista adulto pode trabalhar sozinho durante meses, antes de mostrar para alguém sua pintura ou escultura, a criança parece precisar de companhia para produzir.

A criança quer produzir uma obra que se completa em si, que está acabada e bem resolvida e que, portanto, está pronta para ser mostrada. Ela sabe que poderá realizar um trabalho não resolvido, não acabado e que, portanto, não se presta a ser mostrado. Para decidir essa questão, um critério importante é a expectativa de compreensão e aceitação: ela não aceitará a apresentação de uma obra sua na

expectativa de rejeição. Nesse aspecto, a criança diferencia-se do artista, e, em geral, do adulto: ela, em geral, não está pronta ainda para enfrentar a rejeição de sua obra, em nome de uma possível aceitação posterior. O sentido de posteridade, ou de posterior compreensão, e também o sentido de encontrar o seu público, que existem para o artista adulto, não existem para a criança, para a qual o futuro mais distante é desconsiderado.

O sentido de tempo se manifesta de modo diferenciado. A criança não vive o tempo como algo separado dela: não há uma objetivação do tempo. Mencionando Wallon, Merleau-Ponty sugere que não há uma ignorância do tempo objetivo, mas uma outra estrutura de tempo. A criança sente o tempo de outro modo e projeta sua existência no tempo de modo diferente do adulto. Sua estrutura perceptiva é outra. A posteridade pode ser considerada como uma ultracoisa, localizada em um horizonte exterior à sua vivência (MERLEAU-PONTY, 1990, p. 260-261). Para a criança, sua obra precisa realizar-se imediatamente, ela não concebe a idéia de aguardar uma posterior aprovação. As pessoas significativas para ela estão muito próximas: os colegas, a família, a professora. Ela não aceita aguardar uma posteridade para ver sua obra aceita.

Se aceita a obra, podemos notar que o tratamento dado é muito diferenciado. Algumas obras são guardadas cuidadosamente e mostradas nas situações oportunas, algumas obras são presenteadas a familiares e afixadas nas paredes dos quartos das crianças. Mas, existem outras que, mesmo valorizadas e aceitas como obras prontas, acabadas e bem sucedidas, só existem por um curto período de tempo: o tempo de sua confecção, que é entendido como momento de diversão e prazer, e o tempo de vê-la concluir-se, aparecer como pronta e resolvida. Após esses momentos, e após confirmar-se sua existência ao ser mostrada para a amiga ou para o monitor, a

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