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PARTE III – A PESQUISA

Capítulo 7 A professora e a escola

Nesse capítulo e nos seguintes optamos pela apresentação completa dos Registros de Observação. Sabemos do risco de tornar a leitura cansativa, mas acreditamos que somente o relato completo, em suas minúcias, poderia refletir o clima das aulas, o modo da professora cuidar das aulas e dos alunos, as atividades dos alunos e os elementos afetivos que integram o sentido. Só o relato completo poderia mostrar o caminho percorrido pelo pesquisador para constituir a sua compreensão dos fenômenos observados.

Os relatos foram, em alguns casos, agrupados, conforme o foco que a professora imprimiu à atividade, isto é, conforme a “lição” dada pela professora. Para cada aula, ou lição, apresentamos também a sua tematização, com uma interpretação inicial. O mesmo foi feito na descrição das aulas e das atividades das crianças, no capítulo 8, e na apresentação da palavra dos alunos, no capítulo 9.

Essa tematização, focada na busca dos sentidos, é apresentada em seus elementos que se relacionam mais diretamente com a compreensão do pesquisador e que serão retomados mais adiante, no capítulo 10, em que esses dados são discutidos e algumas conclusões são apresentadas.

7.1 O ambiente escolar.

7.1.1 - Síntese dos registros de observação.

a) A escola e a vice-diretora.

A EMEF localiza-se em um grande conjunto habitacional popular na periferia da zona norte de São Paulo. São dezenas de prédios de cinco pavimentos e sem elevador, com vários apartamentos em cada pavimento. As ruas são asfaltadas e iluminadas e o conjunto é servido por várias linhas de ônibus e dispõe de um pequeno comércio que fornece, principalmente, lanches, refeições e bebidas. Há muitos automóveis estacionados junto a cada bloco de apartamentos, a maioria com vários

anos de uso. No interior do conjunto há várias escolas públicas estaduais e municipais e a EMEF é uma delas. A vice-diretora, professora Zuleide, apresentou a escola ao pesquisador.

A EMEF é uma pequena escola, com apenas nove salas de aula e dois pavimentos. O acesso à secretaria, utilizado pelos pais de alunos, é controlado por uma porta com grades e aberta internamente, quando chegam visitantes, por um dispositivo elétrico controlado pela própria secretaria. No pavimento inferior, além da secretaria, localizam-se a diretoria e demais dependências administrativas, a sala de leitura, o pátio interno e a cozinha. Na área externa ao prédio, cercada por um grande muro, há uma quadra e um estacionamento para os professores e funcionários. No pavimento superior, com acesso por duas escadas pelo pátio interno, ficam as salas de aula. Há, também, uma sala utilizada pela rádio dos alunos e uma salinha com grades em que os livros didáticos são guardados.

Todas as dependências da escola estão limpas e bem arrumadas. A professora Zuleide destaca seu empenho em evitar pichações e em pintar a escola todo início de ano. Há vasinhos de plantas por toda a escola. A pesquisa iniciou-se no mês de maio e a escola estava toda enfeitada com as tradicionais bandeirinhas das festas juninas.

A escola funciona em quatro períodos, com classes do Ensino Fundamental I, Ensino Fundamental II e, à noite, Educação de Jovens e Adultos (EJA). A professora Zuleide decide sobre quase todas as questões relativas à limpeza, conservação, reformas, decoração, questões operacionais como guarda e conservação de alimentos e equipamentos, e muitas outras. Chama a escola, carinhosamente, de ‘minha escola’ e providencia para que tudo esteja sempre limpo, bonito e organizado. Destaca a importância disso tudo para criar um bom ambiente de estudo, para os alunos. Manifesta orgulho pelo seu trabalho.

b) A coordenadora pedagógica.

A coordenadora pedagógica, professora Sílvia, que acumula seu cargo com a função de professora de Português na rede estadual de ensino, procura orientar os professores para superar as práticas pedagógicas que considera tradicionais e

autoritárias. Acredita que está conseguindo progressos com os professores do Ensino Fundamental II (5a. à 8a. série) e que ainda encontra resistência por parte dos professores de Ensino Fundamental I (1a à 4a. série). Organizou, junto com a direção, uma longa reunião dos professores do “Fund II”, em que se discutiu o sentido da leitura para os professores. Nessa reunião foi constatado que, para a maioria dos professores, a leitura tornou-se importante a partir de vivências ocorridas fora da escola. A partir dessa reunião, acredita que os professores irão encaminhar atividades de leitura prazerosa, focadas no gosto e no interesse pela leitura, e não simplesmente voltadas para a realização de tarefas escolares como responder a questionários com respostas padronizadas. A professora Sílvia, informada anteriormente sobre a pesquisa, acredita que essa interpretação do ensino de leitura pode ter incidência sobre o ensino de Arte.

Sobre o ensino de Arte, a professora Sílvia informou que, em seus muitos anos de experiência, verificou a existência de problemas como a reduzida permanência dos professores de Arte nas escolas (que têm poucas aulas), a falta de continuidade dos professores de Arte em uma mesma escola (costumam logo pedir remoção) e o não estabelecimento de vínculos desses professores com a escola. Em toda a sua carreira, ela conheceu apenas um único professor de Arte que realizava um bom trabalho. A coordenadora considera que as atividades de Arte não deveriam incluir trabalhos designados por ela como técnicos, com cores quentes e frias, primárias e secundárias, e que deveriam incluir o fazer e a apreciação de Arte.

c) O diretor.

O diretor, professor Moacir, tem quinze anos de experiência como professor de História na rede pública de ensino, acumulando, há cinco anos, o cargo de professor na rede estadual com o de diretor na rede municipal. Ele destaca seu compromisso com uma escola “a serviço dos filhos da classe trabalhadora” e sua incompatibilidade com os professores que tratam os alunos com desrespeito. Este é seu segundo ano na EMEF. Acredita que conseguiu montar uma equipe afinada com essa visão e que a maioria daqueles que não concordavam “preferiu sair”. Ele foca sua atividade como diretor nas questões pedagógicas e não nas administrativas. Considera

que a escola deve se responsabilizar integralmente pela alfabetização e pelo letramento dos alunos. Critica o vínculo de muitos professores com valores de classe média que os faz acreditar que são melhores que os mais pobres. Quanto ao ensino de Arte, o diretor:

- acha ruim colocar a ênfase no desenho e considera importante a dança e o teatro;

- não concorda com a prática de “tolher” o aluno porque ele não trouxe material de Arte;

- acha muito limitado o trabalho que é feito atualmente na escola;

- informa que a professora Sônia apresentou um projeto para organizar um coral;

- acha que a professora Sônia não vive um bom momento e que ela não deveria preocupar-se tanto com “pequenas coisas” e que poderia desenvolver um excelente trabalho e “fazer muito barulho”;

- acredita que a professora Sônia vai superar a má fase e integrar-se à equipe da escola;

- lembra que a professora de Arte do ano passado, substituída pela professora Sônia, era uma excelente professora.

d) O ensaio da dança.

A professora Simone, de Educação Física, organizou os ensaios das danças para a festa junina utilizando, para isso, tanto os horários regulares de suas aulas como horários extras, em que os alunos compareceram aos ensaios fora dos horários regulares de aula. Um pequeno aparelho de som instalado no pátio interno da escola reproduzia músicas da moda, ao estilo caipira ou de rodeio, e as crianças dançando ensaiavam passos típicos dos salões de dança da região, com evoluções diferentes para cada turma. Esses ensaios foram realizados com muita alegria e entusiasmo, com as crianças sorrindo o tempo todo e ensaiando até por conta própria, após o término das aulas.

e) O mural da 3a. série E.

Na parede do pátio foi colocado um mural intitulado Mães da 3a

. E,

contendo 26 desenhos feitos pelos alunos da 3a. série E, cada um deles circundado por uma faixa de papel cor-de-rosa brilhante. Nesses desenhos, feitos com lápis comum e lápis de cor, os alunos retrataram suas mães com muito cuidado e utilizando diferentes estilos e técnicas. Esse mural foi organizado pela professora Shirley, professora regular do Ensino Fundamental I, responsável pela 3a. série E.

f) A festa das Olimpíadas.

No mês de agosto, paralelamente às Olimpíadas de Atenas, a escola organizou uma espécie de torneio esportivo entre os alunos, com ampla decoração temática. Essa decoração consistiu em bandeiras de diversos países pintadas com tinta guache sobre cartolinas, reproduções em papel cartão e papel espelho do logotipo oficial das Olimpíadas, além de maquetes de templos gregos feitas com papel cartão, cartolina, papelão e papel espelho. Esses objetos foram confeccionados em diferentes aulas, sob a coordenação de professores de diferentes disciplinas. A professora de Arte, em suas aulas, coordenou a confecção, por alguns alunos por ela escolhidos, dos logotipos e das maquetes. Esse material ficou exposto por alguns dias no pátio e no corredor, decorando o torneio esportivo dos alunos, que aqui chamamos de festa das Olimpíadas.

7.1.2 – Tematização.

a) A arte na escola: existem diferentes manifestações artísticas na escola, mas elas não são discutidas coletivamente. A coordenadora pedagógica não acredita na competência dos professores de Arte e o diretor não confia na professora Sônia.

b) A arte na aula de Educação Física: os alunos participaram alegremente das danças da Festa Junina da escola. A dança e a música estão presentes nas aulas de Educação Física, mas não aparecem nas aulas de Arte.

c) A arte na 3a

. série: a professora regular da 3a. série, que não é especializada

em Arte, expôs no mural do pátio os desenhos de seus alunos, ao contrário da professora de Arte, que prefere escondê-los. Em cada detalhe do mural apareciam o carinho, o cuidado e a dedicação, tanto das crianças como da professora da 3a. série, com os retratos das mamães. As crianças, em seus desenhos, utilizaram diferentes estilos e técnicas.

d) Tinta guache: a tinta guache e os pincéis, que não foram utilizados nas aulas de Arte, apareceram nas aulas de História e Geografia, para preparar a decoração da festa das Olimpíadas.

7.2) Sônia, a professora de Arte.

7.2.1 - Síntese das entrevistas.

A professora Sônia tem três anos de experiência como professora de Arte e está na EMEF desde o início do corrente ano (2004), para a qual solicitou remoção. É especializada em Música, mas não pode dar aulas de Música porque, explica, o barulho iria atrapalhar as demais aulas. Encaminhou, junto às suas classes, atividades de Desenho Geométrico e informou que no período da pesquisa iria realizar atividades de artes plásticas. Declarou que não tem tempo de realizar atividades de atualização profissional, mas participou de alguns cursos de Arte Contemporânea na USP. Sua jornada semanal de trabalho como professora de Arte chega a cerca de cinqüenta horas-aula, pois acumula o cargo na prefeitura de São Paulo com a mesma função na rede estadual de ensino. Por conta dessa excessiva carga horária, não tem tempo de preparar adequadamente suas aulas, mas precisa cumprir essa carga horária para completar sua renda pessoal. Entrou em detalhes de sua vida pessoal para justificar essa opção. Sofre problemas de saúde e uma vez apresentou-se para dar aulas após ter recebido, em um pronto-socorro, uma aplicação de soro, da qual mostrou a marca no braço ao pesquisador. Atribui seus problemas de saúde à extensa jornada de trabalho e pretende fazer terapia.

Apresentou à escola um projeto de atividades musicais para ser executado fora do horário normal de aulas, que não foi aprovado. Destaca que na escola não

existe sala especial para aulas de Arte e que o professor fica “sem muitas possibilidades”. Mostrou ansiedade nas primeiras entrevistas, adiantando-se às perguntas do pesquisador, falando rapidamente e solicitando seguidas vezes explicações sobre os objetivos da pesquisa.

Ela assumiu as aulas de Arte nas classes do Ensino Fundamental II (5a. a 8a. série) e algumas classes de EJA (Educação de Jovens e Adultos), no período noturno. Informada de que a pesquisa estava focada no ensino fundamental regular, aceitou participar, mas insistiu que o pesquisador visitasse também uma de suas aulas à noite, para os adultos e jovens, em que, informou, realiza uma atividade diferenciada, graças à maior maturidade dos alunos. Nessas aulas, os desenhos e trabalhos dos alunos são comentados pela professora, que os relaciona à personalidade e ao estado de espírito dos alunos.

Respondendo ao pesquisador, esclareceu que não pode trabalhar com guache ou outras tintas, já que as salas não têm pias. Informou que os alunos não podem utilizar giz de cera, pois acabam utilizando os mesmos para escrever nas carteiras e paredes, e que, em vista disso, as caixinhas de giz de cera enviadas pela Prefeitura são recolhidas no início do ano e ficam à disposição da administração da escola. Não organiza exposições dos trabalhos dos alunos.

Informou que a direção da escola nunca negou nada para ela e que todo o material solicitado foi fornecido. Mas sentiu uma certa discriminação dos demais professores, que atribui ao fato de que é nova na escola. Percebeu essa discriminação ao não ser convidada para o planejamento de algumas festividades escolares.

Acontecem alguns conflitos com alunos que não trazem para as aulas o material de Arte. Algumas vezes, esses alunos são encaminhados à direção da escola.

Participou da organização das festividades escolares encaminhando junto a alguns alunos a confecção de objetos e enfeites. Para isso, convocou os alunos designados como mais habilidosos, que confeccionaram, sob sua orientação, figuras em cartolina, papel cartão e papel espelho. Desse modo, evitou o que considera um grande desperdício de material, que ocorreria se todos os alunos realizassem essas atividades. Alguns alunos também contribuíram, trazendo de casa as tradicionais bandeirinhas utilizadas para decoração das festas juninas.

Na entrevista devolutiva, a professora Sônia afirmou que não considera problema algum a vergonha que os alunos sentem quando seus desenhos são por ela designados como feios ou errados. Ela não comentou a maioria das observações apresentadas pelo pesquisador na entrevista devolutiva e respondeu apenas com um sorriso irônico quando informada que os alunos gostariam de receber notas melhores e comentários positivos sobre seus desenhos.

7.2.2 – Tematização.

a) Música: a professora Sônia, apesar de se declarar especializada em Música,

não deu aulas de Música. Encaminhou atividades de Desenho Geométrico e Artes Plásticas. Diz que fez essa opção por causa do barulho, que iria atrapalhar as outras aulas, o que não a impediu de apresentar um projeto extracurricular de atividades musicais.

b) Insegurança: a professora mostrou insegurança quanto à qualidade de sua

atividade docente e procurou adiantar uma série de justificativas prévias para uma esperada opinião negativa. Demonstrou grande preocupação quanto aos objetivos da pesquisa.

c) Atualização: a professora realizou algumas atividades de atualização

profissional, embora isso tivesse sido negado na primeira entrevista.

d) Giz de cera: a escola evita que as paredes sejam rabiscadas confiscando o giz

de cera das crianças e não através de um trabalho educativo. A professora de Arte não manifestou oposição ao confisco do giz de cera pela administração da escola.

e) Pintura: a professora considera que a não existência de pias nas salas de aula

justifica a não realização de atividades de pintura em suas aulas.

f) Material: Ela, às vezes, pune os alunos por não trazerem o material de Arte,

enviando-os à direção da escola.

g) Exposição: os desenhos feitos pelo conjunto dos alunos durante as aulas não

h) Habilidade: a professora considera que alguns alunos são mais habilidosos e

apenas esses participam da confecção da decoração para as festividades escolares.

i) Desperdício: a professora considera desperdício o uso, pelos alunos, de

material fornecido pela escola que não resulte em objetos que, a seu critério, possam ser expostos nas festividades escolares.

j) Vergonha: a professora considera que os desenhos dos alunos são, em geral,

muito feios para serem expostos e não se incomoda com o fato de os alunos sentirem vergonha, quando suas obras são criticadas.

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