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PARTE II – FUNDAMENTAÇÃO

Capítulo 3 Os sentidos do ensino de Arte

O estudo dos sentidos do ensino de Arte - tal como eles se expressam nas propostas e discursos dos pesquisadores, autores, autoridades do sistema escolar e educadores da área - é um modo de aproximação com a experiência da aula de Arte.

Essa experiência é vivida pelos alunos e pelo professor. O professor imprime o rumo geral da atividade, com seu discurso, com as proposições que faz aos alunos e com os comentários que faz em relação à atividade dos alunos. Mas ele não faz isso de forma isolada, pois carrega, em seu discurso e em sua prática, as propostas e o discurso dos educadores e autores em ensino de Arte com que teve contato.

Além do professor, toda a comunidade escolar carrega essas influências. Os professores de Arte anteriores, que já não estão na aula com aqueles alunos, deixaram sua marca, sua influência. Os professores das outras disciplinas também se manifestam sobre o ensino de Arte. Da mesma forma, familiares, direção e equipe técnica das escolas, funcionários operacionais, outros alunos, irmãos e outras crianças. Todos, em diferentes graus e sob diferentes interpretações, se manifestam sobre ensino de Arte e incorporam, em algum nível, discursos e propostas dos pesquisadores, autores, autoridades do sistema escolar e educadores da área. Esses discursos e essas propostas, carregados dos sentidos neles expressos, chegam aos alunos por todos esses caminhos e não exclusivamente pelo seu professor no momento da aula.

Por isso, seu estudo nos ajuda a compreender o discurso da criança e os sentidos em que ela realiza sua atividade. Esses sentidos não são uma vivência exclusivamente pessoal. A vivência combina a experiência vivida com uma multiplicidade de referências culturais apropriadas pelos sujeitos, cada um a seu modo. Desse modo, os sentidos vivenciados pelas crianças não estão desvinculados dos sentidos que existem na sociedade e que se relacionam com a realidade vivida em sala de aula.

A tradição e as proposições contemporâneas chegam às crianças de modo genérico e indiferenciado, através das relações sociais em que se manifestam os sentidos percebidos, as opiniões, os preconceitos e as expectativas. Não é possível

prever, ou rastrear, as diferentes influências que chegam às crianças. Mas podemos ter em conta os sentidos expressos na tradição e nos discursos contemporâneos.

Abaixo, apresentamos um breve percurso nos discursos contemporâneos, que incorporam elementos da tradição e os projetam em novos contextos, constituindo o contexto vivenciado pelos alunos, auxiliando na compreensão dos sentidos por eles vivenciados.

3.1) Os Parâmetros Curriculares Nacionais - Arte.

A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, lei 9.394, de 20/12/1996 (SAVIANI, 2001), no seu artigo 26, que trata da base nacional comum dos currículos do ensino fundamental e médio, estabelece, em seu parágrafo segundo, que o “ensino da arte constituirá componente curricular obrigatório, nos diversos níveis da educação básica, de forma a promover o desenvolvimento cultural dos alunos”. O MEC publicou orientações curriculares para todas disciplinas, entre elas os Parâmetros Curriculares Nacionais para o ensino de Arte (PCN-Arte), que se constituem na principal referência curricular oficial para o ensino de Arte, no Brasil.

Os PCN-Arte para o ensino fundamental foram elaborados pela Secretaria de Educação Fundamental do Ministério da Educação. São dois textos independentes, sendo o primeiro referente às séries iniciais, ou seja, primeira a quarta séries do Ensino Fundamental (BRASIL, Parâmetros Curriculares Nacionais: Volume 6 – Arte, 2000), e o segundo referente às quatro últimas séries (BRASIL, Parâmetros

Curriculares Nacionais/Arte: quinta a oitava séries, 1998).

Os dois textos, em sua parte introdutória, apresentam algumas diferenças quanto ao sentido do ensino de Arte.

Os PCN-Volume 6 (BRASIL, 2000), destacam que o ensino de Arte deve proporcionar o “desenvolvimento do pensamento artístico e da percepção estética, que caracterizam um modo próprio de ordenar e dar sentido à experiência humana”. O aluno deverá, desenvolvendo “sua sensibilidade, percepção e imaginação [...] realizar formas artísticas”, além de apreciar e conhecer as obras produzidas tanto por ele, como pelos colegas e pelos artistas nas diferentes culturas. Nesse processo, o aluno poderá

compreender a “relatividade dos valores”, valorizando o que lhe é próprio e abrindo-se “à diversidade da imaginação humana”. Assim, será propiciada ao aluno uma compreensão do mundo na sua “dimensão poética”, incorporando a “dimensão do sonho” que, através da “sonoridade instigante da poesia, das criações musicais, das cores e formas, dos gestos e luzes”, faz parte do “sentido da vida”. Sem esses aspectos, a “aprendizagem será limitada” (BRASIL, 2000, p. 19-21). Há, aqui, a proposição do

ensino de Arte no sentido de propiciar a vivência da arte como experiência estética e poética. Ela é necessária para dar sentido à própria vida. Sem isso, a própria vida é

“limitada”. A aprendizagem de Arte proporciona a ampliação da própria vida, ou seja, uma vida mais plena.

Já os PCN focados nas séries quinta a oitava (BRASIL, 1998), embora reproduzam algumas frases do documento citado acima, destacam o ensino de Arte como “apropriação de conteúdos imprescindíveis para a cultura do cidadão contemporâneo”. Aqui, os sentidos do ensino de Arte, de um modo geral, remetem à relação do indivíduo com a sociedade. A arte, aqui, não aparece para dar novos sentidos à existência, mas para aproximar o indivíduo do contexto social em que vive. É o ensino de Arte no sentido de melhor integrar o indivíduo na sociedade. Nesse documento a imaginação é mencionada apenas em geral, ela é “humana”, isto é, “da

humanidade” e não mais do sujeito - e aparece para ser “entendida em sua

diversidade” e não mais para ser desenvolvida ou praticada. O desenvolvimento da sensibilidade não aparece nesse texto, que dá ênfase aos aspectos cognitivos: “a realização de trabalhos pessoais [...] se dá mediante a elaboração de idéias, sensações, hipóteses e esquemas pessoais que o aluno vai estruturando e transformando, ao interagir com os diversos conteúdos [...]”. O aluno deverá desenvolver sua percepção no sentido de compreender as mudanças que ocorrem na sociedade e na natureza, adaptando-se a elas. Essa percepção deverá ser “crítica”. É nesse contexto que a dimensão poética aparece nessa publicação: compreender que há um movimento de transformação permanente, exigindo “flexibilidade” para que possa realizar-se a “inserção e participação na sociedade” (BRASIL, 1998, p. 20-21).

Cabe destacar que essas observações não significam uma avaliação ou um posicionamento sobre as propostas didáticas e metodológicas e sobre os planos de

ensino constantes dos dois documentos, mas, apenas, uma interpretação dos sentidos de ensino de arte expressos na parte a eles correspondente, ou seja, o capítulo de

“Introdução” dos dois textos. Como se trata de documentos publicados por instância política, é legítimo considerar os sentidos ali expressos como a intencionalidade oficialmente estabelecida por órgão político, isto é, o Ministério da Educação, quanto ao ensino de Arte no país.

3.2) Ana Mae Barbosa e a Proposta Triangular.

Ana Mae Barbosa é, sem dúvida, a mais influente autora e pesquisadora de ensino de Arte, no Brasil. A proposta de Ana Mae ficou conhecida como Metodologia Triangular. Atualmente é designada como Proposta Triangular, (BARBOSA, 1998, p. 33). A expressão Triangular refere-se aos três eixos do ensino de arte: criação, contextualização e leitura da obra de arte. Esse terceiro aspecto é chamado, também, de apreciação ou de análise da obra de arte. No início, a Proposta Triangular previa uma contextualização histórica da obra de arte. Ana Mae, posteriormente, substitui a “história da arte” pela proposição de uma “contextualização” ampla e flexível, que pode ser histórica, mas também pode ser “social, psicológica, antropológica, geográfica, ecológica, biológica [...]” (BARBOSA, 1998, p. 37).

São muitos os sentidos do ensino de Arte expressos na extensa obra de Ana Mae Barbosa. De modo geral, a autora remete os sentidos à questões de ordem social e cultural.

As “classes baixas”, para a autora, devem se “orgulhar de seu ego cultural”, mas não devem viver em “guetos culturais”. Devem buscar “acesso aos códigos da cultura erudita”, como condição para a “mobilidade social”. Esse aspecto, no entanto, não deve significar a exclusão, da escola, da cultura das classes baixas, que não deve ser segregada. Capazes de construir sua identidade como grupo e manter seu “orgulho”, as classes baixas estarão preparadas para o domínio dos “códigos dominantes – os códigos do poder”, condição para a ascensão social (BARBOSA, 1998, p. 15). Aqui, o sentido de constituição de uma identidade cultural de grupo ou

classe, está colocado na perspectiva de um outro sentido, o sentido de democratização de oportunidades, através do ensino de Arte.

A expressão pessoal na educação está relacionada a questões de ordem social e cultural, pois ela é “um importante instrumento para a identificação cultural e o desenvolvimento”. As artes permitem um maior conhecimento da realidade e o desenvolvimento da capacidade crítica, da imaginação e criatividade. Aqui, há dois sentidos para o ensino de arte: um deles é o sentido de integração social: “a arte capacita um homem ou uma mulher a não ser um estranho em seu meio ambiente nem estrangeiro em seu próprio país. Ela supera o estado de despersonalização, inserindo o indivíduo no lugar ao qual pertence” (BARBOSA, 1998, p. 16). O outro é o sentido de

contribuir com a mudança e o desenvolvimento, pois a criatividade conduz a mudanças

na “realidade analisada”. A arte é um modo de conhecer e analisar a realidade e a criatividade, elemento de mudança.

A autora lembra ainda que a mídia nos impõe imagens com as quais aprendemos “inconscientemente”, devido a nossa “incapacidade de ler essas imagens”. Desse modo o ensino de Arte, ao “ensinar a gramática visual e sua sintaxe”, além de “tornar as crianças conscientes da produção humana de alta qualidade”, prepara-as para avaliar todo tipo de imagem (BARBOSA, 1998, p.17). Aqui, há muitos sentidos, mas o que se destaca é que o ensino de arte deve ensinar a “ler imagens”. Essa leitura é uma habilidade cognitiva que se realiza pelo domínio de uma gramática e de uma sintaxe. Ser capaz de “ler imagens” é indispensável para “tomar consciência” da

“produção humana de alta qualidade” e para evitar as imposições da mídia. A leitura

de imagens é uma habilidade cognitiva que deve ser desenvolvida e que tem valor por si só. O acesso à cultura erudita e a avaliação consciente das mensagens da mídia são importantes, mas são como que aplicações dessa habilidade.

Apreciar, educar os sentidos e avaliar a qualidade das imagens produzidas pelos artistas é uma ampliação necessária à livre-expressão, de maneira a possibilitar o desenvolvimento contínuo daqueles que, depois de deixar a escola, não se tornarão produtores de arte. (BARBOSA, 1998, p.18)

Aqueles que deixam a escola e não se tornam artistas tiveram a oportunidade de desenvolver as habilidades de fluência, flexibilidade, elaboração e

originalidade, que são, para a autora, os “processos básicos da criatividade”. As práticas da “apreciação e da decodificação”, assim, cumpriram seu papel de “possibilitar o seu desenvolvimento contínuo”, através do desenvolvimento dessas habilidades. Aparece, assim, o ensino de arte no sentido do desenvolvimento de

habilidades psicológicas ou comportamentais.

Ana Mae destaca também que o ensino de Arte, especialmente a “educação da apreciação”, é importante para o desenvolvimento cultural do país na medida em que esse desenvolvimento só pode acontecer quando existe um público capaz de entender a produção artística de alta qualidade. A arte-educação deve fazer a “mediação entre arte e público” (BARBOSA, 1998, p.18). Desse modo, o ensino de Arte tem, também, o sentido de formar um público para os artistas do país e para os

museus.

A escola deve preparar a criança para ir ao museu, que fará a ligação da criança com “a herança cultural que deveria pertencer a todos, não somente a uma classe econômica e social privilegiada” (BARBOSA, 1998, p. 19). Aparece aqui o

sentido do ensino de arte para a democratização social através da apropriação, pelos “alunos de classe pobre”, da “herança cultural” histórica. Essa democratização

prepara o “consumidor de arte crítico”. O ensino de Arte, na escola e nos museus, tem, portanto o sentido de formar o consumidor de arte. Não qualquer consumidor, mas um consumidor crítico, capaz de entender e avaliar uma produção artística de alta qualidade.

A arte está ligada, para a autora, ao desenvolvimento - que engloba o crescimento sócio-econômico individual e o enriquecimento cultural do país. Mas, nos trechos mencionados acima, aparece também um sentido da arte como formação da

identidade nacional brasileira. Esse sentido é expresso mais claramente quando a

autora afirma que sem “conhecimento de arte e história não é possível a consciência de identidade nacional” (BARBOSA, 1999a, p.33).

O ensino de arte tem, também, o sentido de preparação para as

profissões artísticas. Ana Mae menciona a existência de um grande número de

profissões ligadas à atividade artística e que esses profissionais “poderiam ser mais eficientes se conhecessem, fizessem arte e se tivessem desenvolvido sua capacidade

analítica através da interpretação de trabalhos artísticos em seu contexto histórico” (BARBOSA, 1998, p. 19). Segundo a autora, “mais de 25% das profissões neste país estão ligadas direta ou indiretamente às artes e seu melhor desempenho depende do conhecimento de arte que o indivíduo tem” (BARBOSA, 1999a, p. 31).

Reconhecendo que a arte também está ligada ao “subjetivo, à vida interior e à vida emocional”, a autora frisa, no entanto, que esses aspectos devem estar subordinados ao tratamento da arte como conhecimento (BARBOSA, 1998, p. 20). Mas, atribui alguma importância psicológica ao ensino de Arte, especialmente na adolescência, “por razões catárticas e emocionais que incluem a saúde mental e o desenvolvimento do processo criador” (BARBOSA, 1999a, p. 31). Declarando preferir “as razões pragmáticas da arte na escola”, recorre a Regina Machado, para essa discussão:

É preciso que o adolescente tenha possibilidade de se apoderar do ser único que ele é, das suas aptidões, sonhos, angústias e indagações; penso que isto ele pode conseguir se puder EXPRESSAR ou construir, de forma significativa, a reflexão sobre seu “assombrar-se de ser”. É preciso ter espaço e condições que me permitam, se eu tenho quinze anos, confrontar-me com quem eu sou enquanto individualidade, no momento em que eu a descubro como minha....A arte então cumpriria um importante papel nesse sentido, possibilitando ao indivíduo, através de sua expressão, confrontar-se com suas crises. (MACHADO apud BARBOSA, 1999a, p.29 e 30).

O ensino de Arte, aqui, aparece no sentido de cura e desenvolvimento

psicológico, ligados à expressão e à criação.

Para crianças em fase de alfabetização, a atividade artística, especialmente as artes plásticas, pode facilitar o desenvolvimento psicomotor e desenvolver a discriminação visual. Além disso, “a leitura social, cultural e estética do meio ambiente vai dar sentido ao mundo da leitura verbal” (BARBOSA, 1999a, p.28). Aqui, o sentido do ensino de Arte é o apoio ao processo de alfabetização.

3.3) Fusari e Ferraz e a expressão artística na sociedade.

A abordagem histórico-crítica - que preconiza a valorização da escola, a aquisição pelos alunos dos saberes socialmente significativos e o compromisso com a

transformação da sociedade - foi adotada como principal referência pedagógica por Ferraz e Fusari.

Para as autoras, a arte existe no movimento dialético entre o homem e o mundo, incorporando representação do mundo cultural e expressão dos sentimentos. A expressão é gerada pelo sentimento e este se origina na tensão entre “forças de ordem interna e externa: são relações entre o sujeito e as coisas, o subjetivo e o objetivo, o ser sensível e o símbolo”. E a obra se completa nas relações sociais, “no contato com as pessoas” (FUSARI e FERRAZ, 1993, p. 19).

O sentido geral da educação está na “preparação de indivíduos que percebam melhor o mundo em que vivem, saibam compreendê-lo e nele possam atuar”. Inclui, portanto, o conhecimento teórico e o prático. Nesse contexto, o ensino de Arte deve incluir conhecimento e vivência. As autoras concebem a arte e seu ensino escolar como um conhecimento e também como uma atividade. A expressão está voltada para o social e aparece como atuação do indivíduo no meio social em que vive, com base no conhecimento e na compreensão (FUSARI e FERRAZ, 1993, p. 20). Nessa concepção, expressam-se diferentes sentidos.

Há um sentido de aquisição de conhecimentos sobre Arte, pois o seu ensino escolar deve aproximar os estudantes do “legado cultural e artístico da humanidade, permitindo, assim, que tenham conhecimento dos aspectos significativos de nossa cultura, em suas diversas manifestações”. Esse conhecimento não se resume à arte erudita, pois os professores de Arte devem conhecer a “arte vinculada à vida pessoal, regional, nacional e internacional”, de modo a combinar “as influências artísticas da comunidade local com as tendências nacional e internacional” (FUSARI e FERRAZ, 1993, p. 49), incluindo as manifestações artísticas no cotidiano e “todas as linguagens consideradas como meios de comunicação e expressão” (FERRAZ e FUSARI, 1999, p. 44).

Esse estudo e vivência de vários aspectos da cultura, tanto das culturas tradicionais locais, como da mídia e da herança histórica e erudita, devem ser exercidos em uma perspectiva crítica, de modo que os estudantes “ultrapassem o senso comum e adquiram posicionamentos mais críticos” (FUSARI e FERRAZ, 1993, p. 58). Deve haver uma educação de sua capacidade de julgar e avaliar todas as produções artísticas e

comunicativas (FERRAZ e FUSARI, 1999, p. 44). Para as autoras o ensino de Arte tem

o sentido de desenvolvimento de uma postura crítica em relação aos produtos e atividades artísticas e aos meios de comunicação.

O ensino de Arte deve, também, concorrer para que os alunos “elaborem uma cultura estética e artística que expresse com clareza a sua vida na sociedade” (FUSARI e FERRAZ, 1993, p. 49). Essa elaboração é um processo transformador que envolve as sensibilidades e os saberes práticos e teóricos. Aqui é expresso o sentido de

ensino de Arte como compromisso com uma ação social crítica e transformadora através da arte, que se torna possível na medida em que os alunos tenham

conhecimentos sobre Arte, construam uma visão crítica sobre os meios de comunicação de massa e demais produções artísticas e aprendam a expressar com clareza a sua vida na sociedade.

3.4) Duarte Junior e a arte na formação plena do indivíduo.

Duarte Junior coloca a ênfase no sujeito. O ensino de Arte, para o autor, contribui para que o indivíduo desperte para o “seu próprio processo de sentido” e possa elaborar sua “visão de mundo”. Nesse processo, em uma civilização eminentemente racional, os jovens podem apropriar-se de “sua maneira particular de sentir” (DUARTE JUNIOR, 1983, p.65-66). Há, desse modo, no ensino de Arte, um

sentido de apropriação de si através da atenção do indivíduo ao seu modo de sentir.

Estimulando a expressão e permitindo, pela arte, o contato com símbolos do sentimento, o ensino de Arte propicia a “educação do sentimento”, pois a educação tradicional tem tratado apenas da “educação do pensamento”.

A sociedade não é esquecida. O autor não aborda a sociedade como um “social genérico” mas posiciona-se sobre essa sociedade em que vivemos, situando o papel do ensino de Arte como ainda mais importante na medida em que “o mundo dos negócios” reserva poucos momentos para os sentimentos e a “nossa civilização racionalista” pretende banir a imaginação, “por ver nela uma fonte de erros” (DUARTE JUNIOR., 1983, p.66-67). Desse modo, a arte adquire um sentido

diferentes, se perceba ainda o quão distante se encontra nossa sociedade de um estado mais, equilibrado, lúdico e estético” (DUARTE JUNIOR., 1983, p. 68).

A arte é, também, o melhor meio para que o indivíduo possa obter uma visão do “todo cultural em que estamos”, pois, situando-se no nível do sentimento, permite que o “sentimento da época” seja vivenciado, pois a “avalanche de significados, de conhecimentos” não proporciona uma visão de totalidade de nossa cultura. Através dessa compreensão do mundo cultural, o indivíduo pode compreender melhor o sentido “da vida que é vivida aqui e agora”. Há, portanto, um sentido de

integração social, mas essa se dá pela compreensão do indivíduo do “sentimento da

época”, como modo de sentir comum, e pela compreensão do seus sentimentos, que não precisam ser os mesmos partilhados pelos seus contemporâneos. A arte, portanto, permite que aconteça um determinado modo de integração do indivíduo à sociedade tal, que a especificidade do indivíduo seja mantida, pois ele torna-se capaz de distinguir entre o “sentimento da época” e seus próprios sentimentos. Para o autor, a compreensão de outras épocas e outras culturas é também importante. O conhecimento de outras épocas amplia a compreensão da própria época em que o indivíduo está vivendo, cumprindo, então, a arte o papel de viabilizar, pela “arte pretérita da cultura onde vivo”, acesso ao modo de sentir em outras épocas (DUARTE JUNIOR., 1983, p. 70). A arte, através do acesso aos sentimentos, também pode proporcionar acesso às culturas estrangeiras. Nesse aspecto, o autor alerta para a possibilidade de nos tornarmos “agentes invasores: instrumentos de dominação a serviço de prioridades econômicas estrangeiras”, passando a produzir uma “arte amorfa, inexpressiva e sem vida” (DUARTE JUNIOR., 1983, p. 71). Aparece aqui o sentido de arte como

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