• Nenhum resultado encontrado

Discussão e sistematização do resultado dos dados analisados

6 METODOLOGIA E ANÁLISE

6.3 Discussão e sistematização do resultado dos dados analisados

Num total de 3 crônicas, recortamos 14 fragmentos discursivos, nos quais analisamos 25 ocorrências de orações relativas (vistas como unidade semântica). A partir de uma análise semântico-argumentativa do funcionamento discursivo dessas orações, chegamos às seguintes constatações:

• o tipo de pronome relativo empregado não interfere diretamente no sentido produzido pelo encadeamento argumentativo, pois a escolha em empregar o conector DC ou PT é orientada pelo conteúdo existente no semantismo das palavras plenas, manifestado através de sua AI, e não pelas palavras instrumentais, como é o caso do pronome relativo;

• há um princípio argumentativo que sustenta o encadeamento produzido pelo enunciado, a partir do qual o locutor manifesta-se ora via norma, ora transgredindo-a, confirmando a tese defendida por Carel (2005) de que é da própria natureza do enunciado exprimir um princípio argumentativo, isto é, o sentido de todo enunciado é construído pela relação semântica estabelecida entre dois segmentos: S1 e S2, que o constituem;

• em termos de descrição semântico-argumentativa, a idéia de restrição e de explicação assume papel secundário, pois o encadeamento, através da interdependência semântica entre S1 e S2, é construído com base na AI que a palavra plena contém em seu semantismo, e pela relação que estabelece com as demais entidades lexicais aí associadas e combinadas. Esse processo de combinação e associação ocorre de modo similar tanto em orações que a gramática tradicional classifica como restritiva quanto na explicativa; • Tanto as palavras plenas atuantes na estrutura NqueV, quanto as que estão fora dela

interligam-se, construindo a orientação para a qual o sentido do enunciado aponta, ou seja, para a formação do discurso, enquanto unidade semântica;

• As forças argumentativas emanadas pelas palavras plenas existentes nas estruturas NqueV estudadas, bem como as palavras instrumentais aí presentes, caracterizam um nome ou uma expressão (substantivo, pronome, sintagma) a que se referem, adjetivando-o, criando um elo argumentativo, que contribui de forma direta com a construção do sentido do enunciado. Sob um ponto de vista semântico-argumentativo não dizemos que a oração relativa é subordinada à principal, mas que ela contribui de modo efetivo, ao interligar-se argumentativamente com as demais entidades lexicais, para a construção do sentido do enunciado;

• Em discursos efetivamente produzidos, como é o caso do sentido construído pela oração relativa, nosso objeto de análise, a AI das palavras plenas em estudo é contextual, pois constrói seu sentido pela relação estabelecida com outros termos que atuam no enunciado. É pela relação criada entre os encadeamentos que expressam a AI das entidades lexicais que o sentido é construído. No caso das orações relativas analisadas, é sua relação com o N e com a AI emanada de outras palavras plenas, e também com sua combinação com determinadas palavras instrumentais, que o sentido do enunciado se produz;

• O sentido do enunciado se constrói a partir da relação de interdependência semântica produzida em dois eixos: a) pela relação criada entre os elos semânticos estabelecidos entre os encadeamentos argumentativos que expressam a AI das palavras plenas, no eixo sintagmático, e b) pela posição que o locutor assume, ao dialogar com diferentes enunciadores que ele põe em cena em seu discurso, no eixo paradigmático. Esses dois eixos definem o sentido do enunciado não só pela construção dos encadeamentos, mas também pelo sentido que emana das entidades lexicais constituintes do discurso.

Nessas condições, a análise descritivo-explicativa das orações relativas selecionadas nos mostra que, de modo geral, tais orações desempenham o papel semântico de caracterizar, qualificar um termo, que pode ser um nome, um pronome ou um sintagma, conforme orienta a GT, exercendo a função morfossintática de adjetivo. No entanto, sob a perspectiva da Semântica Argumentativa, via TBS, constatamos que, além do comportamento generalizado de adjetivar, esse fenômeno lingüístico assume um valor argumentativo particular em cada enunciado em que opera. Para verificar um possível funcionamento regular, foi preciso desvendar e entender as particularidades de cada uso, isto é, compreender o papel semântico- argumentativo que cada oração relativa exerce na situação enunciativa em que é empregada, permitindo assim identificar o que elas apresentam em comum, constituindo um funcionamento sistematizado.

Depois de analisar as vinte e cinco ocorrências das relativas extraídas das três crônicas selecionadas, percebemos que, de maneira generalizada, elas auxiliam na construção do sentido do enunciado em que operam acrescentando ou não sentido ao termo ao qual se referem, o N da estrutura NqueV, função exercida sob diferentes modalidades. Ela pode adicionar sentido ao N, definindo-o ou preenchendo-o semanticamente, mas também pode interligar-se a ele, modificando sua força argumentativa ou orientando a que direção o sentido

do enunciado em que atua aponta, sem acrescentar-lhe sentido, não trazendo informação nova, apenas reorganizando ou orientando aquele sentido que já está contido na AI do N ou do V.

Resumimos, então, seus papéis semânticos em quatro diferentes funcionamentos: 1 o primeiro grupo reúne as relativas que acrescentam sentido ao termo ao qual se referem (nome, pronome ou sintagma), definindo-o; 2 o segundo grupo orienta o sentido do termo ao qual o V se refere (nome, pronome ou sintagma) interligando-se semanticamente ao conteúdo que emana da AI desse nome, apontando a direção argumentativa do sentido construído nessa situação enunciativa, ao ressaltar um aspecto semântico já existente no semantismo do N, sem acrescentar-lhe sentido novo; 3 o terceiro grupo é representado pelas relativas que modificam a força argumentativa que emana do N, funcionando como modificador, tanto realizante quanto desrealizante (ou sobre-realizante). São aquelas orações que não apresentam palavras plenas novas ao combinarem-se com a AI que advém do termo ao qual se referem na estrutura NqueV. Elas se contentam em modificar o sentido já existente no N, reorganizando-o; 4 o quarto grupo de relativas diz respeito ao papel exercido pelo pronome relativo quem e seu termo correlato aquele(s)que /aquela(s) que. Nesse uso, a oração relativa desempenha a função argumentativa de preencher semanticamente o pronome relativo que, nesta estrutura NqueV, é vazio e exerce a função de N. A relativa efetua tal papel com base no(s) conteúdo(s) que emana(m) da(s) AI(s) da(s) palavra(s) plena(s) existente(s) em V.

Para melhor entender os diferentes funcionamentos semânticos exercidos pelas relativas estudadas, agrupamos seus exemplos em conformidade com o esquema anteriormente apresentado:

1 Exemplos de relativas que acrescentam sentido ao termo, definindo-o, ou seja, constroem o sentido do N:

“pessoas que não se conhecem” (Texto1);

“de todas as coisas que as duas pessoas têm indiscutivelmente em comum” (coisas em comum) (T1);

“um tempo em que elas não podem se realizar” (Texto2);

“grande artista, que é ao mesmo tempo um intelectual e um ser humano sensível,” (T2); “gaveta que deve ser esvaziada” (Texto3);

“os processos que foram esquecidos” (T3);

2 Exemplos de relativas que não adicionam sentido ao nome (sintagma ou pronome), mas orientam o sentido produzido pelo enunciado em que operam, função exercida a partir do conteúdo que emana da AI das palavras plenas de V, combinadas com a AI de N, formando um encadeamento argumentativo:

“assunto prioritário da espécie, que (só) não inaugura todas as conversas” (T1); “as exigências que delas decorrem,” (T2);

“hino da Internacional Comunista, que pouca gente hoje entoa” (T2); “campeão que venceria a batalha final” (T2);

“chefe de uma certa repartição, que deveria dar o lugar a seu sucessor” (T3); “versão que conheço da história” (T3);

“mesa (com gaveta cheia), na qual havia uma placa com o nome dele e o nome da suposta seção,” (T3).

Nesse mesmo grupo, no caso em que o pronome indefinido tudo atua como N, na estrutura NqueV, a relativa (V) orienta seu sentido preenchendo-o semanticamente, de modo semelhante ao processo que ocorre no uso do pronome relativo quem:

“tudo que não é com ou sobre a morte” (T1).

3 Exemplos de relativas que funcionam como modificadoras do sentido que emana do nome a que se referem, reorganizando a atuação de sua força argumentativa:

“fila que não anda” (T1) – modificador desrealizante;

“democracia, em que a alternância é a regra” (T3) – modificador realizante (ou sobre- realizante, sob o enfoque de GARCIA NEGRONI, 1995, 1998).

4 Exemplos de relativas que preenchem semanticamente o pronome relativo quem (e seu temo correlato aqueles que), que funciona como N na estrutura NqueV, colaborando na construção do sentido do enunciado como um todo:

“(mas há) quem diga que toda conversa” (T1); “(para) quem não aceita a própria morte” (T1). “quem perde as esperanças” (T2);

“quem deixa de exigir” (T2);

“aqueles que chegaram a um tal estado de carência e de privação” (T2); “aqueles que mergulham numa apatia terminal”(T2);

“(há) quem não se conforme” (T3); “(há) quem se apegue ao cargo” (T3).

Sintetizando essa esquematização, observamos que no grupo 1 e no 4, é o próprio sintagma N(que)V que orienta o sentido produzido pelo enunciado em questão; já no grupo 2, é a oração V (através da(s) AI(s) da(s) palavra(s) plena(s) aí existente(s), ao associar(em)-se semanticamente ao conteúdo extraído da AI de N), que orienta o sentido apontado pelo enunciado; por fim, no grupo 3, é o conteúdo que emana da AI do N que orienta o sentido do enunciado, conforme quadro abaixo:

Grupo das orações relativas elemento da estrutura NqueV que orienta o sentido do enunciado 1 e 4 N(que)V

2 V

3 N

Para enriquecer a discussão dos dados analisados, estabelecemos um paralelo entre a descrição das relativas observadas nos livros de LP e o modo como elas se apresentam sob uma perspectiva semântica da língua em uso, ao atuarem no discurso.

6.4 Comparação entre a descrição da oração relativa no livro didático e seu