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3.3 Diferentes abordagens do fenômeno lingüístico oração relativa (adjetiva)

3.3.1 Perspectiva da Gramática Normativa

Conforme Said Ali (1964), a oração adjetiva desempenha papel atributivo e pode chamar-se Atributiva, Adjetiva ou Relativa (cujo nome advém do fato de geralmente iniciar por um pronome relativo). Sob tal enfoque, a oração relativa é vista como subordinada a outra, que é considerada a principal. Subordinada no sentido de que não possui existência própria, consiste em um desdobramento da principal, ou seja, é sintaticamente dependente da oração à qual se interliga, desempenhando papel de adjetivo, já que modifica um termo que a antecede. A oração relativa, complementa Rocha Lima (1998) e Kury e Oliveira (1984), vale por um adjetivo e funciona, sintaticamente, como adjunto adnominal e, às vezes, como um aposto explicativo.

Nas palavras de Rocha Lima (1998, p. 268), “na trama do período, (a oração relativa) subordina-se, portanto, a qualquer termo da oração anterior cujo núcleo seja substantivo, ou equivalente de substantivo”. Assim, como nem sempre temos um léxico adjetivo específico para cada oração adjetiva, ela enriquece a língua, pois possibilita que se atribuam características mais complexas ao substantivo ou pronome ao qual se refere, sendo um recurso a mais no modo de construir a frase. Barreto (1980, p. 251) define a oração relativa adjetiva como aquela que desempenha o ofício de um adjetivo atributivo e “vem sempre anunciada por um pronome relativo, o qual exprime juntamente a idea de um pronome e a idea de uma conjunção”.

Essa é outra característica da oração relativa, explicita Kury e Oliveira (1984), é introduzida por um pronome relativo ou por um indefinido (salvo se estiver na forma reduzida). Quando desenvolvida (ou seja, o verbo está na forma finita, conjugado no modo indicativo ou subjuntivo), é encetada por um dos seguintes pronomes relativos: que, qual, quem, cujo, quanto, que podem ou não sofrer flexões, ser ou não precedidos por preposição. Essa oração também pode ser introduzida por um desses advérbios relativos: onde, quando e como, por meio dos quais se prende a um substantivo ou a um pronome da oração anterior, o qual geralmente modifica. O elemento ao qual se refere, cuja significação é produzida, denomina-se antecedente (ROCHA LIMA, 1998).

O autor esclarece ainda que, além de servir de ligação oracional, o pronome relativo exerce determinada função sintática na oração a que pertence. No seguinte exemplo “Logo

que iniciou a festa, identificamos a mulher que não tinha sido convidada”, o pronome relativo que funciona como sujeito da oração adjetiva que introduz, modificando o substantivo mulher (seu antecedente), da oração anterior. No entanto, ressalta o autor, a função sintática do pronome relativo não tem relação direta com a função sintática de seu antecedente pois, ainda que o pronome relativo reproduza o significado de seu antecedente, o importante é o papel que ele (o relativo) exerce na oração em que toma parte. Nesse exemplo, a função sintática de mulher (o antecedente) é de objeto direto do verbo identificar, já o pronome relativo que exerce a função de sujeito da oração adjetiva “que não tinha sido convidada”.

No caso dos pronomes relativos que, quem, qual, quanto, Rocha Lima (1998) especifica que eles podem exercer tanto a função sintática de sujeito, objeto direto, objeto indireto, complemento relativo, predicativo, adjunto adnominal, agente da passiva, quanto a função de adjunto adverbial. Já os pronomes relativos cujo, onde, quando e como exercem função específica, ou seja, a de adjunto adnominal (no caso de cujo), e a de adjunto adverbial de tempo, lugar e modo (no caso de onde, quando e como).

No que tange ao aspecto semântico, a GT classifica a oração relativa em restritiva ou explicativa. Conforme Bechara (1975), a oração subordinada adjetiva restritiva serve para delimitar ou definir de modo mais preciso seu antecedente, atribuindo-lhe um sentido particular (um dentro de uma série, um grupo menor dentro de um maior), sendo, portanto, indispensável ao sentido da frase. Por exemplo: “Tenho esperança de encontrar alunos que gostem de ler” e “A desgraça que humilha a uns exalta o orgulho de outros (a desgraça é vista aqui como uma específica: aquela que humilha e exalta).

Também no entender de Rocha Lima (1998), a oração subordinada relativa restritiva serve para delimitar seu antecedente, formando com ele um todo significativo. É em função disso que a oração adjetiva restritiva não pode ser suprimida, já que altera o sentido da frase de que faz parte, abalando sua estrutura enquanto predicação (sujeito e predicado). Por exemplo: “Os alunos que lerem o livro saberão contá-lo” significa que apenas um determinado grupo de alunos “saberá contar o livro”, somente aqueles que o lerem. Temos aqui uma restrição, a delimitação de um grupo, o que torna tanto a oração quanto seu antecedente necessários à compreensão da frase, e impossibilita que ela seja isolada por vírgulas.

Quanto à explicativa, ela esclarece, oferecendo detalhes sobre o antecedente ao qual se refere, dando-lhe um caráter universal (refere-se a um todo): “Carlos, aluno da quinta série, encontrou a carteira roubada” e “A desgraça, que humilha a uns, exalta o orgulho de outros” (nesse caso, a desgraça é vista de modo geral, de qualquer tipo, universal). Trata-se de uma informação adicional a um elemento que já está definido, podendo, portanto, ser suprimida sem prejuízo à compreensão da predicação. Nesse caso, complementa o autor, consiste em um termo adicional que contém um simples esclarecimento ou pormenor sobre o antecedente, não sendo, portanto, objeto de seu dizer. Como comentário, a explicativa não é indispensável à compreensão do todo, como podemos ver no exemplo: “Iracema, que é uma obra épica, representa um importante momento da história brasileira”. Nesse exemplo, a relativa explicativa “que é uma obra épica” apresenta uma informação suplementar sobre seu antecedente (Iracema), não constituindo inferência no entendimento da oração principal, que tem existência própria. Rocha Lima (1998) também enfatiza ser de regra separar a oração explicativa com vírgulas, ou travessões. No exemplo citado, o objeto do dizer é “Iracema representa um importante momento da história brasileira” e a oração relativa “que é uma obra épica” consiste em um comentário a parte, complementar do dizer, por isso não é indispensável à predicação e deve ser isolada por vírgulas.

Conforme Bechara (1975), a relativa explicativa é constituída de predicado nominal, podendo transformar-se em aposto explicativo, por exemplo: “O inverno, que é a estação do frio, promete vir com todo vapor.”(oração relativa explicativa), e “O inverno, estação do frio, promete vir com todo vapor.” (aposto), sendo que ambos os casos caracterizam, qualificam o antecedente ao qual se referem. Ainda conforme esse gramático, os pronomes relativos que, quem, quanto e como podem ocorrer sem fazer referência a um antecedente, condensando em si duas funções: podem atuar como termo da oração principal, ou como sujeito da oração adjetiva:“Procuro justamente a quem procuras” (aquele que); “O carro parou onde pretendíamos ir” (no lugar / em que); Veja como me olha!” (o modo).

Boa parte das orações relativas ocorre em forma desenvolvida, como vimos até agora, mas elas também podem se apresentar de modo reduzido, tanto sob a forma de particípio (presente e passado), gerúndio, quanto infinitivo. O uso da reduzida do particípio presente é, segundo Rocha Lima (1998, p. 273), “um cultismo sintático de emprego raro na linguagem contemporânea”, em que o particípio mantém seu valor verbal de origem: “Este é o caminho / conducente à glória” equivalendo a: “Este é o caminho / que conduz à glória”. Situação

semelhante ocorre com a reduzida do particípio passado: “Servi ontem no jantar mercadorias / compradas na Europa.” – equivalendo a: “Servi ontem no jantar mercadorias / que foram compradas na Europa”.

Quanto à reduzida de gerúndio, o autor explicita que essa somente ocorre com o chamado gerúndio progressivo que, estando ligado a um substantivo ou a um pronome da oração principal, manifesta uma ação em desenvolvimento, um fato que está ocorrendo naquele momento com o ser representado por aquele substantivo ou pronome, como vemos nos exemplos que seguem: “Vedes Jesus / despejando os vendilhões do templo...” (Rui Barbosa) – equivalendo a “que despeja os vendilhões do templo...”; “Surge ao longe uma luz / ofuscando os olhos dos já cansados transeuntes.” – correspondendo a “que ofusca os olhos dos já cansados transeuntes”. Para exemplificar o uso da oração relativa reduzida de infinitivo, recorremos ao exemplo de Rui Barbosa já citado, adaptando-o: “Vedes Jesus / a despejar os vendilhões do templo...” – correspondendo, como já vimos, a “que despeja os vendilhões do templo...”.

Visto, então, como o gramático tradicional define e classifica a oração relativa (adjetiva), verificamos também como o gramático (ou lingüista) descritivo aborda esse elemento lingüístico. Segundo Perini (1985), as falhas da GT podem ser resumidas em três aspectos: inconsistência teórica e falta de coerência interna; caráter predominantemente normativo; e enfoque centrado em apenas uma variedade da língua: a padrão (voltada à escrita), excluindo todas as outras variantes existentes. Para o autor, a nova gramática, a descritiva, precisa reorganizar as afirmações de cunho normativo: não simplesmente suprimindo o dialeto padrão, mas apresentando-o como um entre outros possíveis, trabalhando e adequando as diferentes variedades lingüísticas a suas respectivas situações cotidianas. Além disso, acrescenta Perini (1985, p. 6), a nova gramática precisa ser “sistemática, teoricamente consistente e livre de contradições”.

Perini (1985, 2001) organiza sua gramática a partir de uma dupla descrição: uma em termos formais da estrutura sintática superficial; e outra descrevendo os aspectos da interpretação semântica, sempre que possível, em sintonia com a descrição sintática. Quanto à sintaxe e à morfologia, o autor diz esforçar-se em manter a nomenclatura tradicional, o que não é possível em relação à semântica, já que não há uma terminologia tradicional específica nessa área. Perini (1985) orienta seu estudo sob uma perspectiva da descrição formal

(morfossintática), apresentando uma visão extensiva da estrutura da língua, e desenvolve metas mais modestas ao aspecto semântico, com generalizações, mas sem construir um conjunto estruturado. Nas palavras do autor (1985, p. 11): “a semântica terá de ser, a rigor, uma espécie de antologia de apêndices à descrição gramatical. Não vejo inconveniente nessa solução, que me parece a melhor nas atuais circunstâncias”.