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Neste tópico apresentaremos os comentários aos resultados relativos ao Estudo 2, cujos dados foram recolhidos junto das educadoras de infância. Para uma melhor abordagem dos objetivos e hipóteses, subdividimos este capítulo em 5 partes: (i) análise e caracterização das conceções e práticas dos educadores de infância; (ii) compreensão do papel do educador de infância na aprendizagem da linguagem escrita na educação pré- escolar; (iii) estabelecimento de relações entre conceções, práticas de literacia e outras variáveis (formação, tempo); (iv) ambiente de literacia escolar (materiais e organização do espaço); e (v) promoção da literacia.

7.1 Análise e caracterização das conceções e práticas dos educadores de infância

Em estudos anteriores (Lynch et al., 2006; Marques, 2011; Miller e Smith, 2004), os educadores que compuseram as amostras demonstraram que as suas práticas coincidem com suas conceções, relativamente à literacia emergente. Quanto mais proximidade tiveram com as conceções holísticas, maior a tendência a referirem-se a atividades de literacia emergente.

No estudo proposto, identificamos a predominância da conceção «mais holística», com 90.5%, e seguidamente da conceção «muito holística».

Em relação às suas práticas, as educadoras inquiridas consideram as atividades de literacia emergente as mais importantes (Tabelas 42 e 43).

Em face destes dados, trazemos a hipótese operacional 10: “Os educadores de infância que alicerçam as suas conceções numa abordagem mais holística, acerca da aprendizagem da literacia, adotam mais as práticas de literacia emergente do que os educadores que se alicerçam nas abordagens mais tradicionais — ou seja, mais tecnicistas”.

A primeira parte da hipótese encontra-se, em parte, conforme os dados da amostra relativamente às conceções mais holísticas referidas pelos educadores, assim como às práticas de literacia emergente, porém não podemos efetivar a comparação com a conceção tecnicista por não ter havido registo desta última em nosso estudo —, como também ocorre com as hipóteses operacionais 11: “Educadores de infância de conceções

com abordagens mais tradicionais face à aprendizagem da literacia desenvolvem mais práticas com predominância no ensino direto/habilidade do que os educadores que se apoiam numa abordagem mais holística”; e, 12: “Os educadores de infância que alicerçam as suas conceções numa abordagem mais holística, acerca da aprendizagem da literacia, mostram-se mais preocupados com o ambiente físico e emocional do que os educadores que se apoiam em abordagens mais tradicionais”. Assim, estabelece-se desde já a busca de uma continuidade desta investigação onde futuramente retomaremos estas hipóteses.

7.2 Compreensão do papel do educador de infância na aprendizagem da linguagem escrita na educação pré-escolar

Visando compreender o papel do educador de infância na aprendizagem da linguagem escrita no jardim de infância, recolhemos dados através de uma questão aberta e que trabalhamos recorrendo a análise de conteúdo. Os inquiridos percebem-se no papel de promotor de literacia emergente (e.g., “incentivar e oportunizar as expressões verbal e escrita”, “mediar a descoberta da linguagem escrita e sua funcionalidade junto às crianças do seu grupo”, “mediação de diferentes formas de leitura e escrita”), intervindo de forma direta na aprendizagem da literacia nas crianças. Marques (2011) observou de modo diverso, ao abordar o papel do educador em seu estudo, considerando-o motivacional e que não havia intervenção de forma direta na aprendizagem da linguagem escrita.

7.3 Conceções, práticas de literacia e outras variáveis

Neste ponto, pretendemos perceber as associações entre conceções, práticas e as variáveis tempo de serviço, tempo de atuação no atual Jardim de Infância, idade, formação e estabelecimento de trabalho, analisando se em função das últimas variáveis, estas apresentam diferenças nas atividades e saberes de literacia.

Cassidy e Lawrence (2000) ao se referirem às crenças dos professores, afirmam que com o aumentar da idade e experiência, as crenças se fortalecem ajudando-os a determinar quais os saberes mais pertinentes para a construção de um espaço de autoria e de reconstrução do conhecimento. Miller e Smith (2004) em seu estudo chegaram à mesma conclusão, considerando que as experiências estabelecem ligações com as

conceções dos educadores. A nossa investigação encontra-se em conformidade com alguns aspetos que podemos inferir dos resultados aqui citados, embora contrariando outros.

Inicialmente constatamos que quanto maior o tempo de serviço no atual Jardim de Infância, mais a conceção tecnicista se edifica, decrescendo a referência a conceções holísticas. No que diz respeito à idade e ao tempo de serviço, não foram encontradas relações com as conceções acerca da aprendizagem de leitura e escrita. Futuramente, interessa investigar mais estas questões junto de uma amostra mais vasta e diversificada de educadores.

Quanto à formação académica, apesar de as diferenças não serem estatisticamente significativas, registamos que educadoras com licenciatura se apresentaram com uma menor pontuação na escala de conceções sobre a aprendizagem da leitura e escrita em relação às que tinham bacharelato.

No que respeita ao estabelecimento de trabalho, segundo a sua pertença ao ensino público ou privado, encontramos diferenças significativas. As educadoras que atuam na rede pública mostraram-se com conceções mais holísticas em comparação com as da rede privada.

Assim, face à hipótese operacional 13, onde afirmamos que “As diferenças nas variáveis como idade, formação, tempo de exercício da função e a pertença a rede pública ou privada provocam diferenças nas conceções dos educadores de infância acerca da aprendizagem da literacia e suas práticas”, os nossos resultados permitem aceitá-la parcialmente. Confirmamos assim que as variáveis tempo de exercício da função no atual Jardim de Infância e a pertença a rede pública ou privada parecem ser promotoras de mudanças nas conceções dos educadores de infância, ora relacionadas entre si, ora vistas de forma mais reservada.

7.4 Ambiente de literacia escolar

Segundo Alves Martins e Niza (1998) aos educadores tornam-se fundamental a consciência da importância da criação de um ambiente educativo rico em possibilidades de linguagem escrita, cuja funcionalidade e significância se constitua como ponto de partida de intervenções promotoras de literacia. As Orientações Curriculares também

referenciam a importância da organização do ambiente, quando afirmam que “A organização do espaço da sala é expressão das intenções do/a educador/a e da dinâmica do grupo, sendo indispensável que este/a se interrogue sobre a sua função, finalidades e utilização, de modo a planear e fundamentar as razões dessa organização (OCEPE, 2016, p. 26).

Na amostra recolhida para este estudo, 90.5% das inquiridas afirmaram que organizam a sala por áreas distintas. As áreas mais citadas foram as de «faz-de-conta», «jogos» e «biblioteca». As duas primeiras áreas foram citadas como espaço privilegiado para as atividades de leitura e escrita, sendo que entretanto não houve a mesma referência relativamente ao espaço da biblioteca.

“Os espaços de educação pré-escolar podem ser diversos, mas o tipo de equipamento, os materiais existentes e a sua organização condicionam o modo como esses espaços e materiais são utilizados enquanto recursos para o desenvolvimento das aprendizagens (OCEPE, 2016, p.26).

Ao tratarmos da questão dos materiais que as educadoras consideram importantes para o desenvolvimento da linguagem escrita, percebemos que os mais valorizados foram os de escrita e desenho, jogos e livros — o que não causa nenhuma surpresa, pois estabelecem relações com a composição dos ambientes já citados.

7.5 Promoção da literacia sob o prisma do educador de infância

As participantes deste estudo foram questionadas sobre o uso da literacia como instrumento de ampliação das possibilidades de desenvolvimento cognitivo, afetivo e social; e ainda sobre a importância da realização de estratégias conjuntas (escola-família) para promover a literacia emergente. Identificamos uma elevada concordância com as afirmações referentes a estas ideias. Os itens registaram grande concordância (com médias a oscilar entre 4.67 e 4.38) e foram, em média, mais preferidos na seguinte ordem decrescente: “A literacia amplia as possibilidades de desenvolvimento cognitivo das crianças em idade pré-escolar”, “É importante realizar estratégias conjuntas (família e escola) para promover a literacia”, (M= 4.57) (DP=0.51), “A literacia amplia as

possibilidades de desenvolvimento social das crianças em idade pré-escolar” e, com a menor média, “A literacia amplia as possibilidades de desenvolvimento afetivo das crianças em idade pré-escolar”. Em conformidade com o esperado, foi reconhecida grande importância por parte das educadoras as quatro afirmações. Deve no entanto salientar-se o facto de a referência a estratégias conjuntas (família e escola) ser a segunda quanto ao grau de importância. Considerando este facto, fica clara a sua valorização pelos educadores.

Sobre o grau de importância na colaboração para a promoção da literacia através das instituições sociais, as educadoras atribuíram médias altas e muito próximas à familiar e escolar e uma média menor à política. Daqui também se conclui a importância dada pelos educadores à perspetiva de colaboração de instituições, com especial valorização da família e da escola.