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Disputas ambientais internacionais: por que precisamos criar

Durante as últimas duas décadas, foram criadas muitas Cortes internacionais e regionais com competência para atuar em conflitos internacionais, havendo, também, um número crescente de Cortes aptas para julgar conflitos envolvendo matéria de Direito Internacional Ambiental377.

Essas disputas que têm surgido auxiliam na construção do Direito Internacional do Meio Ambiente. Isso porque, como uma disputa pressupõe interpretações antagônicas acerca do conteúdo ou da aplicabilidade de regras, a exegese necessária para o esclarecimento do Direito Internacional quanto aos pontos controversos contribui para o seu desenvolvimento378.

Analisamos, no capítulo anterior, as principais decisões e o funcionamento de alguns dos Tribunais que vêm atuando com mais frequência na resolução desses

377 KALAS, Peggy Rodgers. International environmental dispute resolution and the need for access by

non-state entities. Colorado Journal of International Environmental Law and Policy, Colorado, v. 12, 2001, p. 191.

142 conflitos, quais sejam a Corte Internacional de Justiça, o Sistema de Solução de Controvérsias da OMC, o Tribunal Internacional sobre o Direito do Mar, a Corte Permanente de Arbitragem, o Tribunal Penal Internacional e a Corte Internacional de Arbitragem e Conciliação Ambiental.

Dentre os casos considerados, pudemos constatar que somente os Estados fizeram parte dessas controvérsias. Apesar de existir uma nova tendência em permitir o acesso de atores não estatais aos Tribunais Internacionais, como pudemos verificar na análise da Corte Permanente de Arbitragem e da Corte de Arbitragem Ambiental Internacional, a maior parte dessas Cortes estudadas não permite tal ingresso, ou sequer oferece possibilidade de jurisdição às vitimas de danos ambientais internacionais.

Como vimos, a Corte Internacional de Justiça só é competente para atuar em disputas travadas entre Estados e não possui jurisdição compulsória. Nesse sentido, atores não estatais não podem acionar a Corte tampouco serem acionados perante ela. Além do mais, como bem observa Peggy Rodgers Kalas, o interesse dos Estados nem sempre coincide com o de seus cidadãos, particularmente em relação às prioridades econômicas379.

A OMC, por intermédio das decisões de seu Sistema de Solução de Controvérsias, teve a oportunidade de julgar algumas disputas sobre comércio internacional as quais também possuíam um viés ambiental. Não obstante a OMC prever que a preservação do meio ambiente é uma exceção ao livre comércio, as suas decisões recentes mostram o seu fim principal: garantir a liberalização do comércio. Apesar de possuir jurisdição compulsória, os mecanismos de solução de controvérsias da OMC só podem ser acionados por Estados, e a sua competência está adstrita a questões de comércio internacional.

Igualmente, o Tribunal Internacional sobre o Direito do Mar só tem competência para julgar assuntos que estejam regulamentados pela Convenção sobre o Direito do Mar, resolvendo apenas disputas entre Estados. Contudo, esse Tribunal, diferente dos demais, permite o acesso de Organizações Internacionais, em alguns casos específicos.

379 International environmental dispute resolution and the need for access by non-state entities.

Colorado Journal of International Environmental Law and Policy, v. 12, p. 191. O autor exemplificou

tal assertiva com o caso de exploração de óleo no Equador e na Nigéria, no qual ambos os Estados deram suporte e aprovaram tal exploração, contrariamente à vontade da população local afetada.

143 A Corte Permanente de Arbitragem, por sua vez, apesar de ser a mais antiga instituição dedicada a resolver disputas internacionais e de ter adotado recentemente vários mecanismos voltados especialmente para a solução de disputas envolvendo matéria ambiental, carece de jurisdição obrigatória. Além disso, há pouca transparência nos seus processos de resolução de conflitos, visto que as suas decisões não são disponibilizadas para consulta pública. Por mais que atores não estatais possam ser partes em processos junto à Corte, esta não pode ser um fórum de disputas entre duas partes não estatais, como por exemplo, entre as vítimas de riscos ambientais e as empresas multinacionais, uma vez que pelo menos uma parte deve ser um Estado.

No âmbito do Tribunal Penal Internacional, o Estatuto de Roma não prevê expressamente a sua competência para julgar crimes ambientais. Como analisamos, o meio ambiente é expressamente citado em um dos dispositivos do Estatuto que define os crimes de guerra. O artigo 08 (2) (b) (iv) especifica que, dentro do alcance de um conflito internacional armado, pode constituir crime de guerra: lançar intencionalmente um ataque, tendo conhecimento de que o mesmo causará “[...] danos em bens de caráter civil ou prejuízos extensos, duradouros e graves no meio ambiente, que se revelem claramente excessivos em relação à vantagem militar global concreta e direta que se previa”.

Esse dispositivo requer uma avaliação dos danos em confronto com a vantagem militar pretendida, mas define um patamar muito elevado quanto aos danos ao ambiente para que a ação seja enquadrada como crime, visto que inclui como critério que o dano seja excessivo. Assim, parece haver um risco real de que seja praticamente impossível atender aos critérios para a aplicação do artigo 08 (2) (b) (iv). Embora haja uma clara referência ao meio ambiente, pode ser muito difícil obter uma condenação com base nesse dispositivo quando se tratar de um ato que constitui um crime ambiental, dada a extensão do dano necessária para atingir o patamar definido.

Já a Corte Internacional de Arbitragem e Conciliação Ambiental, apesar de ser especializada em assuntos ambientais, de permitir que indivíduos, empresas ou organizações não governamentais possam acioná-la e serem acionados perante a Corte, e também de estar apta a participar de disputas entre duas partes não estatais, não possui jurisdição obrigatória; mais uma vez as partes terão que consentir em levar a disputa até o Tribunal.

144 Por fim, cabe acrescentarmos que, no que se refere às Cortes de Proteção dos Direitos Humanos, embora o direito humano a um ambiente saudável exista, em princípio, tais Cortes não têm a competência para conhecer o pedido baseado na violação das normas de Direito Internacional do Meio Ambiente. Dessa forma, o direito humano ao meio ambiente saudável permanece não contemplado pelas Cortes Internacionais de Direitos Humanos380.

A análise das Cortes acima nos leva a chegar à seguinte conclusão: atualmente, não possui nenhuma Corte Internacional com jurisdição obrigatória competente para julgar disputas envolvendo matéria ambiental internacional e que esteja disponível a atores não estatais. Dadas essas lacunas, surgiu a ideia da criação de um Tribunal Internacional do Meio Ambiente.

4.2 Histórico e desenvolvimento do Projeto de Criação de um Tribunal