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Soberania e proteção do meio ambiente: dois valores não

1.2 Soberania

1.2.4 Soberania e proteção do meio ambiente: dois valores não

A soberania é exercida tanto na esfera interna, como na esfera internacional. No entanto, a ideia de “absoluta” ou “plena”, no sentido de uma total liberdade de ação dos Estados, passa longe da realidade atual.

Hoje, o princípio da soberania sobre os recursos naturais suscita, em Direito Ambiental Internacional, tanto direitos quanto deveres, já que, por um lado, os Estados têm o direito de dispor livremente dos seus recursos naturais, conforme seus objetivos econômicos e políticas ambientais, incluindo a conservação e a utilização dos mesmos; e, por outro lado, as obrigações e responsabilidades que surgiram com a noção do Direito Internacional Ambiental limitam essa liberdade de ação dos Estados.

Durante as últimas décadas, verificamos que os Estados têm se tornado interdependentes, na medida em que é crescente a escassez e a alocação de recursos para o desenvolvimento. Em resposta, tentativas foram feitas para proteger o meio ambiente, tanto em nível nacional, como internacionalmente.

Alexandre Kiss e Dinah Shelton, ao analisarem o sistema internacional de proteção do meio ambiente, constataram que:

In the changing world of the second half of the 20th century two major values have emerged: fundamental human rights and freedom on one side, environment on the other. Both must be protected by law, the

95 Direitos humanos e o Direito Constitucional Internacional. 6. ed. São Paulo: Max Limonad, 2004. 96

Soberania e proteção internacional dos direitos humanos: dois fundamentos irreconciliáveis.

Revista de Informação Legislativa, Brasília, n. 156, p. 169-177, out./dez. 2002. Disponível em:

<http://www.tvjustica.jus.br/documentos/Artigo%20-%20Soberania%20e%20Direitos%20Huma nos%20-%20Valerio%20Mazzuoli.pdf>. Acesso em: 23 jun. 2008.

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objective of which is to protect fundamental social values. Both must be approached at the international level. Thus, such protection is the task of international law97.

Nesse sentido, o recente reconhecimento da proteção ao meio ambiente como um valor básico da comunidade internacional tem promovido o desenvolvimento do Direito Internacional, assim como também integrou o Direito Ambiental à realidade internacional, contribuindo, reformulando e questionando as formas tradicionais de Direito Internacional98.

Como já exposto anteriormente, as tendências da legislação ambiental internacional apontam para um caminho de cooperação entre os Estados, visto que eles devem exercer a sua soberania para explorar os seus recursos naturais, mas sem causar danos ambientais a outros Estados, garantindo a existência de recursos naturais para as gerações futuras; buscando um desenvolvimento sustentável. Essa tendência fornece um quadro de cooperação internacional indispensável para proteção do meio ambiente. Tanto a Declaração do Rio como a Declaração de Estocolmo fazem expressa menção quanto aos limites da exploração ambiental: confirmam o direito, impondo aos países que assumam a responsabilidade de garantir que atividades dentro de sua jurisdição não venham a lesar o meio ambiente de outro país, conforme será analisado no capítulo a seguir.

Essa obrigação internacional acaba por impor limitações à liberdade de ação dos soberanos. Mas, temos que advertir que ambas as declarações mencionadas ainda mantêm o princípio de soberania estatal como princípio geral. Nesse sentido, nenhum Estado é obrigado a se tornar parte de tratados/declarações/convenções, e cabe a cada um deles ratificar, segundo sua vontade e interesse, qualquer desses acordos internacionais.

Dentro desse quadro jurídico internacional, a soberania nacional sobre os recursos naturais pode bem continuar a servir como um princípio básico necessário ao cumprimento das normas estabelecidas pelo Direito Internacional do Meio Ambiente.

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Developments and trends in International Environmental Law. Genebra: UNITAR, 1999, p. 93. Tradução nossa: No mundo em transformação da segunda metade do século XX, surgiram dois principais valores: direitos humanos fundamentais e liberdade de um lado, e o ambiente, de outro. Ambos devem ser protegidos por lei, cujo objetivo é salvaguardar os valores sociais fundamentais, e ambos devem ser abordados em nível internacional. Assim, essa proteção é a tarefa do Direito Internacional.

46 Adicionalmente, no presente capítulo, houve a oportunidade de constatar que o conceito de soberania é maleável e, em virtude disso, está aberto a mudanças em todo tempo e espaço, estando particularmente entrelaçado com o conceito de Estado. Desde o surgimento dos Estados Absolutistas até a presente época, o conceito de soberania passou por diversas alterações. Antigamente, a soberania era incontestável e estava atrelada à figura do soberano; hoje, possui um contorno diferente. Antigamente, “incontestável”; hoje, “compartilhável”.

Essa mudança se deu principalmente em decorrência do moderno cenário das relações internacionais, no qual a interdependência econômica entre os Estados se tornou mais forte e o vínculo entre eles mais estreito, fazendo com que a plenitude do poder estatal se modificasse e, juntamente a isso, o exercício da soberania também sofresse alterações.

Portanto, é correto afirmar que o cumprimento das questões relacionadas ao meio ambiente tem provocado discussões sobre a questão da soberania, mais ainda quando se constata que os danos ambientais não conhecem território ou barreira de qualquer natureza, tampouco cessam onde começa uma fronteira política. O meio ambiente não reconhece o instituto da soberania; o ecossistema global é interligado e interdependente.

O Direito Internacional do Meio Ambiente utiliza institutos tradicionais do Direito Internacional – tratados internacionais, costumes internacionais, soberania, sistema de solução pacífica de controvérsia, princípio da autodeterminação, princípio da não intervenção – e também precisa estabelecer novas formas de cooperação para a completa regulação das questões internacionais ambientais. Até agora, os resultados disso tudo são os novos mecanismos, tais como a gestão e a responsabilidade compartilhada, além do desenvolvimento sustentável99.

Especialistas em Direito Ambiental resumem que:

O impacto recíproco do desenvolvimento legal no campo da proteção ambiental pode ser visto como um aspecto da globalização, um passo em rumo à criação de um sistema unificado e harmonizado para a proteção do meio ambiente planetário. Claramente a tendência parece dirigir-se à criação e aplicação de normas e regras iguais em diferentes níveis de governança: global, regional e nacional100.

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KISS, Alexandre; SHELTON, Dinah, Developments and trends in International Environmental Law, p. 96.

47 Concluímos, desse modo, que o grande desafio da proteção do meio ambiente na esfera internacional também está atrelado à questão da soberania, na medida em que esse conceito é mutável e tudo o que surge em decorrência dele também sofre alteração. Por exemplo, a ideia da criação de um órgão supranacional com a competência de aplicar sanções a Estados soberanos poderá ou não entrar em choque com a soberania exercida pelos Estados; isso dependerá da visão que os dirigentes têm sobre o conceito de soberania. A instalação de um organismo supranacional poderá ser vista como um instrumento capaz de “minimizar a soberania de um Estado”, ou ser encarada como um instrumento que se utiliza de uma “soberania compartilhada para eventualmente proteger seus próprios direitos”.

48 2 HISTÓRICO E FORMAÇÃO DO DIREITO INTERNACIONAL DO MEIO AMBIENTE