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Capítulo 5 – Cidadania e o “lugar”: intersecções entre questão social e questão urbana

5.2. O distrito do Jaguaré

Situado na zona oeste de São Paulo, na região administrativa da subprefeitura da Lapa, o distrito Jaguaré é um território marcado pela heterogeneidade e por desigualdades. Nele estão localizados os bairros Centro Industrial, Vila Lageado, Parque Continental e o bairro Jaguaré, onde fica a “favela” Vila Nova Jaguaré (VNJ).

O vocábulo “Jaguaré”, de origem tupi-guarani, significa “lugar onde existem onças”, em referência aos felinos (em tupi-guarani, “jaguar” ou “jaguaretê”) que habitavam as matas dessa região, e era o nome atribuído a um ribeirão que nascia na cidade de Osasco e ia desa- guar no rio Pinheiros45. A história do adensamento urbano e da formação do distrito, onde

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Ver Young (2000) ou consultar a nota de rodapé 35, mais acima (p. 65). 45

Segundo a reportagem “80 anos do Jaguaré – Bunge e a Industrialização do bairro”, disponível em < http://www.saopauloantiga.com.br/jaguare-e-bunge/ >. Acessada em 20.01.2016.

hoje não se vê mais nem onças nem o ribeirão, remete ao crescimento da São Paulo industrial do início do século XX (Kowarick, 2009).

Uma das poucas regiões planejadas da cidade, o Jaguaré foi cientificamente projetado pelo engenheiro e urbanista Henrique Dumont Villares, no final da década de 1930, para ser um bairro industrial especializado, aos moldes dos exemplos europeus, no qual, além de zonas propriamente fabris e comerciais, fossem incluídas áreas de moradia e espaços de lazer para as famílias operárias46. Segundo conta Kowarick (2009), “tratava-se de um projeto urbanístico do tipo cidade-jardim, organizado em torno de escolas, área comercial, centro cívico, além de praça de esportes, restaurante, cinema e enorme terreno doado à Ordem de Santa Cruz para desenvolver atividades religiosas e educacionais” (p. 239). O desenvolvimento de tal projeto, porém, foi muito semelhante ao restante da cidade, marcada por momentos de pujança e de- cadência.

Na década de 1930 o Jaguaré contava com acesso viário a bairros mais “centrais”, tais como Lapa e Pinheiros. Segundo Moya Recio (2010), em pouco tempo o Centro Industrial foi conectado ao complexo ferroviário do estado, tornando a região atrativa para investidores, “dada a consideração de que o custo de vida nesses bairros era baixo e assim ‘os salários tam- bém são inferiores’” (p. 49). Neste período, ao lado do Jaguaré, na várzea do Butantã, estava

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Henrique Dummont Villares, sobrinho do aviador Santos Dumont, foi levado aos sete anos para a Europa, onde cresceu e se formou engenheiro agrônomo pelo Instituto Agrícola de Gembleaux, na Bélgica. Villares era dono de uma Sociedade Imobiliária e, no seu retorno ao Brasil, adquiriu as terras do Jaguaré (Pala, 2011, p.69).

Figura 1 - Distrito do Jaguaré Fonte: Google.

em construção o campus da Universidade de São Paulo e o Instituto de Pesquisas Tecnológi- cas (IPT) indicava um caminho promissor para progresso industrial.

Em 1940 Villares colaborou financeiramente com a Prefeitura do município para a construção da ponte do Jaguaré, o que incentivou ainda mais a instalação de indústrias na área: “com a implantação de seu projeto, a primeira fábrica que se instalou no Jaguaré perten- cia ao grupo Matarazzo, fato que acabou por atrair inúmeras empresas e comerciantes” (Pala, 2011, p. 75). Lúcio Kowarick (2009, p. 270) conta que o bairro Jaguaré constitui um espelho do processo de industrialização em São Paulo, pois entre as décadas de 1950 e 1970 absorveu um grande contingente de trabalhadores que chegavam para atuar nas indústrias da região. Contudo, nos anos 1980, com o acirramento da crise econômica, os postos de trabalho no se- tor industrial diminuíram consideravelmente.

O projeto de Villares incluiu a destinação de um terreno de 150 mil m² à prefeitura pa- ra a instalação de um parque público às margens do rio Pinheiros. No entanto esta área não foi utilizada pelo poder público e, a partir do final da década de 1950, começou a ser ocupada dando lugar a “favela” VNJ, como veremos adiante.

As primeiras obras sociais começaram com a Congregação de Santa Cruz, instalada no bairro desde 1945, quando foi construída a paróquia São José. Nos anos 1980, por meio de iniciativas do pároco, Padre Roberto Grandmaison, a ação social da Igreja no bairro se orga- nizou e sistematizou por meio de Centros Comunitários e projetos sociais de atenção às famí- lias mais pobres da região, especialmente da VNJ, tendo como foco prioritário a educação e a “orientação espiritual” de crianças e jovens47. Além da ação social da Congregação Santa Cruz, existe no bairro a Sociedade Benfeitora do Jaguaré, fundada em 1958 por um grupo de empresários para oferecer serviços educativos e profissionalizantes ao jovens de baixa renda.

Atualmente, essas duas OSC – “Congregação” e “Benfeitora” –, através de convênios com a SMADS, são as principais responsáveis pela implementação dos serviços socioassis- tenciais da proteção social básica no Jaguaré. Com relação ao número de serviços, o território pode ser considerado bem servido se comparado a outras regiões do município (São Paulo, 2015). Há diversos serviços públicos, tais como: uma UBS, um CEU, quatro Escolas Públicas estaduais, oito CEI’s, quatro CCA’s e um CEDESP. Também atuam no território diversas organizações e projetos sociais, nas áreas da educação profissionalizante, cultura, lazer e meio ambiente, que desenvolvem suas atividades junto à população local, principalmente à juven- tude.

De modo geral, como na cidade de São Paulo, o distrito do Jaguaré é muito heterogê- neo e desigual. Nele encontram-se desde casas de alto padrão em ruas com guaritas e segu- ranças particulares, condomínios fechados e casas típicas de vila operária, até moradias auto- construídas aglomeradas em áreas de favela, sendo a maior delas a “Vila Nova Jaguaré”, da qual trataremos agora.