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Divulgação científica: diferentes formatos e suportes

CAPÍTULO 1: CIÊNCIA, EDUCAÇÃO, CULTURA E POLÍTICAS PÚBLICAS

1.4 Divulgação científica: diferentes formatos e suportes

Da mesma forma que a educação é transformadora do mundo, a divulgação científica deve atuar em sintonia com ela para que o conhecimento científico seja de fato apropriado pela população. Mas, o que é Divulgação Científica e qual é o seu papel? De que forma pode ser trabalhada, com que linguagem, em que formatos e para que públicos?

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A primeira informação sobre a divulgação científica que devemos nos atentar é a qual público ela é destinada. Bueno (2010) esclarece que o público da divulgação científica é ―prioritariamente, um não iniciado, quer dizer, não tem, obrigatoriamente, formação técnico-científica que lhe permita, sem maior esforço, decodificar um jargão técnico ou compreender conceitos que respaldam o processo singular de circulação de informações especializadas‖ (BUENO, 2010:2). A partir daí, é possível analisar que a divulgação, antes de mais nada, ajuda a melhorar a cultura científica da população e para isso, precisa ter uma linguagem acessível a todos.

Há diversas formas de divulgar ciência para o público leigo: artes (cinema, teatro, quadrinhos, música, poesia, enfim, diversos canais); jornalismo científico (desde o das grandes mídias, TV, documentários, até o das regionais/locais, passando pelos meios eletrônicos e digitais, como blogs de ciência); palestras, cursos variados, redes sociais, dentre muitos outros formatos.

Os organizadores da SNCT, por exemplo, recorrem a diversos tipos da divulgação, formatos e suportes: desde reuniões preparatórias, passando pelos folders, que incentivam a participação da Semana; a cobertura midiática (ainda que ineficiente, como é possível verificar no capítulo 2 deste trabalho), até as atividades propriamente ditas, que variam desde exposições de C&T e feiras de ciências, a peças teatrais, jogos, documentários, etc.

Para uma divulgação científica de sucesso, a informação (e o conhecimento, que são coisas diferentes) precisam chegar até o público de forma satisfatória. Assim, podemos dividir em três etapas uma divulgação de qualidade, que são:

 a preparação do material e a escolha do formato, levando em consideração o público a ser atingido;

 a divulgação propriamente dita, sua execução;

 o resultado obtido. Se bem pesquisada, executada e transmitida, terá alcançado o objetivo.

A função da divulgação científica, segundo Bueno (2010), é a de ―democratizar o acesso ao conhecimento científico e estabelecer condições para a chamada alfabetização científica‖. (BUENO, 2010:5). Considera-se, portanto, que a divulgação é um estágio inicial para chegar à cultura científica satisfatória. Como que ―arar o terreno‖ para o

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plantio. Desperta o interesse para a ciência, para que posteriormente seja aprendida por meio da educação científica.

Caldas entende que

Considerando que quase tudo que acontece na sociedade é influenciado pela C&T, é preciso que o discurso científico seja amplamente compreendido pela população, para que possa tomar suas decisões a partir de múltiplas informações, considerando os aspectos positivos e negativos de cada situação. (CALDAS, 2010:33)

Independente da temática, os quesitos da educação e da política sempre perpassam por elas. A divulgação não é diferente. Quem decide o que é informado ao público? Conforme já explanado anteriormente, é grande a influência dos grupos de poder, que atuam a partir dos seus interesses pessoais. Caldas (2010) discute a divulgação científica e as relações de poder intrínsecas a ela e considera que o saber e o poder, em muitos casos, não podem ser dissociados:

O saber e o poder são, portanto, faces de uma mesma moeda, em que a cultura científica implica práticas de libertação. Isto porque a ―obediência cívica‖ e não cidadã pode ser relacionada diretamente à ausência de saber. (CALDAS, 2010:35)

Assim, um povo só é crítico quando tem conhecimento para poder participar dos processos decisórios e assim, tornar-se cidadão. O conhecimento, o acesso ao contraditório é fundamental para que as pessoas possam refletir sobre as informações veiculadas por diferentes meios de comunicação. Assim, a divulgação é o início desse processo. O pesquisador, do outro lado desse processo, não pode se limitar aos seus interesses quando divulga seu trabalho, como explica Barros (2005). Deve também contribuir para o avanço do conhecimento e melhoria da qualidade de vida, além de atuar, também, como uma prestação de contas à sociedade:

O pesquisador sente a necessidade de transformar resultados de seu trabalho em notícia vinculada pelos meios de divulgação (jornais, revistas, televisão, internet), uma vez que essa visibilidade pode facilitar a obtenção de recursos necessários para o desenvolvimento da pesquisa e para o reconhecimento entre os colegas‖ (BARROS, 2005:111)

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Portanto, o trabalho da divulgação científica é benéfico tanto para público como para o pesquisador. Mesmo que a divulgação científica tenha sido amplamente discutida pelos mais variados pesquisadores, torna-se relevante tratar dos benefícios do acesso à informação científica pelos mais diversos meios. É importante refletir, sobre seus riscos e interesses, como pontua Barros:

Não é mais o momento para aquele que trabalha com divulgação da ciência de se iludir pensando que seu trabalho tem como principal finalidade aumentar a bagagem cultural de uma parcela da população. Na verdade, o interesse crescente por parte de governos e de orientações internacionais tem como motivação a transformação do conhecimento científico em produto que pode ser consumido. Com isso espera-se o aumento do mercado consumidor, uma vez que cresce o número de pessoas capazes de operar as sofisticadas tecnologias. Mas, em contrapartida, não se espera que esse mercado englobe todas as camadas sociais. Não há interesse em se ―gastar‖ recursos para capacitar aquele que não terá meios de consumir. Por isso as políticas que estão sendo introduzidas têm como público uma parcela muito restrita da humanidade. Parcela restrita, mas significativa em números absolutos‖ (BARROS, 2005:113)

Voltamos aqui a um argumento que já abordamos dentro da temática da educação científica. É economicamente interessante investir em divulgação científica porque o conhecimento científico pode ser transformado em indivíduos que consomem a tecnologia produzida e que, portanto, dão lucro para as empresas. Contudo, parece bastante razoável para as empresas que os clientes saibam o que é CT&I e a incluam decididamente no seu cotidiano porque esta divulgação é uma propaganda para seus produtos. Não se pode confundir, porém, divulgação científica no sentido mais amplo, de conhecimento geral, com marketing de produtos inerentes ao mercado de consumo, que, a cada dia, procura atrair o público para as maravilhas da tecnologia com seus modelos de última geração. Porém, há pelo menos duas décadas, iniciou-se um processo com a indústria de telefonia celular em que o conhecimento tecnológico do usuário é inerente, e, atualmente, com tablets e notebooks a cada dia mais acessíveis para as mais diferentes classes sociais. Barros (2005) acredita que é necessário pensar a longo prazo:

Aqui se abre o importante papel que a divulgação da ciência está assumindo. A sociedade, por meio dos seus cidadãos, terá que optar pelo não uso de tecnologias que se mostram interessantes em prazos curtos, mas que podem trazer sérios problemas no futuro‖ (BARROS, 2005:115)

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Portanto, se existe hoje um trabalho da divulgação científica, é fazer com que a ciência não seja vista apenas como consumo e sim como conhecimento e qualidade de vida. A influência e o impacto da tecnologia são visíveis e estão em nosso cotidiano. Tudo que o homem tem hoje deve à C&T. Os progressos e as destruições – seja do homem, seja do meio, têm a C&T como participante desse processo. São essas as informações relevantes, que deveriam nortear a divulgação, na perspectiva de cidadãos e não na perspectiva de clientes em potencial.

Entretanto, a C&TI, de uma maneira geral, é divulgada numa perspectiva positiva, sem discutir seus riscos e impactos, seja por falta de interesse dos próprios cientistas, das lideranças políticas ou por problemas de formação dos jornalistas e divulgadores de ciência.

A divulgação científica quase sempre trata dos resultados da produção científica, sem discutir seu processo, interesses e impactos sociais. É inegável que algumas mudanças estão em curso, mas ainda de forma lenta, face ao avanço do próprio conhecimento científico e às fraudes da própria ciência, que passam a ocupar cada vez mais o noticiário.

É preciso, no entanto, investir cada vez mais na formação qualificada dos divulgadores da ciência para que possam, efetivamente, mostrar à sociedade os riscos e benefícios da CT&I. De que forma, porém, capacitar a população como um todo para que possam participar dos processos decisórios da área, principalmente em assuntos polêmicos e de interesse público? Como formar os líderes de comunidade, para que as pessoas de baixa renda tenham acesso a mais informações e à chance de um futuro mais justo? É preciso resgatar o caráter político e não apenas científico do conhecimento.

A divulgação da ciência na atualidade assume um papel político de maior abrangência, pois somente a partir da conscientização da sociedade será possível pensar em outros modelos que não estejam pautados nas idéias de progresso e de desenvolvimento na forma como eles têm sido pensados. (BARROS, 2005:117)

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