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2) Toda ação gera uma reação oposta, igual e em sentido contrário: investigação

2.1 Mecânica clássica, valor utilidade, cálculo infinitesimal, harmonia social e o

2.1.6 Do conflito de classes para uma sociedade harmoniosa: produtividade e

Essa subseção tem o objetivo de apresentar como a relação entre a produção e, por conseguinte, a distribuição da renda, eram consideradas conflituosas na teoria clássica – desde o pensamento ricardiano – e como se alteram para uma teoria da ‘harmonia’ de interesses na teoria neoclássica. Nessa nova lógica, se construiu um novo caminho cognitivo, dessa vez, completamente diferente daquele inicialmente traçado pelos economistas clássicos, de tal modo a se encontrar cada vez mais distante da realidade.

No capítulo um vimos, por meio de Smith e Ricardo, que a riqueza social é oriunda do trabalho da humanidade, pois é o trabalho que gera excedente econômico e gera valor na mercadoria. No entanto, com o próprio desenvolvimento dessa linha de raciocínio, em paralelo com a observação histórica, ficou claro a existência de uma relação conflituosa entre as diferentes classes – tal estudo tomará sua relação mais proeminente, em Marx, em sua principal obra “O capital” (1867)134

. No entanto, quando a teoria utilitarista ganhou força com os teóricos do marginalismo e com o desenvolvimento da matemática, cada vez mais, ao invés de se observar historicamente a existência de conflitos entre as diferentes classes, assim como uma sociedade hierarquizada, passou-se a pressupor que – em essência – a economia tratava de uma sociedade harmoniosa com interesses, majoritariamente, confluentes, e cuja relação de produção expressava somente aquilo que era devido a cada participante dessa sociedade (Hunt, 2012). Em outras palavras, uma sociedade atomizada em indivíduos, cuja soma dos interesses individuais seriam somente, tautologicamente, o agregado das individualidades.

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Marx expressa, de forma profunda, as contradições existentes na sociedade capitalista, assim como, o advento do capital como instrumento de alteração nas relações de produção, de tal forma que, a luta entre o interesse do capitalista e do trabalhador se torna proeminente em nossa sociedade. Esse assunto, no entanto, não é objeto de estudo deste trabalho.

Dessa forma, essa seção tem o intento de apresentar, de forma simples, como os “pais” da teoria neoclássica pensaram sobre a questão de conflito entre as classes e a relação entre a produtividade dos fatores de produção e a distribuição da renda e da riqueza, considerando esta abordagem de uma sociedade atomizada.

Em primeiro lugar, podemos observar a posição de Jevons a partir da premissa de que a sociedade capitalista é uma sociedade harmoniosa. Sobre essa questão, o autor possuía uma crítica direta a autores como David Ricardo e John Stuart Mill, com destaque para a teoria do capital de Ricardo.

Como apresentado no capítulo um, seção 1.4, Ricardo defendia a tese da existência de uma contradição na distribuição da renda entre o capital, o trabalho e a renda da terra135. Como já apontamos, o autor formulou a ideia de que a produção é igual a renda que, por sua vez é igual ao salário mais o lucro mais a renda da terra e que essa relação era permeada por um conflito inerente. No entanto, na concepção de Jevons não existe uma relação conflituosa entre a produção e distribuição da renda, isso, porque nas palavras do autor:

Todo trabalhador tem de ser considerado, bem como todo proprietário de terra e todo capitalista, uma pessoa que traz, para a riqueza comum, uma parte de seus elementos componentes, tentando conseguir a maior participação na produção que as condições do mercado lhe permitam exigirem (Jevons, 1871, p. 68 - 69).

Jevons argumentou que cada pessoa contribui para a produção e como depois de produzir o produto em sua transformação em renda são divididos entre a sociedade, no caso do autor, essa relação é erigida sob a harmonia social para o crescimento econômico, ao contrário de um cenário de disputa – subentendido na formulação de Ricardo. Em outras passagens do livro “A teoria da economia política” (1871), Jevons faz algumas indagações críticas sobre a tese de apropriação da renda, notadamente, o pressuposto ricardiano de que a taxa de lucro é inversamente proporcional ao salário, na função onde o produto é igual à ao lucro mais o salário, mais a renda da terra, mais a renda dos juros do capital, como a seguir:

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Mais tarde foi gerada uma série de debates sobre o assunto com base na teoria de Ricardo, tal como em Marx – que parte para a formulação de sua teoria sobre o capital a partir de Ricardo.

Também se obtém um resultado simples da fórmula, pois sabemos que, se os salários aumentam, os lucros têm de diminuir e vice-versa. Essa doutrina é, porém, radicalmente falaciosa… Os salários de um operário acabam sendo iguais ao que ele produz, após a dedução da renda da terra, dos impostos e dos juros do capital (Jevons, 1871, p. 256 )

Cabe, corretamente, aos capitalistas manterem os operários até que se atinjam os resultados e, como muitos ramos de indústria exigem uma grande despesa muito antes de obter qualquer resultado definido, os capitalistas têm de correr o risco em qualquer ramo de indústria em que os lucros finais não sejam conhecidos precisamente… A quantidade de capital dependerá do volume dos lucros previstos, e a concorrência para conseguir os operários certos tenderá a assegurar ao operário sua participação legítima na produção final (Jevons, p. 257 – 258, 1871).

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Com isso, Jevons inicia uma proposição sobre a ordem econômica onde não existe conflito de classes. O que ocorre na verdade é uma distribuição justa e legítima sobre o que cada indivíduo contribui para a produção global. Dessa maneira, Jevons via no capitalista o procurador do trabalhador, que, por conseguinte, fazia com que o produto social aumentasse.

Outro “pai” fundador do pensamento marginalista – Menger – estabeleceu que os insumos são pagos segundo sua produtividade. Menger fez a afirmativa que viria a caracterizar quase todas as versões da economia da produtividade dos fatores de produção, dentro do pensamento neoclássico, até os dias de hoje. O autor elaborou a ideia de que contribuição relativa para a produção é formada pelos diversos insumos até à chegada ao valor total da produção.

O real problema teórico surge quando se assume que a remuneração de cada fator de produção é igual à sua contribuição ao produto, ou seja, nesse caso, não ocorreria qualquer excedente do trabalho a ser expropriado por qualquer pessoa ou classe (tendo em vista que para a teoria neoclássica não existe classe).

Nessa mesma linha de argumentação, Menger não sentia necessidade de explicar a existência da propriedade, pois, para ele, isso era algo natural do próprio homem, pois "a harmonia das necessidades a que cada família procura satisfazer se

reflete em sua propriedade" (Menger; 1871; p. 75); ou seja, um mero reflexo das

Menger também não sentia nenhuma necessidade de explicar a renda da terra, o juro ou o lucro. Isso, porque esses elementos da sociedade capitalista representavam, para ele, simplesmente, a própria necessidade do sistema, assim como a necessidade dos indivíduos e, portanto, segundo ele, de sua própria natureza136. Dessa forma, cabia às pessoas aceitarem a realidade do sistema como algo determinado, como nas palavras do autor a seguir:

Uma das indagações mais estranhas e que se transformou em debate científico foi decidir se a renda da terra ou o lucro são justificados de um ponto de vista ético ou se são "imorais"... Onde quer que os serviços da terra e do capital tenham um preço, esse preço será sempre uma consequência do seu valor, e o seu valor para os homens não resulta de julgamentos arbitrários, mas é uma consequência necessária da situação econômica em que eles surgem, e serão obtidos mais seguramente quanto mais desenvolvido for o sistema jurídico de um povo e quanto mais elevada for a moral pública (Menger, p. 173 – 174, 1871)

No mesmo campo de heurísticas de Jevons e Menger, temos Walras. Tal como os outros economistas neoclássicos, Walras, aceitou como dado a existência da distribuição da propriedade e dos serviços produtivos como a terra, o trabalho e o capital.

Assim como Menger, ele partia da ideia de que a propriedade era algo natural da sociedade, ou seja, a propriedade privada era simplesmente correta e justa. Nas palavras de Walras temos a seguinte afirmativa: "a propriedade [...] é uma

apropriação legalizada ou de conformidade com a justiça". Em outra passagem

Walras afirma: "A propriedade consiste em apropriação justa e racional, uma

apropriação certa" (apud Hunt; 2012; p. 380). Ou seja, a despeito de Walras não

aprofundar tanto sobre essa questão, Hunt (2012) destacou que a linha lógica de Walras vai ao encontro da proposta de Menger sobre a produção e sua distribuição.

Antes de avançar, vale destacar que a proposta geral do livro sobre o equilíbrio geral de Walras é a de que este equilíbrio atue enquanto norma a ser seguida ou ideal a ser alcançado. No entanto, diversas propostas do autor foram

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O pensamento de Menger contrasta, por exemplo, com a explicação de Irving Fisher, que afirma que a taxa de juros faz parte da recompensa da pessoa trocar o consumo presente pelo consumo futuro.

apropriadas pelo pensamento neoclássico como parte de sua estrutura teórica e do funcionamento real da economia.

Nessa mesma linha argumentativa, temos um dos autores que fundaram o pensamento neoclássico e que nos auxilia nessa indagação a respeito da relação produtividade e distribuição: Gossen. O autor lança o argumento ideológico sobre a relação entre produção e distribuição que vai ao encontro das propostas de Jevons e Menger, conforme a baixo:

Upon removal of all obstacles that interfere with not only each person’s most purposive use of Money but also his choice of productive activity that, under the circumstances, is most advantageous to him, each person will receive a portion of the means of employment that corresponds exactly to the burden assumed by him in the productive processes. Thus what socialist and communists conceive to be the highest and ultimate aim of their efforts is accomplished here by the cooperation of the forces of nature (p. 114, apud, Mirowoski, 1991; p. 216)

Podemos observar nessa referência a atribuição de que o livre desenrolar das forças do mercado geraria o máximo de eficiência. Isso, inclusive, sobre a ótica de sua distribuição, pois, a remuneração dos indivíduos se conciliaria com sua oferta para a sociedade, de tal maneira que o ideário socialista ou comunista seria alcançado pela própria “liberdade” do mercado, tal como afirmado por Gossen.

Por fim, podemos retornar a Walras que relaciona o direito da propriedade com o princípio de equilíbrio geral e, por conseguinte o desenvolvimento da concorrência perfeita. O modelo apresenta que cada fator de produção recebe segundo sua contribuição para o produto global. Dessa forma, o princípio de equilíbrio geral possibilita uma arguição de que cada indivíduo receberá segundo sua contribuição social e, novamente, inexiste apropriação da renda alheia. A novidade do modelo de equilíbrio geral é que com ele a metafísica sobre o sistema capitalista cria uma identidade retórica de inexistência de conflitos e problemas na ordem social. É importante observar que o princípio de equilíbrio econômico ordena e mantém a consistência lógica dessa representação de uma sociedade harmoniosa, ou seja, sem apropriação da renda e da riqueza alheia. Portanto, podemos perceber como o modelo da física, aplicada à economia – numa lógica de equilíbrio –, permeia a retórica, inclusive sobre a construção teórica sobre o que

seria justiça social e sobre como melhor alcançá-la. É claro que o livre mercado e a competição atomizada seriam a melhor forma de se alcançar esse sistema mais igualitário.

Com esse constructo teórico e argumentativo, negou-se qualquer relação de exploração social – tal como, notoriamente refletido na questão entre produção e distribuição da renda no último quartel do século XIX. O mais estranho de tudo isso é que o modelo apresentado possuía/possui em seu discurso lógico a ideia de que ele representa a naturalidade das relações de mercado, ou seja, essa equidade seria alcançada, em certa medida, pelo próprio processo natural da economia, no máximo requerendo atuações a fim de preservar essa livre concorrência.

Visto como esses autores pensavam sobre o ordenamento social, a propriedade privada, a contribuição dos fatores de produção e, por sua vez, a distribuição do produto desses fatores, na próxima seção poderemos observar como esses elementos se incorporam para a construção da teoria da concorrência neoclássica.

2.1.7 Conclusões sobre os pressupostos de neutralidade da ciência econômica