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2) Toda ação gera uma reação oposta, igual e em sentido contrário: investigação

2.1 Mecânica clássica, valor utilidade, cálculo infinitesimal, harmonia social e o

2.1.3 Processo de troca e sua essência natural: Walras

A trajetória do desenvolvimento teórico de Leon Walras (1843 – 1910) perpassa pela ideia de avançar nas ideias iniciais de seu pai, August Walras (Mirowoski, 1991). Esse desenvolvimento está centrado na concepção sobre a forma como os preços são determinados, a saber, segundo o grau de raridade dos bens. Para o desenvolvimento dessa ideia, Walras buscou constantemente – já em seus trabalhos iniciais – desenvolver a relação entre a física e a economia122

. Segundo Mirowoski (1991), nesse propósito, Walras realizou sua primeira tentativa em matematizar o conceito de rarété em 1860. Nesse trabalho, Walras tenta realizar uma analogia com a física de Newton, em sua teoria gravitacional123, e a relação entre oferta e demanda na determinação dos preços: “price of things is in inverse ratio to the quantity offered and in direct ratio to the quantity demanded (Walras; 1965; p. 216 – 217; apud; Mirowoski; 1991; p. 255).

Num outro exemplo da pesquisa de Walras, o autor estabeleceu a relação entre forças e raridades de um lado e energias e utilidade de outro, como a seguir:

“Também já foi assinalado que das forças e raridades geram-se vetores, de um lado; e que das energias e utilidades geram-se quantidades escalares, de outro lado”

(Walras, 1960, p. 7; apud, Mirowoski, 1984, p. 5).

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Segundo Mirowoski (1991) August Walras tinha a intenção de explorar a relação entre espaço, velocidade e tempo e aplica-lá a economia. Na passagem a seguir do próprio August Walras temos sua observação: “Just as speed is the ratio of distance covered to the time taken to cover it, so rarété is a ratio of the sum of wants to the total supply of goods available to gratify the wants”(In Black et al. 1973, p. 123 apud Mirowoski 1991, p. 255).

123 Citação de Miowoski: “One observes here na attempt to appropriate the Newtoniam force law F =

G(m1m2/r²); more importante observes Walras rummaging through the schoolboy formuas of his youth trying to relate force to price” (Mirowoski; 1991; p. 255).

Mirowoski (1991) ainda acrescenta: “… Walras did not give up, and the

motivation that kept him going was not the specific ideas expressed in a particular model, but rather the ideal to imitation of physics (Mirowoski, 1991, p. 255). Nesse

mesmo sentido apresentado acima podemos reproduzir a passagem de Sampaio (2008):

O projeto walrasiano de construção de uma economia pura em um formato eminentemente matemático, aos moldes da mecânica clássica e da astronomia, culmina com a publicação do Éléments d´Économie

Politique Pure, em 1874. (Sampaio, 2008)

Com a plena utilização do modelo físico aplicado à economia, criou-se a possibilidade da construção de uma interpretação da integração da economia em seus mais diversos mercados. Portanto, a grande contribuição de Walras foi a de ter organizado um sistema teórico cujo mercado se equilibra como um todo, na sua multiplicidade de relações, em um único preço, e não somente em nichos de mercado, tal como nas teorias que o antecederam, de tal forma que o setor da produção/consumo e monetário se igualam. O economista francês percebeu e criou um sistema lógico e dedutivo, apresentando a interdependência entre os diferentes mercados.

A despeito de Jevons e Menger terem observado que a demanda do consumidor dependeria do preço e da quantidade desses bens, os mesmos ainda não tinham argumentado sobre como isso afetaria os múltiplos mercados. Isso, porque estes autores não haviam desenvolvido o argumento de que o máximo de bem-estar obtido por um indivíduo dependeria, por sua vez, que a utilidade marginal daquele bem e o seu preço se igualassem à mesma razão de todos os demais bens, ou seja, não apresentaram que a escolha por um bem representa uma relação entre os demais, por isso a necessidade de estabelecer a razão de utilidades, o que no caso dos autores seria o mesmo que o preço.

Essa demonstração só poderia ser realizada com o modelo de equilíbrio geral, um modelo integrado dos diversos mercados (Hunt, 2012). Deste modo, a demanda de cada consumidor também estaria relacionada com a demanda de todos os outros preços dos bens. Hunt expõe a observação de Walras do seguinte modo:

Por isso, era preciso uma teoria geral da determinação dos preços. Por essa teoria, todos os preços teriam de ser determinados simultaneamente, tanto pelo total das utilidades de todos os consumidores quanto pelas inter-relações que existissem entre todos os mercados (Hunt, 2012, p. 378).

Portanto, sua teoria demonstrava que todos os mercados deveriam ser determinados de forma conjunta, tanto pelo lado das preferências dos consumidores, quanto pelas interações competitivas entre os distintos mercados. No entanto, essas interações não estavam restritas ao lado da demanda, mas incorporavam também pelo lado da oferta. Walras tentou mostrar, de forma unitária, como a demanda e a oferta se relacionam para a formação de um equilíbrio geral e na determinação da escassez.

Para o funcionamento do modelo de equilíbrio geral, Hunt (2012, p. 380) destaca duas suposições que estruturam a teoria de Walras; a primeira se refere à naturalidade que o autor atribuía à propriedade do capital, pois, segundo ele, a constituição das três classes produtoras, divididas pela terra, pelo trabalhador e pelo capital eram inerentes à realidade humana, e, portanto, naturais à sua construção social. Desse modo, as trocas entre os consumidores e produtores eram vistas pelo autor do seguinte modo:

[...] qualquer valor de troca, uma vez estabelecido, compartilha do caráter de um fenômeno natural, natural em suas origens, natural em suas manifestações e natural em sua essência (Walras, 1874, p. 63)124.

Observemos a relação entre a proposta de Walras e Smith. Ambos autores identificaram que o processo de troca na economia era fundado segundo uma essência das relações humanas, ou seja, algo imutável e inerente à humanidade.

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Hunt (2012, p. 380) ressalta o contraste entre o princípio de determinação de valor na teoria da utilidade e da do valor do trabalho. Onde segundo a tradição neoclássica os preços são naturais e na tradição clássica os preços são fenômenos sociais. Mesmo que se deva reconhecer as diferenças interpretativas sobre o “social”, esta se apresenta de forma mais completa na obra de Marx, que acaba com remanências de uma “naturalidade” na formação dos preços.

O segundo aspecto foi à suposição de uma concorrência atomista: a concorrência perfeita125, que tem como mecanismo lógico a existência de diversas firmas competindo em um mesmo mercado, com bens homogêneos. Assumindo que nenhuma dessas empresas fosse relativamente grande em relação ao tamanho do mercado, as empresas não teriam poder para colocar os preços acima do preço do mercado. Devido ao número de competidores, não seria possível que qualquer um deles colocasse o preço acima de seu custo marginal, pois, no caso, outro empresário aumentaria a oferta até o novo ponto de equilíbrio.

Essa apresentação unificada do sistema de oferta e demanda que observou a estrutura da concorrência, formação de preços e a distribuição da renda126, tinha o propósito, segundo Sampaio (2008, p. 55 - 56), de apresentar que o princípio de equilíbrio geral do mercado gera o maior nível de eficiência econômica, de tal modo que o projeto de Walras era o de apresentar de forma “rigorosa” e matemática a superioridade da livre concorrência.

Ainda segundo Sampaio (2008) a proposta do modelo de equilíbrio geral tinha a função de atuar como referência normativa para o funcionamento do mercado, ou seja, dada a apresentação lógica matemática, da “superioridade” da livre concorrência atomista, o Estado deveria buscar e zelar o máximo possível para que esse ideal econômico se concretizasse – o mais próximo possível da interpretação de seu modelo – com leis e regras para tal ordenamento, como a seguir:

Para Walras, a lei de determinação do preço em seu nível de equilíbrio garante a realização de seu ideal social na forma de um mercado competitivo, em conjunto com as condições de maximização da utilidade. Deste ponto de vista, Walras compreende a competição como sendo um ideal normativo, para o qual o funcionamento efetivo do mercado deve ser direcionado. (Sampaio, 2008, p. 57).

O modelo de equilíbrio geral gerou um sistema de equações, que é, por definição, uma identidade matemática. Dessa forma, os preços de todos os bens demandados devem ser iguais à oferta de todos os bens transacionados:

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Walras ainda chegou a tratar dos monopólios e oligopólios e que eles não poderiam ser interpretados segundo o modelo de equilíbrio geral. Contudo, a despeito desse comentário, o autor não tentou estabelecer um paralelo entre a teoria do equilíbrio geral e o oligopólio/monopólio.

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É uma consequência da definição de oferta e demanda, porque, em um determinado conjunto de preços, a vontade de trocar implica, em termos de definição, a vontade de adquirir algo àqueles preços (demanda), desistindo de algo (oferta) de mesmo valor. Portanto, toda demanda individual é, ao mesmo tempo, uma oferta de alguma quantidade e, por isso, se essas procuras e ofertas individuais forem agregadas, os totais terão de ser iguais. (Walras, 1874 usa a palavra oferecimento, em lugar de oferta, p. 382)

A passagem de Walras referente a esse tema é a seguinte:

A demanda efetiva ou a oferta efetiva de uma mercadoria em troca de outra é igual, respectivamente, ao valor do oferecimento efetivo ou ao valor da demanda da segunda mercadoria multiplicado por seu preço em termos da primeira […]. Na verdade, a demanda deveria ser considerada o principal fato; e o oferecimento, um fato acessório, em que duas mercadorias são trocadas uma pela outra espécie. Ninguém faz um oferecimento pelo simples fato de fazê-lo. A única razão pela qual se oferece alguma coisa é que não se pode demandar algo sem se oferecer algo. O oferecimento é apenas uma consequência da demanda. (apud Hunt, 2012, p. 382, Walras, 1874)

Como já dito, por definição, a oferta deve ser igual à demanda. No entanto, Hunt (ibid, p. 382) observa certa confusão entre a lei de equilíbrio de Walras em relação à lei de Say. A lei de Say afirma que, caso haja demanda para todas as mercadorias produzidas, as mesmas serão demandadas, pois todo ato de produção significa uma demanda pelos próprios produtores. No entanto, isso não é uma realidade para lei de Walras, pois esta apenas observa que as duas identidades supracitadas devem ser iguais. Todavia, o excesso de demanda no mercado de bens poderia afetar o mercado monetário, por exemplo. Dessa maneira, aumentar- se-ia a demanda por moeda e títulos, inflando seus preços127.

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No caso, essa relação se assemelha à TQM de Hume e não à proposta de Say – como veremos na seção 2.3.

Nesse caso, haveria um excesso de oferta de produtos equivalente a uma demanda excessiva por moeda. Portanto, haveria uma “superprodução” geral de mercadorias (para usar o termo de Malthus), muito embora a lei de Walras ainda continuasse válida. De fato, dado qualquer conjunto de preços, a lei de Walras sempre será válida, mesmo quando todos os mercados estejam, individualmente, em desequilíbrio (Hunt, ibid, p. 382).

Portanto, a questão remanescente sobre o equilíbrio geral de Walras se encontra na seguinte questão: qual o mecanismo que possibilita o funcionamento de uma economia em equilíbrio geral? Pode-se supor que haja uma produção acima da “demanda desejada”, mas, nesse caso o que possibilita o ajuste entre demanda e oferta?

Segundo o autor francês – na seção VII, em que ele trata de uma economia que ele acredita ser dinâmica – o processo de ajuste ocorre como em um tatear da economia. O ponto inicial da análise sempre se daria em um ponto de equilíbrio e as alterações na demanda implicariam aumento no preço dos bens e serviços pelo lado da oferta, sendo a recíproca também verdadeira. Essa alteração de preço levaria, automaticamente, as firmas a se ajustarem, aumentando a oferta dos setores onde ocorreu aumento da demanda, de tal modo a reequilibrar o mercado, como a seguir:

Os movimentos ascendentes e descendentes dos preços, juntamente com o fluxo efetivo de empresários de empreendimentos que dão prejuízo para empreendimentos que dão lucro, são, pura e simplesmente, um método de ”tatear” em busca de uma solução para as equações representadas por esses problemas. (Walras, 1874, p. 44)

Para que esses ajustes fossem possíveis era necessário o atomismo concorrencial. No entanto, a realidade já demonstrava, há muitas décadas, que os oligopólios e monopólios tendem a reduzir a oferta diante de uma queda na demanda, e não de uma redução dos preços, como preconizado pela teoria do equilíbrio geral.

Ainda sobre o atomismo competitivo, vale fazer um parêntese. O início da teoria marginalista e seu processo de aceitação pelos economistas foram contemporâneos à era marcada pelo início da forte concentração do capital, com grandes empresas monopolistas e oligopolistas, e com o aparecimento de alguns

dos homens e famílias mais ricas da história da humanidade, com suas grandes empresas128.

Por meio dessa concentração de capital, apareceram indivíduos e famílias extremamente ricas, como nos Estados Unidos: Cornelius Vanderbilt, John D. Rockefeller, J.P. Morgan, Andrew Carnegie; a família alemã Rothschild, entre outros (na verdade nem tantos). Tais magnatas, por sua vez, dominavam setores de extrema relevância da economia, como o de transporte ferroviário, da produção de querosene, do setor financeiro, entre outros. Todos eles de forma oligopolista e muito distantes de qualquer paralelo com a concorrência perfeita.

Por isso, deve-se afirmar que a apresentação teórica de Walras, de equilíbrio atomista, estava em flagrante contradição com o avanço do capitalismo de sua própria época. O modelo de equilíbrio geral Walrasiano se apresentava de forma etérea, sem significado ante a dinâmica capitalista de seu próprio tempo. No caso, o autor não reconheceu uma das principais forças motrizes no processo de crescimento econômico, tal como Marx (1867), que o antecedeu, havia percebido como um fato notório do desenvolvimento da força produtiva no capitalismo, e, como, posteriormente, Schumpeter (1946) também observou em seu livro “Capitalismo, Socialismo e Democracia”.

Sob o ponto de vista da produção, o sistema oligopolista e monopolista regula pontos essenciais do sistema de troca, da distribuição da renda e da acumulação de capital. No entanto, ao invés de tratar sobre a realidade, Walras preferiu criar um modelo hipotético normativo; contudo, nessa tentativa ele acabou criando, na realidade, uma metafísica da economia, que possibilitava um arranjo teórico unitário e “elegante”, porém destituído de conteúdo real, ou seja, historicidade.

Assim como Jevons e Menger, Walras também tinha o interesse de tornar a ciência econômica uma ciência positiva, neutra – como quase todos os economistas neoclássicos. Deste modo, seus trabalhos representam o que ele denominava de ciência pura: “Na verdade, a característica distintiva de uma ciência é a completa

indiferença diante das consequências, boas ou más, com que ela se dedica à busca da verdade pura” (Walras, 1874, p. 52).

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Tal processo foi amplamente observado por Marx, contemporâneo a Walras, na sua principal obra: “O Capital”.

Por fim, podemos citar autores, como Possas (1984), que afirmam que o modelo de Walras representa a síntese do modelo teórico neoclássico. Nesse caso, poder-se-ia afirmar que se trata de um “arquétipo” dessa teoria, tendo em vista que ele construiu um modelo que sintetiza as diversas relações econômicas: de consumo, produção e da moeda sob a égide do equilíbrio. Nesse aspecto, o modelo de equilíbrio geral representa a unidade de toda teoria neoclássica, na medida em que todos os mercados – monetário e produtivo – se ajustam.