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2) Toda ação gera uma reação oposta, igual e em sentido contrário: investigação

2.1 Mecânica clássica, valor utilidade, cálculo infinitesimal, harmonia social e o

2.1.2 A troca como uma alavanca: Jevons

Willian Stanley Jevons (1835 – 1882) estudou química, matemática e lógica na University College London, um instituto de ensino com forte influência do pensamento de Benthan na época (Fonseca, 2016). Mirowoski (1991) relata que Jevons possuía conhecimento sobre a física de sua época – tendo em vista que o mesmo almejava se tornar engenheiro – e sobre o debate a respeito da unificação dos campos da física clássica por intermédio da ideia de energia. Existem algumas evidências de que Jevons tinha familiaridade com os escritos dos físicos Thomson e Joule sobre a conversibilidade do calor em energia mecânica o que, por sua vez, levou ao enunciado da ideia de conservação da energia. Além disso, também existem evidências de que Jevons conheceu Joule pessoalmente quando ele morou em Manchester (Mirowoski, 1991). Dessa maneira, segundo Mirowoski (1991) Jevons foi um dos primeiros economistas que auxiliaram na “construção” do sonho

de Laplace, tendo em mente a forte influência da concepção de energia da física de

meados do século XIX.

Segundo Jevons, suas ideias sobre economia tinham o intuito de construir uma ciência matemática para a economia, tendo em vista que, segundo ele, a economia tratava de observações sobre quantidades. Para o autor: “parece-me que

nossa ciência deve ser matemática, simplesmente porque lida com quantidades (Jevons, 1879, p. 48)”.

Jevons ainda entendia que com o avanço da base de dados da estatística na economia seria possível reproduzir um sistema no qual as relações econômicas se tornariam uma ciência puramente matemática, à semelhança da física, como o autor expressa a seguir: “(...) não sei quando teremos um perfeito sistema de estatísticas,

mas sua falta é o único obstáculo insuperável no caminho para transformar a economia numa ciência exata” (Jevons, 1871, p.33).

Dessa forma, na época, a síntese utilizada entre a matemática e a ciência social para uma análise econômica foi possível graças à aplicação dos conceitos de equilíbrio matemático – oriundos da física clássica e posteriormente com a apropriação da ideia de energia da física (Mirowoski, 1991) –, e com forte influência da lógica da mecânica clássica, por sua vez, combinado com o instrumental da filosofia utilitarista que já possuía a predisposição de utilizar o instrumental matemático em sua metodologia. Jevons observou esse fato e descreveu que o livro: “A introduction of the principles of morals and legislation”, de Bentham, era inteiramente matemático na natureza e no método (ibid, p. 52). Portanto, deste modo, foi possível conjugar a busca pela felicidade com o cálculo de maximização, que procura o máximo de prazer e o mínimo de dor, como prerrogativa metodológica para o funcionamento e o comportamento dos agentes econômicos. Isso decorre, segundo Jevons, do fato de que a filosofia utilitarista trata de relações infinitesimais entre prazer e dor117.

Como a filosofia utilitarista trata de um processo de maximização na busca pela felicidade, tal percepção filosófica sobre a vida poderia ser aprofundada, metodologicamente, de tal modo a utilizar o mesmo método da mecânica clássica, a fim de entregar o máximo de bem-estar social às pessoas – por exemplo, o modelo

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de bem-estar social de Pareto118119. Deste modo, Jevons vislumbrou sob a égide da moral utilitarista que seria possível construir uma teoria econômica positiva – tal como a tradição que vinha desde Decartes120 e Galileu –, aplicando uma matemática de equilíbrio com origens na física. Segundo ele, a economia também tratava de relações infinitesimais de prazer e dor, logo, o cálculo da derivada e da integral seria plenamente pertinente para esse campo de heurística na economia.

De acordo com Rebelo (1996) e Figueiredo (et al. 2005), Jevons defendia a matemática somente como instrumento auxiliar na teoria econômica, tendo em vista a complexidade da economia, como na passagem a seguir:

Com efeito, a economia, tratando de quantidades, sempre foi, por necessidade, matemática em seu tema, mas a expressão rigorosa e geral e a compreensão fácil de suas leis quantitativas foram dificultadas devido a um desprezo por aqueles métodos poderosos de expressão que foram aplicados com tanto sucesso na maioria das outras ciências. Não se deve supor, contudo, que, porque a economia se torna matemática na forma, ela irá, portanto, tornar-se um objeto de cálculo rigoroso. Seus princípios matemáticos podem tornar-se explícitos e exatos, enquanto seus dados particulares permanecem inexatos como sempre (Jevons, 1871, p. 179).

Entretanto, Jevons afirma que a matemática não é necessariamente uma ciência exata. Na verdade, existe uma diferença entre o que ele chama de ciência matemática e ciência exata. A ciência exata – de forma tautológica – tem a função de trabalhar com relações exatas, precisas, enquanto a matemática tem a tarefa de estabelecer relações entre os conjuntos de fenômenos quantificáveis. O autor destaca que, tal como na física, existem simplificações na economia que não são necessariamente exatas: “A maior ou menor acuidade atingível numa ciência

matemática é questão casual e não afeta o caráter fundamental da ciência (Jevons, 1871, p. 50)”, ou seja, uma ciência que trata de relações numéricas.

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O princípio de Bentham sobre a utilidade e sua relação com a matemática é sintetizada a seguir: “Somemos os valores de todos os prazeres de um lado, e os de todos os sofrimentos, de outro. O

saldo, se estiver do lado do prazer, resultará em boa disposição do conjunto, em relação ao interesse daquela pessoa particular; se estiver ao lado do sofrimento, resultará em má disposição no conjunto (apud Jevons; 1871; p. 37)”

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Como pode-se observar o modelo de ótimo social de Pareto segue a lógica Smithiana na busca hedonista por prazer, como constructo teórico para a construção do homem econômico.

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Descartes acreditava que todas as teorias poderiam ser formuladas pela matemática, portanto, todas as ciências deveriam avançar para utilização da matemática.

Portanto, a despeito da precisão ou imprecisão da matemática, o intuito e o eixo central do trabalho de Jevons e da teoria marginalista no geral, é o de estabelecer relações matemáticas de equilíbrio, sejam elas automáticas,

clearmarket, ou tendenciais de equilíbrio no longo prazo. De tal forma a criar uma

ciência econômica que seja “pura” e “científica”, tal como o pensamento positivista difundia na época.

Sobre a tendência ao equilíbrio de mercado, na passagem a seguir fica explícita a influência das leis da física – notadamente a lei da gravitação de Newton – para a definição do valor utilidade:

Utility only exist when there is on the one side the person wanting, and on the other thing wanted … Just as the gravitating force of a material body depends not alone on the mass of that body, but upon the masses and relative positions and distances of the surrounding material bodies, so utility is an attraction between a wanting being and what is wanted (Jevons; 1981, VIII, p. 80; apud; Mirowoski; 1991; p. 219)

Em outra metáfora e analogia, Jevons relatou a proximidade entre a economia marginalista e a física clássica, como a seguir:

Neste trabalho tentei tratar a economia como um cálculo do prazer e do sofrimento [...]. A teoria da economia, tratada dessa forma sugere uma estreita analogia com a ciência da mecânica estática, e verifica- se que as leis de troca se assemelham às leis de equilíbrio de uma alavanca ... (Jevons, 1871, p. 16)

Numa outra menção de Jevons, entre a relação do valor utilidade e a física o autor realizou a importante referência como a seguir: “The notion of value is to our Science what that of energy is to mechanics (Jevons, 1905, p. 50, apud Mirowoski, 1991, p. 219)”. Nessa passagem fica claro a apropriação da física de meados do século XIX

pela economia neoclássica.

Nesse ambiente de influência teórica, Mirowoski (1984) argumentou que muito mais do que um floreio retórico ao utilizar conceitos e formula da física, com o intuito de ilustrar sua teoria econômica, esses argumentos advindos da física são, na verdade, a força ordenadora de seu próprio modo de pensar a economia. Ou seja, para Mirowoski a física de

meados do século XIX era o elemento que unificava a teoria de Jevons, assim como a teoria neoclássica. Na passagem abaixo mais uma vez Jevons relaciona sua teoria de preços a teoria gravitacional de Newton:

A utilidade não existe quando temos de um lado a pessoa que necessita e de outro lado a coisa solicitada... Assim como a força gravitacional de um corpo material depende não apenas da massa desse corpo, mas das massas, posições relativas e distâncias dos corpos materiais próximos, também a utilidade é uma atração entre o ser que necessita e aquilo que é solicitado (Jevons, 1981, VII, p. 80;

apud, Mirowoski, 1984, p. 4).

Desmiuçando ainda outras relações de equilíbrio na obra de Jevons, ainda se pode apresentar como o autor realizou o “casamento” entre a teoria utilitarista marginalista e a mão invisível do mercado de Adam Smith (Hunt; 2012, p. 363). Como o princípio da mão invisível do mercado, por meio de um artífice “genial”, é compatível com a busca individual pelo máximo de bem-estar, o processo de troca, em que se maximiza a felicidade para cada indivíduo121, traz consigo o máximo de utilidade para todos. Deste modo, a busca pela felicidade, na lógica hedonista, é a primazia da mão invisível do mercado na economia e, desse modo, permite o máximo de bem-estar para a sociedade em geral.

Quem paga um preço alto tem de estar precisando muito do que está comprando ou precisando muito pouco do dinheiro que paga; qualquer que seja o caso existe um ganho na troca. Em questões desse tipo, só existe uma regra que pode ser estabelecida com segurança: a de que ninguém compra, a não ser que espere obter uma vantagem com essa compra; portanto, a perfeita liberdade de troca tende a maximizar a utilidade. (Jevons, 1871. p. 36)

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Para Jevons a busca pelo máximo de felicidade ocorria dentro de uma sociedade harmônica, portanto, não fazia sentido estimular o conflito entre classes, pois isto não existia. Na verdade, segundo seus postulados, assim como para Walras, não existia apropriação de riqueza quando cada fator de produção recebia exatamente aquilo que havia contribuído para a produção e o comércio. Jevons afirmou isso como crítica ao pensamento de Ricardo. Menger também vai no mesmo sentido quando afirma que cada insumo custava o equivalente ao valor de sua contribuição para a produção (Hunt, 2012, p. 372). Note que o princípio de equilíbrio econômico leva consigo uma ética metafísica, extraterrena – no sentido em que se distancia da realidade – e afirma que cada indivíduo recebe exatamente de acordo com sua contribuição para a sociedade. Tal princípio contrasta com a teoria do valor do trabalho, que reconhece o trabalho social como formador da riqueza humana. Marx e Ricardo, quando constroem a teoria do capital, apresentam como o trabalho é o único elemento de acumulação do capital. A teoria neoclássica cria uma metafísica do capital, onde este é destituído de seu processo histórico de formação se torna um ente abstrato, sem materialidade de seu objeto de estudo. Talvez essa seja uma das grandes marcas do afastamento teórico com a realidade da teoria neoclássica.

Como podemos observar nessa citação quando Jevons resgata a filosofia utilitarista e a coloca como elemento essencial no ordenamento do funcionamento do livre mercado, passou a existir um “casamento” entre esses dois aspectos. Isso, porque na busca do máximo de prazer próprio individualmente – dado o livre funcionamento do mercado – a sociedade obterá, por consequência o máximo de bem-estar coletivo.