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3) O crescimento autodeterminado, “natural”: investigação sobre a teoria do

3.2 Estranhamentos no pensamento neoclássico entre a concorrência e a

endógeno.

Romer, em 1994, escreveu o artigo The Origins of Endogenous Growth, onde apresentou um resumo histórico das inquietações e questionamentos de vários economistas ortodoxos ao longo da década de 1980 e início dos anos 1990, a respeito do processo de crescimento econômico nos modelos neoclássico.

De acordo com o autor, os modelos de crescimento endógeno surgiram a partir de duas críticas ao modelo de crescimento exógeno: a primeira se refere ao pressuposto de convergência da renda mundial; e a segunda se deve ao pressuposto de concorrência perfeita a nível agregado (Romer, 1994, p. 4).

Segundo o próprio autor, no seu artigo de 1994, dois pressupostos fundamentais adotados pelos economistas neoclássicos não passam de repetições escolásticas, que se reproduzem ao longo de diversos cursos de economia e afastados metodologicamente da realidade, como a seguir:

The first concerns what has been called the convergence controversy. The second concerns the struggle to construct an alternative to perfect competition in aggregate-level theory. These accounts are not surveys. They are descriptions of the scholarly equivalent to creation myths, simple stories that economist tell themselves and each other to give meaning and structure to their current research efforts (Romer, 1994, p.3).

Os artigos de Romer de 1986 e de 1989197 tratam de uma crítica a esses dois

mitos da teoria neoclássica, tal como a análise realizada por Lucas, em 1988, sobre os rendimentos decrescentes. Snowdon e Vane (2005, p. 586 – 587) acrescentam que o aparecimento das teorias de crescimento endógeno ocorreu graças a doze fatores198, com destaque para dois deles, quais sejam: o aparecimento de novos

instrumentais matemáticos e as pesquisas originais de Romer (1986) e Lucas (1988). Os dois pontos de Snowdon e Vane (2005, p. 586 – 587) estão a seguir:

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Increasing Returns and Long-Run Growth, 1986; e, Endogenous Technological Change., 1989.

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1. A base de dados foi construída para uma grande amostra de países, como os dados da Summers e Heston (1990) e Madisson (2001);

2. Um grande número de países não estava convergindo sua renda, principalmente os países da África Subsaariana em relação aos países da OCDE. Na verdade, ocorria o oposto para a maior parte dos países.

Dado que o arcabouço crítico desses dois autores está centrado nessas duas perspectivas – convergência da renda mundial e concorrência perfeita –, a estrutura dessa subseção também será organizada dessa forma, de modo a apresentar os elementos centrais das respectivas análises, tal como, a observação dos autores supracitados sobre o crescimento e o setor externo. Dessa maneira, espera-se apresentar como, em alguma medida, esses dois artigos criticam o modelo lógico de concorrência perfeita. Além disso, pretende-se apresentar como esses modelos, a despeito de algumas mudanças relevantes, ainda estão sob à égide do equilíbrio econômico.

3.2.1 O mito da convergência da renda mundial e a concorrência perfeita

Enquanto reflexão histórica, em uma autocrítica do pensamento neoclássico, as teorias de Romer e Lucas se deflagram como resposta à não-convergência das rendas dos diferentes países e de seus modelos derivados da tradição neoclássica199. Tal convergência, como já dito, decorre do pressuposto da existência de uma única função de produção para as distintas nações, com rendimentos decrescentes para um único fator de produção.

Essa questão foi levantada para a teoria neoclássica, a partir de observações empíricas com dados de Madisson (1982), para países desenvolvidos e em desenvolvimento. Baumol (1986, apud Romer, 1994) identificou que países como a Itália e o Japão convergiram sua renda aos países mais desenvolvidos no período de 1870 a 1979200.

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Além da observação de dados históricos, pode-se levantar um segundo aspecto dessa revisão, as inúmeras críticas realizadas à heterodoxia há muitos anos sobre a não convergência da renda mundial, tendo em mente a inexistência do pressuposto de rendimentos marginais decrescentes, isso pelas mais diversas escolas de pensamento heterodoxo.

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Entretanto, vale notar a especificidade histórica de tal convergência de renda, pois ela só ocorreu pós-segunda guerra mundial, diante de uma mudança estrutural no padrão de acumulação capitalista

Antes de avançar, vale fazer jus às contribuições muito anteriores que já identificavam a não existência de um processo de convergência da renda entre os países pobres e ricos. Pode-se citar, por exemplo, as teorias heterodoxas, como a de List, da escola cepalina e a crítica de Kaldor, pois, segundo tais tradições, o crescimento econômico deve ser entendido de forma associada ao padrão de competição dado historicamente201.

O gráfico a seguir demonstra a não-convergência da renda mundial em termos de renda per capita202:

Gráfico II

Crescimento da renda per capita (GDP per capita; US$; preços constantes de 1990)

Fonte: Galor e Mountford (2003); apud, Romer (1994)

que marcaram os “trinta anos gloriosos” ou a “era de ouro” do pós-segunda guerra mundial para os países centrais200. Na realidade, entre os anos de 1870 e 1950 as rendas desses países tenderam a divergir (Abramovitz, 1986, apud Romer 1994), não demonstrando um padrão histórico de convergência, como algo autodeterminado, natural, de “equilíbrio de forças gravitacionais”.

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Além de uma série de dados históricos que apresentavam a falta de materialidade desse argumento, pois apesar dos dados estarem organizados de forma esparsa, ainda assim, existiam uma série de dados sobre a divergência de crescimento da renda.

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Mesmo o gráfico não considerando a diferença de renda em termos de paridade de poder de compra (PPP) ele é uma boa proxi das diferenças de renda per capita.

Já nas estimativas de Baioch (1981, p. 7-8, apud Freeman e Soete, 1997, p. 543 - 544), o coeficiente de relação da renda per capita dos países mais ricos em relação aos mais pobres era de 1,8 em 1800. Essa relação passou para 29,1 em 1977203, demonstrando o amplo processo de concentração, em contradição às teorias supracitadas. Freeman e Soete, numa postura crítica, afirmam que: “Se é

que chegou a existir alguma tendência, o padrão dominante de crescimento econômico dos últimos dois séculos tem sido de rápida e crescente divergência no crescimento (ibid, 1997, p. 543 – 544) ”.

Para avaliação sobre a convergência da renda mundial, Romer 1994, resgatou a função de Cobb Douglas (3.5), utilizada por Solow Y = A[(TKαL(α-1)], adotando os parâmetros e pressupostos do próprio autor para testar a validade empírica da convergência da renda mundial. Novamente, Y significa produto; K, estoque de capital; L, o estoque de trabalho; e A, o nível de tecnologia. A aumenta, como função exógena da produção e, como não existe setor externo, sY (participação percentual da poupança multiplicada pela renda) é igual a I (investimento). Para fins de cálculo, foi usada a taxa de variação e não o volume de produto ou investimento, e dividiu-se toda a função pelo trabalho, para se chegar às unidades em termos de trabalho per capita. Nesse caso temos: y = Y/L (produto por trabalhador) e k = K/L (capital por trabalhador), sendo n a taxa de crescimento do trabalho. Finalmente, colocada toda a função em logaritmo para observar a taxa de crescimento, expressada pelo símbolo “^”, a expressão matemática fica da seguinte forma:

ŷ = (1 – β)logĸ + Â (3.2.1.1)

A função é dada em termos de trabalho per capita e em termos de taxa de variação, por meio do logaritmo. Essa função apresenta a taxa de crescimento econômico e seu resíduo, no caso, considerando o resíduo tecnológico. A expressão entre colchetes (1 – β) demonstra que a taxa de crescimento do estoque de capital

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Os países desenvolvidos nessa análise são: Grã-Bretanha, Estados Unidos, França, Rússia, Suécia e Japão; a lista dos países subdesenvolvidos são: Egito; Gana; Índia, Irã, Jamaica

per capita, de tal maneira que: k = sy – n. A teoria neoclássica assume concorrência

perfeita, pois a remuneração marginal dos fatores de produção deve ser igual a sua produtividade marginal, e, com isso, de acordo com Romer (1994), β, que representa a participação do salário na renda nacional, deve ser igual a 60%, número calculado diretamente das contas nacionais. Isso significa, por sua vez, que (-β)/(1- β) é igual a -1,5 (Romer, 1994, p. 6).

Romer introduziu tais variáveis no modelo de Solow e usou como parâmetro o caso das Filipinas – a renda per capita era igual a 10% da renda per capita dos Estados Unidos em 1960. Nesse exemplo, ao inserir esses números na função 3.2.1.1, obteve-se como resultado, que a taxa de poupança nos Estados Unidos teria que ser 31,62 vezes maior do que nas Filipinas para que esses dois países tivessem a mesma taxa de crescimento do produto204. No outro exemplo, se fosse utilizado 2/3 para participação dos salários na economia americana do período – que reflete a maior participação dos salários nas economias mais desenvolvidas, ao invés de 60% –, segundo Romer (1994), seria necessária uma taxa de poupança 100 vezes superior para os Estados Unidos em relação às Filipinas, graças aos pressupostos “heroicos” de Solow e da tradição neoclássica.

A explicação básica para tal discrepância está no fato de assumirem a mesma tecnologia para diferentes países, ou seja, a mesma função de produção. Tais “heroísmos” nos pressupostos criaram uma enorme lacuna para a capacidade preditiva e de compreensão do modelo de Solow em relação ao processo de crescimento econômico, dadas as diferentes propriedades de produção para os mais diversos setores (mesmo com as diferenças da produção dentro dos próprios setores). Romer ilustra tal contradição com o gráfico a seguir.

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Tendo em vista que ao aplicar as variáveis no modelo, e como 0,1(-1,5) é igual a 31,62, logo a taxa de poupança deverá ser 31,62 vezes maior nos Estados Unidos do que nas Filipinas para que os dois países apresentem a mesma taxa de crescimento.

Gráfico III

Fonte: Romer (1994; p. 5)

Como podemos observar, as taxas médias de crescimento da renda entre 1960 e 1985 das Filipinas e dos Estados Unidos são muito semelhantes. Contudo, dado o enorme diferencial de estoque de capital, a mesma função de produção e a existência de rendimentos decrescentes de escala, seria necessária uma poupança/investimento da ordem de 30 a 100 vezes maior nos Estados Unidos, enquanto, na realidade, não se chega nem ao dobro, como no gráfico a seguir (Romer, 1994, p. 7).