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Capítulo 3: Considerações acerca da origem e da natureza dos primeiros

3.7. Aproximações sobre a concepção de bem proposta por John Finnis

3.7.3. Do conteúdo da lei natural como benefício inteligível e perfeição

No que toca ao conteúdo da diretividade prática, o principal aspecto a ser destacado é a “bondade” ou desejabilidade que é própria dos bens humanos básicos aos quais ela conduz. Isso porque, a diretividade prática só poderá ser instaurada se

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Por um lado, como bom aristotélico, Aquino não deixa de estar seguindo a primeira tese que aparece em Ética a Nicômaco, qual seja: a tese de que toda ação visa um bem/fim. Mas, por outro lado, ele não está meramente reafirmando essa tese: pois vai além de Aristóteles ao acrescentar que a razão prática compreende a diretividade da ação a partir de vários bens genéricos – bens tipicamente humanos que fundamentam todos os demais bens particulares que uma pessoa pode almejar. A forma diretiva da lei natural é dada, portanto, justamente pela desejabilidade dos bens humanos básicos, e não faz sentido pensar a ação apenas como direcionada para qualquer “bem” indefinido (o que não significa que as paixões não possam falar mais alto e acabar se passando por concepções de bem fundantes – o que Finnis chama de “racionalizações” [1998, p. 74]).

houver alguma “bondade” ou desejabilidade em jogo. Afinal, como algo pode “dirigir” sem um fim em vista? E como esse fim pode atrair algo para si se não for atrativo? Finnis se refere a essa “bondade” ou desejabilidade através de vários termos, por exemplo: razão para ação, bem inteligível, benefício inteligível, objetivo inteligente, bem intrínseco, fim básico, fim genérico, etc. Tal como os conceitos de círculo, rádio e circunferência, esses termos são todos correlatos e intercambiáveis (FINNIS, 1998, p. 60). No entanto, para entender a “bondade” que é o conteúdo diretivo da lei natural, é necessário buscar os fundamentos unificadores daqueles termos.

Ora, o próprio significado do termo “bem” na expressão “bens humanos básicos” (e, mais fundamentalmente, na expressão “bem inteligível”) pode nos ajudar na tarefa de compreender o sentido da “bondade” dos bens humanos básicos. O termo “bem” é, pois, um termo chave no pensamento de Finnis, sendo visível em todos os seus escritos. Em virtude disso, ele o usa em muitos contextos e com diversas implicações. De todo modo, podemos destacar pelo menos duas conotações mais fundamentais do termo “bem” no sentido da lei natural, a saber: bem como benefício inteligível (FINNIS, 2011a, p. 4) e bem como aperfeiçoamento (FINNIS, 2012, p. 44). Em verdade, esses dois usos são intercambiáveis, pois o que leva ao aperfeiçoamento, isto é, à realização ou florescimento humano, são justamente os benefícios inteligíveis que constituem os bens humanos básicos. As pessoas ou comunidades que estão desfrutando do bem-estar humano estão ao mesmo tempo se realizando, florescendo. Todavia, mesmo sendo intercambiáveis, os termos benefício inteligível e aperfeiçoamento comportam conotações específicas que nos encorajam a traçar algumas distinções analíticas.

Cada um daqueles aspectos da “bondade” ou desejabilidade dos bens humanos básicos pode implicar em uma certa visão ou concepção explanatória das capacidades humanas. Falar dos bens humanos básicos como benefícios inteligíveis pode nos conduzir, por exemplo, a uma visão de seres que se satisfazem plenamente apenas a partir desse tipo de benefício fundamental; ao passo que falar dos bens humanos básicos como aperfeiçoamentos pode nos conduzir, por exemplo, a uma visão de seres que agem em função de sua própria realização. É claro que essas diferentes perspectivas (se é que elas podem ser mesmo afirmadas) são simples desdobramentos conceituais dos bens humanos básicos, haja vista que “benefício inteligível” e “aperfeiçoamento” são características indissociáveis desses

sondar as conotações e implicações específicas daqueles termos pode ser útil para testar os limites conceituais da teoria e obter mais clareza em termos de metodologia.

Um aspecto importante com respeito à ideia de “benefício inteligível” é a relação deste com a vontade humana. Finnis fala da vontade tanto como uma capacidade racional de responder a bens inteligíveis (FINNIS, 1998, p. 65) quanto como um “apetite racional” (FINNIS, 2012, p. 47). Essa segunda forma de falar da vontade é menos recorrente nas obras do autor. Todo modo, “apetite racional” é exatamente a mesma coisa que “capacidade de responder a bens inteligíveis”. No entanto, falar em apetite ou desejo racional explica com mais precisão porque a vontade pode de fato “responder” a benefícios inteligíveis: pois ela também é uma espécie de interesse natural da razão por esses tipos de benefícios (Ibidem, idem). A vontade é, pois, o único apetite na razão humana (FINNIS, 1998, p. 91).

Conforme Finnis (Ibidem, p. 90), “Somos inteligentemente atraídos por bens

que são atrativos para a razão em virtude de sua bondade inteligível [...]”181

. Como postulamos acima, essa atração não ocorreria sem a capacidade racional que

chamamos de vontade humana182. Agora, apenas a ênfase na capacidade racional

de ser atraído por bens inteligíveis não é evidentemente o bastante para explicar a “bondade” dos mesmos. Precisamos progredir na investigação partindo para a compreensão mais específica sobre tal “bondade”.

Segundo alerta Finnis (2011e, p. 444), buscar compreender a “bondade” mais fundamental dos bens humanos apenas através do dito aristotélico “o bem é o que todas as coisas desejam” não é uma boa estratégia. Esse dito é confuso (FINNIS, 2012, p. 44), e só pode ser adequadamente compreendido através de um outro dito do grego antigo, qual seja: “nós desejamos as coisas porque elas parecem boas para nós; não é que elas parecem boas para nós porque as desejamos” (FINNIS, 1998, p. 95, n. d). A proposição “Nós desejamos as coisas porque elas parecem boas para nós” implica em uma forma geral de desejabilidade, uma desejabilidade na qual “desejo” significa fundamentalmente “tender a...” (FINNIS, 2007, p. 84, n. III.5). Aqui reaparece o papel da vontade como apetite ou desejo racional, pois se atrair pelo bem inteligível é a característica central da mesma. No entanto, surge

181 “We are intelligently attracted by goods which are attractive to reason by reason of their intelligible

goodness, i.e. by the benefits their instantiation promises.”

182

também a questão sobre o que “parece bom para nós”. Ora, quanto a isto, este é o cerne da concepção de bem defendida por Finnis: “o que parece bom para nós” deve ser entendido não do ponto de vista sensível, mas inteligente, racional. E a razão para isso é a seguinte, a saber: apenas o que é desejado pelo apetite inteligente é desejado em razão de si mesmo (FINNIS, 1998, p. 95, n. c).

Um bem desejado em razão de si mesmo é um bem intrínseco, ou seja, é um bem que não é buscado como meio para outros bens (Ibidem, p. 79). Ora, o fim é desejado em razão de si mesmo (per se appetibile), sendo, portanto, entendido

como bem (Ibidem, p. 95, n. c). O fundamento do “bem” é, por conseguinte, o “fim”

no sentido de fim em si mesmo. Esse é o nível primário do bem, cuja desejabilidade compete apenas ao apetite inteligente, pois é só esse tipo de apetite que deseja o que é bom em si mesmo. “A fonte desse tipo de apetite é a inteligência, o ato do entendimento que é movido pelo inteligível” (Ibidem, idem). Ora, ser movido pelo inteligível é ter a capacidade de desejar, se relacionar ou compreender inteligibilidades (lembrando que inteligibilidades não são apenas bens intrínsecos, mas também, por exemplo, critérios de validade lógica, intenções, significações, etc.) A compreensão dessas inteligibilidades é obviamente uma capacidade exclusiva da inteligência. Igualmente, é tarefa apenas da inteligência (prática) a compreensão do nível primário bem, o qual é constituído por bens inteligíveis-intrínsecos.

Entrementes, um benefício inteligível também é atraente porque promete instanciar um bem humano básico (FINNIS, 2011a, p. 212-13). Ou seja, promete agregar algo que é inerentemente bom para os seres humanos. Pois, também há o aspecto dos bens humanos básicos que diz respeito à realização humana. E aqui entramos na questão do bem como aperfeiçoamento.

É fato que o status primário do benefício inteligível que há nos bens humanos básicos depende do valor intrínseco (ser bom em si mesmo, e não como um meio para outro bem/fim). Agora, esse valor intrínseco é mais bem explanado quando pensamos em sua conexão com a realização humana. Ora, é natural que um bem intrínseco diga respeito à realização, afinal, enquanto fins em si mesmos, os bens intrínsecos são autorrealizações. Portanto, faz sentido pensar em tais bens como autorrealizadores da natureza humana (ou ainda, como autorrealizações de capacidades que, no transcurso de sua autorrealização, conduzem à autorrealização da natureza que é composta pelas mesmas).

Na verdade, o próprio termo “bem” possui entre suas conotações a ideia de “perfeição”. Como diz Finnis:

Qualquer um que compreende o sentido relevante da palavra ‘bem’ compreende-a no sentido de ‘bom para’, ‘benéfico para’, ‘mais ou menos perfectivo de’. Nos princípios que estabelecem as razões básicas para a escolha e ação humanas, ‘bem’ se refere a uma possível perfeição – pelo menos parcial, realização pro tanto – de uma pessoa ou comunidade. (FINNIS, 1998, p. 91-2)183

Portanto, ser “bom para...” é ser “mais ou menos perfectivo de...’”. Ora, se os bens humanos básicos são bens primários, isto é, bens intrínsecos em função dos quais todos os outros bens são desejados, então sua “bondade” inteligível é “mais ou menos perfectiva” das próprias capacidades que fundamentam esses bens. E se é o aperfeiçoamento das capacidades humanas que está em jogo, então, ao final, o que será aperfeiçoado é a própria natureza que é constituída por tais capacidades.

Agora, falar em capacidades naturais que correspondem a bens humanos básicos é trazer à tona o problema de saber se essas capacidades são sensíveis ou racionais. É o velho problema de saber o que exatamente Tomás de Aquino queria dizer com “inclinações naturais” quando ele disse, em ST, I-II, q. 94, a.2c, que os objetos das inclinações naturais são compreendidos pela razão como bens a ser buscados na ação humana. Finnis não chega a assumir uma posição definitiva sobre isso, mas está disposto a aceitar a interpretação que entende aquelas inclinações como inclinações racionais da vontade (FINNIS, 2011e, p. 449). Ora, há pelos menos dois problemas nisso tudo, quais se sejam: (i) se a vontade é o fundamento das capacidades humanas, então caímos no racionalismo kantiano que Finnis quer evitar; (ii) ademais, se dissermos que são as inclinações da vontade a bens humanos básicos que explicam a realização e o aperfeiçoamento humano, então

estamos defendendo um argumento circular – pois, no final das contas, estaremos

dizendo que as capacidades humanas são conhecidas a partir dos bens humanos básicos.

Como já apontamos acima, a interpretação das inclinações naturais como inclinações da vontade (em ST, I-II, q. 94, a.2c) parece conduzir a um problema (ou,

183 “Everyone who understands the relevant sense of the word 'good' understands it in the sense of

'good for', 'beneficial for', 'more or less perfective of'. In the principles which state the basic reasons for human choice and action, 'good' refers to a possible perfection – at least partial, pro tanto fulfillment – of a human person or community.”

no mínimo, a uma dificuldade), saber: Finnis diz que a vontade é uma capacidade de responder a bens humanos básicos; mas, nesse caso, como ela poderia produzir as inclinações a partir das quais a razão apreende bens humanos básicos? Se ela é uma capacidade de resposta a bens humanos básicos, então ela depende da existência desses bens para “responder”; e, assim, parece estranho dizer que, além de uma capacidade de resposta, ela é também a fonte ulterior dos mesmos.

Se essa explicação for correta, então é possível dizer que a raiz das capacidades humanas é vontade. No entanto, Finnis insiste na dinamicidade da natureza humana como sendo tanto sensível quanto racional. Assim, parece que colocar o fundamento das capacidades humanas na vontade, que é uma capacidade racional, conduz ao tipo de postura kantiana que Finnis quer evitar. Isso porque, o autor critica a ideia kantiana de que a “realização da natureza racional” é a realização da natureza humana; a ideia de que “temos que nos elevar de nossa natureza animal para nossa humanidade” (FINNIS, 2012, p. 122-3). Segundo o autor (Ibidem, p. 123), esse tipo de pensamento negligencia toda uma gama de capacidades genuinamente humanas, como a vida e o matrimônio. Em verdade, trata-se de um pensamento que remonta ao argumento aristotélico da “função própria”, o qual afirma que a realização humana só é alcançada quando os seres humanos se realizam nas atividades ou capacidades que lhes são peculiares – isto é, nas atividades ou capacidades que eles não compartilham como nenhum outro ser (Ibidem, p. 14-5). Contudo, a visão de Finnis é que a ética não está fundada apenas nas funções peculiares dos seres humanas ou nas suas características racionais. Antes, ela está fundada no bem humano, o qual não diz respeito apenas às capacidades racionais das pessoas, mas também às sensíveis. Sendo assim, é difícil ver como as capacidades humanas que correspondem aos bens humanos básicos possam dizer respeito apenas à vontade racional.

Em verdade, Finnis não é claro sobre como a esfera sensível se conecta com a esfera intelectual. Ele insiste que a sensibilidade faz parte do bem humano; mas, ao mesmo tempo, alerta que é a razão que fundamenta o mesmo, e não a sensibilidade. Pois é apenas a razão que, através de atos não-inferenciais de insight, apreende os benefícios inteligíveis nas possibilidades humanas. Os ímpetos sensíveis não podem fazer isto.

Mas relembremos o nosso ponto, qual seja: a relação entre o bem como aperfeiçoamento e as capacidades que são aperfeiçoadas. Ora, aparentemente, a

reflexão que estabelecemos acima mostrou que o conceito de vontade talvez não

ajude a compreender as capacidades tipicamente humanas que são

aperfeiçoadas/realizadas pelos bens humanos básicos. Na verdade, talvez buscar essa explicação na relação entre vontade e inclinações sensíveis não seja o caso. A única estratégia para contornar esse problema parece estar no apelo aos próprios bens humanos básicos já compreendidos. Isto é: ao invés de dar um passo atrás, procurando sondar as capacidades ou inclinações que subjazem àqueles bens (o que pareceu ser despropositado), podemos olhar para os mesmos e então descobrir quais são as capacidades humanas. Essa perspectiva pode, de fato, elucidar quais são as perfeições da natureza humana: elas seriam, pois, os próprios bens humanos básicos. Uma vez que a realização dos bens humanos conduz ao florescimento humano, isso parece fazer sentido. Entretanto, o preço a ser pago é o da circularidade.

Pois, se estamos alegando que os bens inteligíveis possuem o caráter de serem perfectivos dos seres humanos, e, logo em seguida, dizemos que as capacidades humanas que são realizadas são justamente as capacidades conhecidas através bens humanos básicos, estamos claramente estabelecendo um círculo em nossa argumentação em prol da realização humana. Aqui, no entanto, Finnis pode pegar muitos de surpresa: pois ele aceita esse tipo de circularidade. Em uma de suas Reflections and Responses aos artigos do Festschrift organizado por John Keown e Robert P. George, qual seja, a resposta ao artigo de Joseph Raz, Finnis responde os ataques de Raz quanto à circularidade apelando ao argumento da autoevidência. O jusfilósofo australiano simplesmente alega que a inteligibilidade dos bens humanos básicos está na base de todo raciocínio prático. Assim, a ideia é que, uma vez que inevitavelmente pressupomos os bens humanos básicos em nosso pensamento prático, então chegar aos mesmos em nossa posterior conclusão é uma circularidade aceitável (KEOWN; GEORGE, 2013, p. 463).

Se, com efeito, assumirmos o nível de circularidade acima descrito, então poderemos falar dos bens humanos básicos como realizadores das capacidades que eles mesmos evidenciam. Neste caso, a relação entre sensibilidade e racionalidade pode ser explicada por meio da unificação que ambas gozam naqueles bens através dos atos de insight que os produzem. Por um lado, esses atos unificam os ímpetos sensíveis com as inclinações racionais da vontade através da compreensão de certas possibilidades como possibilidades benéficas. Por outro

lado, eles unificam a própria inteligência com a experiência sensível, mostrando que ambas operam reciprocamente: sem dados sensíveis (ímpetos e capacidades perceptivas), não poderíamos ter insights teóricos sobre as possibilidades; e sem as inteligibilidades que a inteligência capta a partir desses dados e insights teóricos, não poderíamos organizar a experiência sensível e nos orientar no mundo.

Ora, a questão da apreensão intelectual dos bens humanos básicos através de atos de insights práticos parece ser um argumento plausível para a unificação entre sensibilidade e inteligência. Um dos pontos fortes do argumento é justamente ele sublinhar que a experiência prática não é apenas intelectual, mas também congrega ímpetos sensíveis que nos colocam diante de possibilidades inteligentes (possibilidades de conhecer, de sobreviver, de conhecer, fazer amizades, etc.). Ou seja: são os ímpetos sensíveis, os insights teóricos sobre possibilidades e as capacidades racionais para desejar formas inteligíveis de bem (isto é, as capacidades da vontade) que cooperarão para a apreensão natural e espontânea de benefícios inteligíveis, o que conduz a uma unificação entre inteligência e sensibilidade.

Ora, se atentamos cuidadosamente para todo esse “movimento” em direção à apreensão de certos benefícios inteligíveis diretivos que estruturam a orientação prática humana, e percebemos que se trata de um movimento da própria natureza humana (sensível e inteligente) em busca de uma autoestruturação e autorrealização, então o aspecto perfectivo dos bens humanos básicos começa a fazer sentido. O que não pode fazer sentido é qualquer tipo de subjetivismo absoluto que não aceite que é tarefa da inteligência apreender as inteligibilidades inerentes àquele “movimento”. Pois, como os sentimentos e emoções poderiam explicar o fundamento do bem humano e o fato de esse bem não ser um mero movimento cego? Como os sentimentos e emoções poderiam explicar o fato de John Mitchell Finnis ter desenvolvido uma teoria da lei natural? Ele fez isso apenas por que queria ser notado e amado? O fato de John Mitchell Finnis considerar o conhecimento um bem a ser buscado e a ignorância um mal a ser evitado, não desmente o alegado fato de que os seres humanos são carentes de reconhecimento e de amor. Antes, a compreensão daquele princípio prático básico mostra que a razão humana vai além das necessidades afetivas, e estrutura uma forma inteligível (fundacional) de conceber o bem que, diferentemente dos afetos, nos abre a uma gama inexorável de possibilidades. A razão, portanto, nos revela que somos os tipos de seres que não

apenas estimam o reconhecimento de, por exemplo, escrever um bom livro sobre direito natural, mas que, antes, compreendem que a satisfação oriunda do reconhecimento não é boa apenas na medida em que causa certas sensações, mas, sobretudo, na medida em que nos faz mais realizados em nossa capacidade de conhecer.

Não é evidente que a razão prática (isto é, a razão voltada para a ação) de um ser considerará a realização das capacidades (e, portanto, da natureza) desse ser o que o realiza, e que deve ser, portanto, algo buscado na ação? Se não se dirigisse à realização de suas potencialidades, ao que a ação desse ser deveria se dirigir? Essas perguntas servem para enfatizar o fato de que a lei natural realmente diz respeito a uma concepção de natureza humana. Tal concepção, no entanto, não é previamente dada pela ontologia, mas descoberta através do conhecimento do bem humano. Como diz Finnis: “Os bens, ou valores, humanos básicos não são meras abstrações; são aspectos – todos os aspectos constitutivos – do ser do e do bem-estar dos indivíduos de carne e osso. Eles são aspectos da personalidade humana.” (FINNIS, 2012, p. 124, Grifos nossos). O que realmente está em jogo na lei natural é, portanto, a alegação de que a normatividade (ou melhor, diretividade) prática tem sua raiz na apreensão das inclinações humanas como benefícios realizadores.