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Capítulo 3: Considerações acerca da origem e da natureza dos primeiros

3.3. Razão prática e pensamento prático

O excerto que citamos acima (na página 129 deste trabalho), com base no qual construímos nossa interpretação do conceito de “razões para a ação” em Finnis, se encontra na Introdução do primeiro volume (Reason in Action) dos Collected Essays of John Finnis. Ainda na mesma página daquele excerto, Finnis reafirma a mesma tese sobre as razões para ação, sublinhando os mesmos elementos, mas então indicando como as razões para a ação fundamentam sua concepção de razão prática. Conforme o autor:

A razão é a capacidade de entender e trabalhar com razões. Razões são razões para julgar um pensamento, uma proposição como verdadeira (ou falsa, ou duvidosa). Algumas razões são razões para julgar como verdadeiro (ou não certamente verdadeiro) que algum estado de coisas, que se pode alcançar fazendo algo, seria benéfico, digno de ser alcançado. Chamamos essas razões de práticas. Elas incluem princípios que selecionam possíveis estados de coisas como benéficos (desejáveis), e proposições (planos, propósitos) para perseguir tais oportunidades efetivamente e em outras formas razoáveis. Este volume é sobre tais razões

para a ação. (FINNIS, 2011a, p. 1)147

Assim, o tema que unifica os diversos ensaios de Reason in Action é a razão “em ação”, “agindo”, etc., o que não é o mesmo que a razão considerada de um

ponto de vista “estático”, como uma capacidade da natureza humana. O estudo da

razão enquanto capacidade é o tema do segundo volume dos Collected Essays (“Intention and Identity”). Com efeito, a citação feita acima engloba elementos interessantes para uma compreensão mais profunda sobre o conceito de razões

para a ação – mais especificamente, para uma compreensão sobre a conexão que

há entre tal conceito e o conceito de razão prática. Na verdade, ambos os conceitos são parte de uma mesma realidade cognitiva, uma realidade que distinguimos analiticamente apenas por questões metodológicas. Mas analisemos aqueles elementos.

147 No original: “Reason is the capacity to understand and work with reasons. Reasons are reasons for

judging a thought, a proposition, to be true (or false, or doubtful). Some reasons are reasons for judging it to be true (or not certainly true) that some state of affairs that one might help bring about by

doing something would be beneficial, worth bringing about. Call these reasons practical. They include

principles picking out possible states of affairs as beneficial (desirable), and propositions (plans, proposals) for pursuing such opportunities effectively and in other ways reasonably. This volume is about such reasons for action.”

Antes de tudo, é necessário notar que existem tanto razões práticas quanto razões não práticas. Sendo assim, as razões para a ação serão, obviamente, razões práticas. Essa distinção entre razões práticas e razões não práticas pode soar óbvia. Contudo, veremos que ela é fundamental no pensamento de Finnis, pois diz respeito à complexidade da razão humana enquanto uma capacidade para considerar diferentes tipos de objetos. Foquemos primeiro na relação das razões para a ação com a razão prática.

Como a citação feita acima deixa claro, as razões práticas dizem respeito aos julgamentos sobre os possíveis estados de coisas que podemos alcançar fazendo algo, isto é, que podemos alcançar através da ação148. A ênfase de Finnis em “fazendo algo” não é por acaso. Pois, é exatamente o direcionamento para a ação

que torna uma razão ou um pensamento “prático”. Como diz Finnis (2007a, p. 25):

“Pensamento prático é pensar a respeito do que (se deve) fazer.”149

Ora, é exatamente por isso que, no final daquele excerto, Finnis chama as razões práticas de “razões para a ação”.

No sistema jusnaturalista de Finnis, essas razões práticas são caracterizadas, em seu nível mais fundamental, como princípios. Trata-se, pois, de uma abordagem nitidamente herdada de Tomás de Aquino, cuja filosofia moral e política constituem “[...] uma filosofia prática fundamentalmente de princípios [...]” (FINNIS, 2007b, p. 22). Como já elucidamos na seção anterior, os princípios que representam as razões práticas fundamentais englobam: os bens humanos básicos (“princípios que selecionam possíveis estados de coisas como benéficos”), as exigências de razoabilidade prática (“proposições (planos, propósitos) para perseguir oportunidades efetivamente”) e as normas morais específicas que são inferidas ou deduzidas destas últimas. Ora, por estarem nesse nível estruturador, são tais razões para ação ou razões práticas que compõem os fundamentos da razão prática humana. Ademais, essa estrutura cognitiva prática fundamental que chamamos de razão prática é também chamada de “lei natural” pelos jusnaturalistas – como é claro na doutrina do direito natural de Tomás de Aquino (especialmente em ST, I-II, q. 94 a.2).

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É importante observar que, na visão do autor, “Deliberar sobre o que fazer já é uma ação.” (FINNIS, 2011a, p. 1)

Portanto, as razões práticas, direcionadas para ação, têm suas formas mais elementares nos princípios e preceitos da lei natural. Não obstante, vimos na citação acima que Finnis define a razão como uma capacidade de entender e trabalhar com razões. Naquela passagem, embora tenha delimitado claramente o domínio que é próprio das razões práticas – que é o domínio da identificação e do julgamento dos fins e meios desejáveis na ação humana –, o autor não fala das razões não práticas

de forma explícita (pois fará isso mais adiante150). De todo modo, uma vez que ele

postula a esfera própria das razões práticas, já é possível deduzir qual será a esfera das razões não práticas.

Ora, se há razões práticas e razões não práticas, então a razão humana pode enfocar ambos os tipos de razões. E se é assim, podemos falar tanto em uma razão prática quanto em uma razão não-prática (ou melhor, uma razão “teórica”). Mas qual seria então a diferença entre elas? Antes de tudo, é importante observar um alerta

que o próprio Finnis faz, qual seja: que a “razão prática” e a “razão teórica” são

apenas operações diferentes de uma mesma capacidade humana. Existe essa diferença operacional porque existem diferentes objetos que a nossa razão pode enfocar. Como diz Finnis:

Não seja iludido pela fala de Aristóteles sobre as duas “partes” do intelecto, a teórica e a prática; nem pela fala aristotélica e tomista sobre “o intelecto teórico e o intelecto prático”. Apesar dessa forma de falar, Aristóteles e Tomás de Aquino estavam bem cientes de que cada um de nós possui apenas uma inteligência, apenas uma capacidade (poder, habilidade...) de entendimento. Assim, as diferenças entre o entendimento “teórico” e o “prático” são apenas diferenças operacionais. E existem essas diferenças de operações no intelecto de alguém simplesmente porque existem diferentes objetivos. (FINNIS, 2012, p. 10)

(Aqui, “entendimento” pode ser compreendido como uma parte mais fundamental da razão, como seu conjunto de princípios fundacionais, mas não como algo distinto da mesma). Portanto, quando falamos em razão prática e razão teórica, estamos, na verdade, fazendo referência à mesma capacidade, apenas delineando uma distinção operacional no interior da mesma. Mas, enfim, o que caracteriza cada uma dessas operações da razão? Segundo Finnis:

150

Especialmente ao explicar os atos de insight sobre primeiros princípios práticos (FINNIS, 2011a, p. 2-4). Isso porque, o argumento explanatório sobre a aquisição de primeiros princípios práticos através de atos de insight tem entre suas premissas a compreensão do entendimento teórico (não prático), pois este funciona como uma espécie de dado prévio para os atos de insight prático que geram princípios fundacionais.

Uma pessoa está pensando teoricamente, (i.e., “especulativamente”, o que não precisa significar conjecturalmente) quando está visando, primariamente, a discernir a verdade sobre algum tema. Uma pessoa está pensando praticamente quando está visando, primariamente, descobrir ou determinar o que fazer, o que pegar, o que ter ou o que ser. (FINNIS, 2012 p. 10)

Entrementes, uma vez que o uso prático da razão gera conhecimento prático (FINNIS, 2011a, p. 3), então a verdade prática é algo alcançável. Aliás, como vimos, a razão humana é a capacidade de entender e trabalhar com razões; e razões são razões para julgar um estado de coisas como verdadeiro ou falso. Logo, a verdade ou falsidade de um assunto (seja prático ou teórico) é a preocupação central da razão humana. Por conseguinte, tal como a razão teórica, a razão prática também se preocupará com a verdade – a diferença é que se trata de uma verdade prática, sobre o que deve ser feito e buscado na ação humana, e não sobre o que é o caso. Como diz o autor:

Quando está discernindo o que é bom, o que deve ser buscado (proseguendum), a inteligência funciona de um modo diferente, produzindo uma lógica diferente, de quando está discernindo qual é o caso (historicamente, cientificamente ou metafisicamente); mas não há qualquer boa razão para se afirmar que o segundo modo de funcionamento da inteligência é mais racional do que o primeiro. (FINNIS, 2007a, p. 45)

A “lógica” da qual a razão se vale quando está refletindo sobre o que deve ser feito, é a lógica da normatividade prática, a qual está fundada na diretividade ao bem humano. Mas não é porque a razão prática visa tais objetos prático-normativos (objetos esses “alheios” às ciências empíricas e à metafísica), que ela deve ser menosprezada. Tampouco as ciências empíricas e a metafísica devem ser subalternadas ou totalmente instrumentalizadas por algum tipo de pragmatismo ou propósito prático “maior” (como no caso das utopias sociais). Seja teórica ou prática,

a verdade (ou objetividade – physis) será sempre uma preocupação inalienável da

razão humana.

Não obstante, aqui surge a necessidade de compreender a peculiaridade inerente à ideia de “verdade prática”. Essa peculiaridade é um dos temas centrais do primeiro capítulo (“A Praticalidade da Ética”) da obra Fundamentos de ética de Finnis. Ela pode ser expressa através da seguinte questão, a saber: se a ética visa à

verdade, como ela pode ser também “prática”? Podemos dificultar as coisas direcionando a pergunta para uma questão mais técnica, a saber: se a ação humana é centralmente entendida pela normatividade prática, como essa normatividade pode se relacionar com a descritividade teórica de que a ação humana também é objeto?

A esfera da verdade é normalmente associada à esfera da descritividade (isto é, à esfera “teorética” ou “teórica”); de modo que, na visão da filosofia prática contemporânea, a esfera “prática” (que é a esfera da normatividade prática, das normas e princípios direcionados para a ação), parece estar num domínio completamente subjetivo, um domínio que não nos habilita a falar em “verdade” e “objetividade”. John Finnis, no entanto, defende a tese tomista de que há uma analogia entre razão teórica e razão prática: pois ambas possuem uma normatividade interna. Como diz o autor:

O pensamento filosófico ou qualquer outro pensamento ‘teórico’, ‘especulativo’ ou ‘contemplativo’– por exemplo, sobre a ciência natural ou sobre questões históricas – é dirigido ‘formalmente’ (isto é, sem considerar seu ‘conteúdo’, seu objeto) por uma consideração ou padrão normativo: que o raciocínio responda a todos os dados ou evidências relevantes, que seja livre de falácias e coerente tanto consigo mesmo quanto com outras proposições julgadas consistentes e, para os propósitos presentes, não revisáveis. Essa normatividade interna à razão não-prática é também interna à razão prática. (FINNIS, 2011a, p. 6-7)151.

No direito natural clássico, essa analogia entre a normatividade teórica e normatividade prática é mais conhecida pela afirmação de Tomás de Aquino (em ST, I-II, q. 94, a.2c) de que tanto a razão teórica quanto a razão prática possuem seus primeiros princípios autoevidentes e fundacionais. Conforme diz Finnis:

[…] assim como o princípio de não-contradição dá ao pensamento racional sua forma, excluindo toda afirmação e negação simultânea (quanto à mesma coisa, no mesmo sentido), esse “primeiro princípio da razão prática” não qualificado, dá ao pensamento prático sua forma: ‘o bem é para ser feito e buscado, e o mal é para ser evitado {bonum est faciendum et prosequendum, et malum vitandum}’. (FINNIS, 1998, p. 86)152

151 No original: “One’s philosophical or other ‘theoretical’, ‘speculative’, or ‘contemplative’ thinking—for

example, on natural scientific, or historical questions—is directed ‘formally’ (that is, regardless of its ‘content’, its subject-matter) by a normative standard or consideration: that one’s reasoning be responsive to all the relevant data or evidence, free from fallacies, and coherent both with itself and with other positions one judges sound and for present purposes unrevisable. This normativity internal to non- practical reason is also internal to practical reason.

152 No original: “[…] just as the principle of non-contradiction gives rational thought its form, excluding

No caso da razão teórica, o princípio de não-contradição (que afirma que uma coisa não pode ser e não ser ao mesmo tempo e no mesmo sentido) desempenha, formalmente, o papel de estruturar todos os demais princípios teóricos, sejam eles autoevidentes ou não. Deste princípio teórico mais fundamental decorrem outros princípios autoevidentes, como, por exemplo, o princípio de identidade e o princípio do terceiro excluído. A partir desses princípios básicos, é possível inferir ou deduzir outros princípios e regras de investigação e argumentação consistente. Ora, o mesmo acontece com a razão prática, cujo princípio estruturador (formalmente falando) é o princípio que diz que “o bem é para ser feito e buscado, o mal é para ser evitado”. Este princípio prático fundamental estrutura outros primeiros princípios práticos, tais como: “a vida é para ser realizada e buscada, e a morte é para ser evitada”.

Se, assim como a normatividade teórica, a normatividade prática também possui seus primeiros princípios autoevidentes e fundacionais, então ela também pode gerar proposições verdadeiras. Atualmente, existem inúmeras teorias da verdade (bem como argumentos céticos quanto às mesmas). Entrementes, seguindo a tradição clássica jusnaturalista, o que Finnis entende por “verdade” não é nada que vá além da ideia de “physis”, isto é, daquilo é o que é independentemente das

convenções humanas. Deixando de lado as condições dessa objetividade153, é

necessário pensar os princípios práticos normativos básicos (a lei natural) como os fundamentos da objetividade prática. Enquanto tais, esses princípios não podem ser provados ou demonstrados (pois são autoevidentes e fundacionais). Não se pode provar, pois, aquilo que é condição para a prova. Entretanto, eles podem ser

explanados através de argumentos dialéticos – desenvolver alguns desses

argumentos é, a propósito, um dos objetivos centrais da presente dissertação.

Com efeito, como tudo o mais na teoria jusnaturalista de Finnis, o leitor deve considerar a complexa inter-relação que há entre verdade teórica e verdade prática. Todavia, mesmo havendo aspectos formais em que a normatividade prática não pode ser reduzida à normatividade teórica, o propósito do autor é sempre o de

'first principle of practical reason' gives practical thought its form: 'good is to be done and pursued, and bad is to be avoided {bonum est faciendum et prosequendum, et malum vitandum} '. (FINNIS, 1998, p. 86)”

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elucidar a “unificação” ou “unidade” da razão humana. Nesse sentido, o que parece mais importante de ressaltar é o seguinte: a investigação prática (ética, moral) é tanto teórica quanto prática, e inclui, portanto, tanto a consideração descritiva dos valores humanos (e, por conseguinte, da própria natureza humana) quanto as considerações normativas dos fundamentos práticos que explicam as ações das pessoas. Como diz Finnis, ao falar sobre o caráter tanto prático quanto teórico da ética:

É, por certo, difícil focar-se no fato de que este empreendimento acadêmico, único em relação a todos os demais, possui dois objetos formais primários (objetivos ou bens que são almejados): (i) a verdade sobre determinado objeto de estudo; e (i) a instância dessa verdade inserida em escolhas e ações [...] (FINNIS, 2012, p. 4)

Portanto, embora a pessoa que esteja pensando teoricamente esteja visando primariamente à verdade (FINNIS, 2012, p. 10), aquele que está pensando praticamente também visa atingir tal status (de verdade e objetividade) em suas conclusões. A grande questão é que a verdade prática não pode ser reduzida à verdade teórica. Nenhuma é “mais verdade” do que a outra, embora a verdade teórica pareça o ser. Cada modo operacional da razão humana confere inteligibilidade à ação e à percepção do mundo: a razão prática confere inteligibilidade à ação ao direcioná-la ao bem (e não a “alhures”); e a razão teórica confere inteligibilidade à investigação e ao pensamento, ao direcioná-los ao que é objetivo, ao que é verdadeiro como oposto ao que é falso e ilusório. Os seres humanos não são mentes que descobrem coisas como “é melhor não comer muita gordura” apenas pelo conhecimento disso em si mesmo, como se a vida saudável não fosse algo igualmente bom em si mesmo. Como diz Finnis:

Não obstante existam, sem dúvida, casos-paradigma para a atividade intelectual puramente teórica e puramente prática, a maior parte de nosso pensamento efetivo é tanto teorético (ao menos em algum sentido qualificado) quanto prático. Na maior parte do tempo, estamos, em alguma extensão, interessados na verdade apenas “em si mesma” e, em alguma medida, interessados nela porque nós queremos obtê-la (e ser o tipo de pessoa que a possui). E, com muita frequência, estamos interessados na verdade apenas porque, ao estarmos focados em outras coisas (viver uma boa vida ou tratar corretamente um amigo, manter-se saudável ou encontrar o melhor candidato ou ainda o café mais barato...), queremos que esse enfoque seja inteligente e bem informado. (FINNIS, 2012, p. 11)

Em suma, a diferença fundamental entre a verdade prática e a verdade teórica é puramente formal. Especialmente no que toca à forma proposicional, as verdades práticas são puramente normativas, e não dizem respeito à descritividade das ciências empíricas e da metafísica. Tal é o caso, por exemplo, do primeiro princípio da lei natural que diz que “O conhecimento é para ser realizado e buscado, e a ignorância é para ser evitada.” Essa proposição é puramente normativa em sua forma. No entanto, as proposições práticas só vêm à tona em razão das capacidades humanas (naquele caso, da capacidade para conhecer). Sendo assim, as verdades práticas estão “atreladas” ao conteúdo das verdades teóricas (principalmente aquelas sobre as capacidades humanas); de modo que é impossível explicar a dimensão da prática e da normatividade na ação, sem considerar que os deveres, as obrigações, as virtudes, etc., só são viáveis para seres que podem intencionar, refletir, lembrar, escolher, preferir, se arrepender, etc. Como diz Finnis:

Em verdade, a razão prática inclui entre suas preocupações os raciocínios não práticos, como uma atividade pelo menos parcialmente sujeita à vontade, sendo, portanto, uma questão substantiva para deliberação e escolha. [...] A razão não é uma pequena pessoa dentro de alguém, e razão prática e não-prática não são duas entidades. A razão é um aspecto da realidade indivisível da pessoa, e a distinção entre razão teórica e razão prática é uma distinção entre duas funções diferentes da razão, isto é, do entendimento e do raciocínio de alguém. E essas funções sobrepõem-se e se incluem umas nas outras: primariamente, porque fazer uso de uma ou de outra é uma atividade voluntária guiada pelo menos por um julgamento implícito de que isso é valioso, um bom propósito que a pessoa tem razão para escolher, e para escolher realizá-lo bem; secundariamente, porque as atividades da razão prática, ao dirigir essa ou aquela atividade, são objetos de escrutínio reflexivo e de contextualização filosófica. (FINNIS, 2011a, p. 8)154

Em suma, é preciso considerar pelo menos três pontos quanto às verdades práticas: (i) elas são formalmente irredutíveis às verdades teóricas; mas, (ii) em termos de conteúdo, elas estão intimamente conectadas com as verdades teóricas;

154 No original: “Indeed, practical reason includes among its concerns one’s non- practical reasoning,

as an activity at least partly subject to one’s will and therefore a substantive matter for deliberation and choice. […]Reason is not a little person inside oneself, and practical reason and non- practical reason are not two entities. One’s reason is an aspect of one’s undivided reality, and the distinction between theoretical and practical reason is a distinction between two different functions of one’s reason, that is, of one’s own understanding and reasoning. And these functions overlap and include each other, primarily because making use of each or either is a voluntary activity guided by an at least implicit judgment that it is worthwhile, a good purpose one has reason to choose, and to choose to do well; secondarily, because practical reason’s activities in directing this or any other activity are subjects for reflective scrutiny and philosophical contextualization.”

de modo que, (iii) a ação humana é permeada tanto pelas verdades teóricas quanto pelas práticas.

3.4. A noção de “estado de coisas benéfico”: aproximações sobre o