• Nenhum resultado encontrado

2. FRAÇÃO BOLCHEVIQUE (1970-1976)

2.1 Do crescimento à queda

A Fração Bolchevique experimentou crescimento rápido, com ênfase no movimento estudantil, no então estado da Guanabara, hoje cidade do Rio de Janeiro. Esse crescimento pode ter sido resultado do ânimo que existe quando surge um grupo político. Logo, os radares da repressão o localizaram. Como de praxe, 79 As informações que se seguem foram extraídas do IPM localizado em BNM_669 (3).

montaram uma grande operação, levando quase ao desbaratamento total da Fração em meados de 1971 e início de 197280.

A queda teve um impacto importante na esquerda carioca. Em um primeiro momento, dezesseis foi o número de indiciados no âmbito da 1ª Auditoria da Marinha. A acusação era de ação subversiva segundo a Lei de Segurança Nacional. Importante registrar que o período que envolve o início dos anos 1970 foi o auge do terror de Estado. O Ato Institucional Nº 5 estava em pleno vigor81, assim como as

engrenagens da repressão. Praticamente todas as organizações que atuavam na clandestinidade foram atingidas.

Os ativistas ligados à Fração indiciados foram André Luiz Pappi, Angelina Teixeira Peralva, Estrela Dalva Bohadana, Burztyn, Fabio de Silos Sa Earp, Jorge Eduardo de Sousa Hue, Luiz Felipe Falcão, Manuel Maurício de Albuquerque, Maria do Carmo Navarro da Silva, Marlene Seica Shiroma, Nilton Bahlis dos Santos, Regina Maria Alves de Carvalho, Ricardo Henrique Salles, Roberto dos Santos Bathol, Sergio de Castro Lopes, Valeska Peres Pinto e Vera Maria Joppert Carneiro de Mendonça.

Através dos autos de investigação, evidencia-se o perfil do grupo. Dos dezesseis indiciados, doze eram estudantes, um professor e outros três militantes não tiveram reveladas as suas atribuições profissionais. O mais velho da lista possuía 27 anos, enquanto o mais novo, 20. A maioria concentra-se entre 20 e 22 anos de idade. Nem todos acima indiciados foram presos. Alguns conseguiram se manter foragidos. Dos foragidos, um menor número seguiu para o exílio.

A Fração possuía a seguinte estrutura organizativa: havia uma Direção, responsável pelas formulações teóricas e práticas. O Setor Interno cuidava da logística do grupo. Nas chamadas frentes de massa, estavam o Setor Estudantil e o Setor Operário. O trabalho político em São Paulo, organizado por egressos de POC, era chamado de Setor Três. Existiam também os Organismos de Prática Orientada 80 Reis Filho e Ferreira de Sá. Imagens da Revolução. Documentos Políticos das organizações

Clandestinas de esquerda dos anos 1961-1971. São Paulo. Expressão Popular, 2006. Pg. 453. 81 Napolitano, Marcos. 1964 – História do Regime Militar Brasileiro. São Paulo. Editora Contexto, 2014. Pg. 119.

(OPO) e os Organismos de Prática Partidária (OPP). As reuniões dos militantes ou contatos se davam na praia, em carros, nas residências e universidades.

A principal publicação trabalhada pela organização, nesse início, era o jornal

Pavio, publicado entre 1970 e 197182. Como ferramenta do trabalho de massas, havia

também o Pavio Operário. Para um círculo mais próximo de militantes, alguns textos eram Formação de Núcleos Operários, História do Movimento Operário – convocação

aos companheiros combatentes e Luta Política83.

Quanto ao trabalho estudantil, a Fração designava as universidades por grupos. Por exemplo, a UFRJ era o Grupo 1, com seu devido responsável pelo acompanhamento político. A PUC era o Grupo 2. A Universidade do Estado da Guanabara, a UFF e cursinhos pré-vestibulares eram, respectivamente, os Grupos 3, 4 e 5. Na UFRJ, atuavam nos cursos de Engenharia e Arquitetura, na Ilha do Fundão, no Instituto de Filosofia, na Economia, acompanhavam a Medicina, a Escola Superior de Desenho Industrial, Comunicação e Psicologia. Na PUC, tinham contatos, embora não codificassem os cursos. Na UFF e na Estadual da Guanabara não possuíam trabalho. Ao lado de estudantes secundaristas pré-vestibulandos, algo incipiente. Quanto ao trabalho sindical, constam iniciativas de panfletagens em locais de concentração operária, tal qual Volta Redonda.

Com base em meses de investigação, a qual revelou as informações acima citadas, no dia 31 de janeiro de 1972, o coronel Pedro Luis de Araújo Braga84,

82 Reis Filho e Ferreira de Sá. Imagens da Revolução. Documentos Políticos das organizações

Clandestinas de esquerda dos anos 1961-1971. São Paulo. Expressão Popular, 2006. Pg. 453. 83 BNM_669 (3).

84 Interessante notar que o coronel Pedro Luís de Araújo Braga, responsável pela violência contra os militantes da Fração Bolchevique, tornou-se general. Continuou sempre um anti-comunista ardente. No dia 26/09/2014, Araújo Braga, ao lado de outros 26 generais, assinou uma carta recusando-se a pedir desculpas em nome do Exército pelos crimes cometidos contra a Humanidade. A solicitação foi feita pela Comissão Nacional da Verdade. Afirmam, os militares, terem salvado o país de grupos que queriam impor “terrível regime”. Estudando os grupos revolucionários, formados principalmente por jovens, afirmações como essa soam criminosas. Atacaram um mosquito com uma bazuca, como se dizia na época. Sites de extrema-direita chegaram a publicar também em 2014 textos de propaganda anti-comunista de autoria do oficial citado. A não punição dos responsáveis pelos crimes de Estado cobrou altíssimo preço a longo prazo. O general Araújo Braga morreu em 15 de junho de 2018, recebendo honrarias do Clube Militar. Ver: http://g1.globo.com/politica/noticia/2014/09/cnv-critica-

responsável pelo Inquérito Policial Militar, determina as prisões de Angelina Teixeira Peralva, Vera Maria Joppert Carneiro de Mendonça, Sérgio de Castro Lopes, Valeska Perez Pinto, Marlene Seiko Shiroma, Fabio de Silos Sa Earp, Roberto dos Santos Bartholo Júnior, Aloísio da Silva Lima, José Arrabal Fernandes Filho, Ethel Leon Arrabal Fernandes, Silvia Reisb Bregman, Maria do Carmo Freitas Ribeiro, Ricardo Henrique Salles, Pedro Luiz Carvalho da Motta Veiga, Humberto Derci Capai, Virgínia Murad, Lourdes Zmetek, Márcio Serôa de Arújo Coriolano e Lauro Escorel de Moraes Filho. Todos eles foram condenados a 30 dias de prisão, durante as investigações, de acordo com o Decreto-Lei Nº898, de 29 de setembro de 1969. Foram mandados para o Primeiro Batalhão de Polícia do Exército para depois arcarem com as possíveis consequências da Lei de Segurança Nacional. Nos fundos deste Batalhão, localizado na temerosa rua Barão de Mesquita, estava o DOI-CODI do Rio de Janeiro. O cerco de horror da ditadura militar se abatia sobre a Fração Bolchevique.

Até o momento correspondente à queda, pouco material com mais substância, densidade, foi encontrado. Possivelmente, a Fração Bolchevique dedicava-se mais ao esforço prático de angariar novos membros que de se dedicar ao trabalho reflexivo. Afinal, a crítica que faziam à PO era justamente pelas dificuldades operacionais do grupo. Por outro lado, o golpe da repressão certamente fez sumir muito documento. Os militantes que não caíram, por óbvio, não estavam interessados em produzir novas provas.