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5. CRESCIMENTO, NACIONALIZAÇÃO E CHEGADA DO PT

5.3 Jornal Companheiro

Fazia parte da tradição das organizações leninistas possuir um jornal que objetivasse divulgar o conjunto das lutas e, por outro lado, discutisse temas de interesse do movimento dos trabalhadores. O MEP, desde a Fração Bolchevique, possuía o periódico Nova Luta. Todavia, este circulava de maneira restrita, afinal, o começo da década de 1970 o colocava espontaneamente na clandestinidade. Cabia,

237 Entrevista concedida em 09 de abril de 2019.

238 Contribuição enviado por escrito pelo autor em 10 de abril de 2019.

239 Cadernos Perseu. Memória e História. Nº3. O Socialismo nas resoluções de encontros e

então, possuir um material legal, que pudesse circular em larga escala. Teorizavam que, se a burguesia possuía as suas tecnologias de dominação ideológica das massas – como os jornais impressos, rádio e televisão, cabia aos socialistas apresentar um contraponto ao conjunto dos trabalhadores.

Essas ideias se condensaram com a criação do jornal Companheiro240. Nascido

em abril de 1979, o periódico podia circular livremente. Através dele o MEP expressava a sua interpretação sobre os fatos da época. Estimulava as lutas. Investia na construção do PT. É verdade que o Companheiro, de algum modo, se afastou da condição de jornal da tendência, no sentido de ser uma espécie de canal oficial do que fazia e pensava o MEP. O Companheiro tinha um caráter jornalístico e não meramente propagandístico, voltado para pequenos círculos. Cada militante do MEP, no entanto, deveria fazer circular o periódico, que também exercia a função de construir identidade em torno do grupo. Tratava-se de uma tarefa militante.

O jornal Companheiro pode ser comparado com outros periódicos, como o

Movimento, Opinião, Em Tempo e Versus241, com, evidentemente, especificidades.

Sem embargo, a informação de que o Companheiro fazia parte de uma iniciativa do MEP era pública e notória.

O jornal expandiu-se rapidamente, justamente na esteira da dimensão nacional que o MEP havia adquirido. Chegou ao Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná, São Paulo, Espírito Santo, Minas Gerais, Pernambuco, Maranhão, Ceará e Pará. Vários nomes estavam de algum modo associados ao Companheiro, muitos dos quais ligados à área da educação. Do Pará, Edmilson Rodrigues, Aldenor, Júnior, Luiz Araújo e Venice. De Pernambuco, Paulo Ruben Santiago. Por Minas, Luiz Dulce. Em São Paulo, Paulo Frateschi, Gumercindo Milhomen, Bia Pardi, Celso Daniel, Mirian Belchior, dentre muitos outros. O Companheiro se tornou um centro

240 Todos os números do jornal Companheiro encontram-se no Centro Sérgio Buarque de Holanda da Fundação Perseu Abramo.

241 Quanto a esses três jornais, informações podem ser encontradas em Kucinski, Bernardo.

Jornalistas e Revolucionários. Editora Scritta. São Paulo, 1991. Vale aqui registrar que ainda não

houve pesquisa satisfatória a respeito do jornal Companheiro. Pela duração e vasta circulação, certamente este periódico merece ter melhor registro no campo da reflexão sobre a imprensa alternativa.

aglutinador de dezenas de dirigentes políticos.

Um dos primeiros editores, Ivan Valente comenta que o jornal funcionava em uma casa geminada, com quatro cômodos e um pequeno quintal, na rua Itapeva242,

na Bela Vista. O jornal era feito manualmente, inclusive a diagramação, responsabilidade esta nas mãos de Lúcio. A cada quinze dias, Ivan e Lúcio Leal levavam o material às seis horas da manhã para ser rodado em uma gráfica no bairro da Liberdade. Com variações de tiragem, chegaram a ser impressos 25 mil exemplares. O foco era a distribuição em assembleias de operários.

No começo, os diretores responsáveis eram Rosane Pinheiros e Tânia Coelho. Na Consultoria Jurídica, Idibal Piveta e Paulo Gerab. Contribuíam com a equipe de redatores e disseminadores Adélio, Aguinaldo Meyer, Beto Borges, Edérico Fanasca, Ethel Leon, Indiana Cardoso, José de Ângelo, José Roberto Siracusa, José Carlos Varlotta, Leila Stein, Luiz Antoio Bongiovanni, Luiz Antônio Carvalho, Luiz Diniz, Maria Bernardete Entratice, Maria Margaret Lopes, Olenka Aires Barreira, Sérgio Squilanti e Vitória Helena Facchina. Do Rio de Janeiro, local que também possuía uma sede do jornal – na rua Riachuelo, Lapa – compunham o time de redatores André Luiz de Campos, Ângela Matos, Custódio Coimbra, Erika Franziska, Francisco Lameirão Jr., Frida Albuquerque, José Ricardo Cardoso, Leni Rocha, Luiz Arnaldo Campos, Luiz Ricardo Figueiredo, Sérigo Cardoso, Sérgio Provisano e Simone Katz.

Por Belo Horizonte, Aurélio Silby, Célia Gontijo, George Abner e Maria Luiza. De Porto Alegre, Ademar Vargas, Antonio Soave, Ivanir Zandoná, Neusa Ribeiro, Rubens Turkiewicz. Do nordeste, Salvador, Ângela Serravale e Jorge Fernandez. Correspondentes em Vitória, Aracaju, Recife, Paris e Bruxelas. A diagramação cabia ao Lúcio Leal243.

Luiz Araújo busca sintetizar o papel do jornal:

“Era um elemento organizador. A comunicação de posicionamentos era precária, o norte era 242 Em entrevista realizada no dia 06 de abril de 2019, Ivan Valente nos revelou o funcionamento do jornal em seu início.

longe, caro para ter presença de assistentes com frequência e nossas regras de segurança eram mais ou menos rígidas. Assim, o jornal sempre foi, para a esquerda nesta transição para a legalidade, uma forma de aproximar pessoas. Vendíamos o jornal e usávamos suas matérias para divulgar nossas posições, para aproximar pessoas no movimento estudantil, principalmente. No Pará atuávamos em três áreas (movimento popular, estudantes e professores) e o jornal era importante”244.

A primeira capa do Companheiro estampava uma manifestação dos professores na Praça da Sé. A manchete, categórica: “A classe operária veio para ficar”. As notícias apresentadas, no conjunto dos números, tinham a ver com as lutas políticas. Temas como o arrocho, a anistia e a construção do PT davam a tônica. Mas não só. A reconstrução e os desafios colocados para a União Nacional dos Estudantes, a construção da Central Única dos Trabalhadores, os desafios do movimento operário e suas oposições. Denúncias contra a máquina da repressão da ditadura que continuava em operação eram constantes. O caso do assassinado do operário Santo Dias, durante a greve geral metalúrgica em São Paulo, estampou uma das capas. Havia uma política de entrevistas com lideranças políticas e intelectuais, como José Ibraim, Manoel da Conceição, Apolônio de Carvalho, Lula, Francisco Weffort, Florestan Fernandes, dentre outros. Novidades passaram a ser discutidas, como a questão feminista e reflexão sobre a sexualidade245.

Além dos redatores, muitos ajudavam na logística. Dois professores, na época ligados à oposição na Apeoesp, ajudavam nesse sentido: Mário Barba e Aguinaldo. Valente conta da publicação de um encarte especial com o texto “Sobre as greves”, de Lênin, que teve altíssima aceitação. Operários iam até a sede do jornal buscar exemplares dessa publicação246. O crescimento do Companheiro apareceu no radar

da extrema-direita, que explodiu uma bomba na sede ainda em 1979. Ninguém saiu ferido.

Embora tenha tido razoável circulação, dada as dificuldades materiais, ficava

244 Contribuição enviada por escrito pelo autor em 10 de abril.

245 Em uma trajetória de vinte anos, temas até então considerados menores ou pequeno-burgueses passaram a entrar em cena, embora permanecessem, de algum modo, em um segundo escalão de prioridades.

difícil sustentar a produção e divulgação nacional do jornal. Desse modo, em seu terceiro ano, o Nº66, do dia 15 de dezembro de 1981, é o último a ser apresentado. Não sem atacar a ditadura através de sua manchete de capa: “Figueiredo quer arrebentar as eleições de 1982”. Tratava-se de manobras eleitorais para favorecer o PDS, partido do governo. A foto ilustra uma manifestação, em Florianópolis, de petistas contrários às manobras. A faixa estampava uma antiga palavra de ordem: “por um governo dos trabalhadores”247.