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3. SURGE O MEP

3.2 Sobre a militância

Através dessa resolução, a Conferência apresentou a maneira como o MEP deveria funcionar, o papel e as responsabilidades de cada militante136. O primeiro

ponto a ser destacado tem a ver com a primazia do partido, como o espaço indispensável para dirigir e fazer coadunar o conjunto das lutas. O MEP não é esse partido, embora, enquanto um movimento pela emancipação do proletariado, lhe caiba agir pela sua construção.

Os critérios de organização do MEP seguiam a tradição leninista. O grupo guiava-se por alguns princípios organizativos e políticos. O centralismo democrático é um deles. Este princípio significa a busca pela unidade de ação do grupo. Uma vez 136 Item Nº105 do auto de apresentação e apreensão. BNM_700(50). Pg. 1671.

estabelecidas as resoluções na Conferência Nacional, cabia a toda militância seguir com rigor. Compreendia-se a necessidade de uma direção forte, capaz de conduzir o grupo a partir das resoluções nacionais e à luz dos acontecimentos presentes. A disciplina partidária, desse modo, é imprescindível para a garantia da unidade de ação. Esta implica subordinação voluntária individual ao coletivo. Como não existe mudança conduzida individualmente, a ação em grupo passa a ser cláusula pétrea. A disciplina nada mais é do que o encontro entre a liberdade e a solidariedade. O indivíduo só pode ser livre se o Outro também o for. Logo, a liberdade só pode ser construída em coletivo. Essa liberdade é diferente da liberdade burguesa, na qual apenas poucos são de fato livres. Por seu turno, a solidariedade é fundamental para a ação coletiva. Identificando-se uns aos outros é que se pode atuar lado a lado. A solidariedade também é o que dá vazão política à empatia. Dessa maneira se entende a disciplina, ou seja, uma orientação que permite a realização da liberdade e da solidariedade, aspectos fundamentais da ação coletiva socialista.

Em contrapartida a essa disciplina militante, a organização deveria agir com justeza. Buscar uma linha política acertada, ter disposição de ouvir todas as vozes, aceitar críticas. Aliás, o direito à crítica é o pilar da democracia interna. Em momento de pré-conferência, tendências de opinião poderiam ser construídas e apresentadas ao conjunto da organização. Sem embargo, uma vez decida a linha, todos deveriam segui-la. Dava-se muito peso à questão organizativa, entendendo essa como elemento de uma unidade indissolúvel paralelamente à questão política.

Em uma organização leninista, ao lado do centralismo democrático, encontram-se os direitos e deveres de cada militante. Existiam condições para entrar no MEP, sendo elas concordar com o programa e estatutos, desenvolver prática revolucionária guiada pela tática e integrar algum organismo, a célula ou o comitê. Como a superação do PSPB estava em curso, diferenças de nuances poderiam ser aceitas. Divergência tática somente em época de debate interno. O sujeito postulante a entrar no MEP passava por um período de candidatura, no qual experimentava a vida militante para realmente saber se estava apto. Cabia à direção conformar a militância.

A militância política deveria estar a serviço do movimento e da construção partidária. Esta implicava no fortalecimento do MEP e, por conseguinte, no processo de construção do partido da classe. A ação do militante atua no sentido do avanço da consciência da classe trabalhadora. Na verdade, ao MEP cabia essa grande tarefa. Exatamente por isso, dois riscos deveriam ser evitados a todo custo. O risco do isolamento, que faz com que a intervenção política não ajude a elevar a consciência. E o perigo da atuação enquanto seita: dedicada a si mesma e alheia ao mundo. Não cabia simplesmente ao militante ir de encontro ao movimento para garantir algum tipo de influência. O dever de aprender junto ao movimento se fazia fundamental. Somente na troca dialética é que se pode elaborar uma linha de atuação eficaz.

O MEP entende o militante comunista como uma pessoa diferente. Sua atuação no presente está atrelada ao amanhã. Por isso, a dedicação, o esforço, o abandono de convicções pequeno-burguesas devem ser guias. A apatia, o desânimo, a despreocupação com a ação coletiva eram outros desvios que precisavam ser combatidos. Tais sentimentos eram extremamente prejudiciais ao conjunto da organização e também para o movimento. Os militantes do MEP deveriam agir com profissionalismo da prática partidária. Não criticar a organização para fora. Saber que a crítica e a autocrítica deveriam sempre ter um conteúdo construtivo, deixando de lado questões menores ou de caráter individual.

O aspecto da segurança, como não poderia ser diferente em razão do clima repressivo, é matéria de bastante reflexão. A vida da organização não poderia ser afetada com os ataques da máquina repressiva do Estado. A política de segurança, assim, é intrínseca à luta revolucionária. O militante deveria seguir normas estritas de cuidados, assim como se comprometer com um comportamento revolucionário em caso de prisão.

A preocupação com a segurança advém da leitura de que o acirramento da luta de classes fez com que a burguesia se especializasse em combater quem se dispusesse a enfrentar o regime de opressão. Ainda que variasse em grau de intensidade a depender da conjuntura, os cuidados com a segurança eram inerentes

à prática política. Alguns erros acabavam por ajudar a repressão, como o militarismo, o voluntarismo e desvios pequeno-burgueses.

Logo, se fazia necessário fechar as estruturas da organização aos ataques repressivos. Diga-se, a repressão tinha um tratamento prioritário. Havia um conjunto de regras que orientavam os cuidados. Estanquização orgânica. Havia um sistema estanque de repasse de orientações. As informações deveriam seguir um fluxo seguro, circunscrito à célula e ao assistente direto, de modo que somente o assistente sabia da atuação dos membros de uma dada célula, enquanto um representante do Comitê Regional sabia das práticas desse assistente, de acordo com a hierarquia do grupo. Especialização das células. Cada célula sabia tão somente da sua prática, desconsiderando inclusive a existência de outras células. Preservação da direção. Esta deveria ser preservada para garantir a linha de comando do MEP. Para tanto, deveria ser combatido qualquer liberalismo, entendido este como imprudência.

A prisão, no entanto, é vista como uma consequência quase natural da luta clandestina. O cárcere era um campo da luta de classes. E como tal o militante deveria enfrentá-lo. Não podia entregar nenhuma informação comprometedora, nenhum outro militante, nenhum fio de novelo que, se puxado, poderia fazer cair a organização. O revolucionário pensa no futuro. Se ele for derrotado na prisão, ameaça o futuro da luta. O MEP dizia que o militante deveria ter em mente que a força do movimento revolucionário é maior que a repressão. Pois essa força é moral. A luta revolucionária é em nome da justiça e dos mais pobres. O militante preso contava com a solidariedade das massas, por mais que essas não a expressassem no momento, pois, no futuro, certamente expressariam. O dever do militante era o de não trair o socialismo.

Ao preso caberia construir um álibi que permitisse não entregar nada que fosse relevante e pudesse aliviar as condições de sua prisão. A orientação era negar qualquer prática considerada subversiva. Em segundo lugar, sempre se colocar na posição menos destacada possível. Essas regras poderiam ajudar no alívio das

penas. Para além disso, o militante deveria aguentar o peso da sevícia. Para quem vacilasse na prisão, outro julgamento ocorreria. Dessa vez, no interior do próprio MEP. O militante que cometeu erro político na cadeia deveria apresentar sua defesa a uma banca de dirigentes. Esta avaliaria a sentença, podendo ser um processo de reeducação política à expulsão sumária.

Ainda sobre os deveres do militante, havia o aspecto da contribuição material. Este servia, sobretudo, para manter a organização. A contribuição individual era o principal meio para obtenção de recursos, ainda que fossem estimuladas outras opções, quando o contexto permitisse. Os recursos serviam para garantir a atividade de quem estava na clandestinidade, produzir materiais, bancar situações de emergência, como serviços advocatícios e médicos. O movimento estudantil, por sua origem de classe, tinha papel destacado na função de arrecadação. O debate material estava no âmbito político e de compromisso com a construção do MEP.

Por fim, todo integrante da organização deveria investir constantemente na elevação de seu nível de consciência. Destaca-se o estudo do marxismo-leninismo, ferramenta para interpretar o mundo e agir sobre ele. Há a preocupação de se questionar os dogmas. O marxismo não era visto como um ferramental pronto, mas algo em movimento, vivo. A formação militante era essencial para desenvolver as capacidades de agir, convencer e liderar. Também fundamental para enriquecer as formulações da organização. O patamar mínimo de formação envolvia os seguintes textos: PSPB e a Resolução sobre Programa; Teses sobre a Tática; Estatutos, Documento de Militância; Resoluções sobre Política de Organização. Quanto ao plano de formação teórica mínima, estavam o Curso Básico (este formulado pela PO); o Manifesto do Partido Comunista; Que Fazer?; O Estado e a Revolução; e a revista

Teoria e Prática. Um último destaque, a prioridade deveria ser dada para as questões

de estratégia e programa. Essas regras desenham a dinâmica interna da organização clandestina.