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5. CRESCIMENTO, NACIONALIZAÇÃO E CHEGADA DO PT

5.6 Movimento de bairro

Desde seu congresso de fundação, o MEP discute a importância de disputar o território urbano, por entender que a luta de classes também o tem como palco. Ainda que não carregue lugar de destaque na memória comum sobre o MEP, a atuação em bairros periféricos de várias cidades do país foi marcante na vida da organização. Parte significativa dessa iniciativa se desenvolveu no esteio da luta contra a carestia, das comunidades eclesiais de base e com a construção do Partido dos Trabalhadores. Sem embargo, houve um trabalho de reflexão intelectual para colocar em prática a atuação territorial.

A revista Teoria e Prática, então editada pela organização com a finalidade de aprofundar sobre alguns temas, dedica um número à reflexão exclusiva sobre a atuação política em solo urbano. Com o título “Sobre movimentos sociais urbanos”, apresenta três textos sobre o tema272. O primeiro é do pensador espanhol Jordi

Borja, chamado “Elementos teóricos para a análise dos movimentos reivindicatórios urbanos”273. No texto, o autor aponta que o confronto entre população versus Estado

produz dois tipos de efeitos. Urbano, entendido como a modificação da relação equipamento/população. Político, sendo a transformação da relação da população com o poder no sistema urbano. Jordi afirma que o desenvolvimento da produção e divisão social do trabalho constrói novidades, como a expansão periférica e demandas por equipamentos urbanos. Este mesmo desenvolvimento, todavia, canaliza o capital para áreas lucrativas, deixando à revelia os problemas por ele próprio criados. Por outro lado, a administração pública se volta para as demandas do capital, ainda que o Estado fosse obrigado a manter o mínimo necessário para o funcionamento da atividade produtiva.

Frente a tal cenário, surge uma tipologia dos movimentos urbanos, estimulados pela deteriorização das condições de vida, alguma consciência política e pela espontaneidade. Assim sendo, surgem tipos de movimentos: (a) gerado pela

272 A revista em questão encontra-se no Centro Sérgio Buarque de Holanda da Fundação Perseu Abramo.

deteriorização repentina das condições de vida; (b) gerado pela ameaça que representa a ação urbana, seja por parte do Estado ou do poder econômico; (c) como consequência de um deficit constante de habitação e outros serviços; e (d) como movimento de oposição à política urbana da administração. Os bairros são caracterizados como marginais, populares e interclassistas. Os movimentos reivindicatórios podem acontecer em todos eles, embora a frequência seja maior nos dois primeiros tipos.

Sobre as formas de organização, aponta organismos da administração pública, associações, centros, sindicatos, assembleias e reuniões entre vizinhos. Já sobre as formas de organização, petições públicas, manifestação de oposição, ações destinadas a criar situação de força. Conclui ao afirmar os efeitos desses movimentos. Por um lado, como consequência da mobilização, estariam os ganhos reais. Por outro, mais interessante, a força social gerada pelo processo de mobilização.

Chico de Oliveira figura como o autor do segundo texto, sendo este “Acumulação monopolista, estado e urbanização – a nova qualidade do conflito de classes”274.

Nesse texto, Chico aponta que os problemas nacionais se refletem no urbano. A grande contradição trata-se de uma mudança construída pela entrada do “ciclo” do café. Antes a economia estava no campo, enquanto o poder, nas cidades, mas o eixo se transforma, de modo que o poder econômico passa a existir no solo urbano. O desenvolvimento econômico, pautado pela monopolização e pela ausência do Estado na solução das questões urbanas, suscita imenso caos social, produtor de lutas e resistências. O caos, como produto da evolução de uma economia de capitalismo atrasado, mostra as suas consequências numa dada psicologia da vida urbana. A questão do cotidiano foi apresentada no terceiro texto, de Henri Lefebvre, “Introdução à psicologia da vida cotidiana”275.

A partir desse arcabouço teórico, da experiência coletiva do MEP e da

274 Texto extraído de “Contradições Urbanas e Movimentos Sociais” - Co-edição CEDC. 275 Texto extraído de “Do rural ao urbano”. Ed. Península – Espanha- 1974.

efervescência social vista nas periferias das grandes cidades, a organização busca desenvolver o trabalho em bairros.

O Espírito Santo foi um dos lugares em que o MEP mais avançou. Das localidades, se encontram a Serra, onde havia participação no movimento de saúde, grupo de mulheres Eurico Salles e nos bairros São José e Taquara. Em Viana, com a pastoral e o movimento popular. Em Cariacica, havia atuação no movimento de bairro e operário em Campo Grande, além de mobilização relacionada ao transporte em Itaguaí. Já em Vitória, existia atuação em torno da questão da água nos bairros Itarari, Joana D'arc e Morro do Quadro. Por Vila Velha, atuavam junto ao movimento operário, amigos do bairro, nas CEBs e no movimento pró-morar. Em Linhares, havia atuação com os trabalhadores rurais. Por fim , em São Matheus, também desenvolviam trabalho no movimento de bairro e movimento no campo276.

No Rio de Janeiro, o MEP atuava através do Movimento Amigos de Bairro (MAB), que teve atuação na Favela Flor da Mina, Morro do Boréu, Vidigal, Guararapes, Chapéu Mangueira, Maré e Baixada Fluminense277. Em São Paulo, este tipo de

atuação foi mais restrito que em outras regiões do país, embora destaque-se atuação no Jardim Miriam, na zona sul, e em São Miguel Paulista, na zona leste da capital278. Em Minas Gerais, Pernambuco e Pará também havia participação. Como

resultado do conjunto dessas iniciativas, o MEP organizou um ativo nacional para tratar do tema, ocorrido em março de 1980.

No ativo, sete regiões estiveram presentes279. Como de praxe, foram dados

informes, feitas discussões em grupos, plenários e, por fim, um espaço de avaliação. Os grupos se dedicaram a alguns temas. O que primeiro veio à tona foi a utilização dos aparatos institucionais, como conselhos comunitários e centro sociais urbanos.

276 Estas informações foram retiradas da ata de uma assembleia do MEP dedicada a organizar a atuação no movimento popular no Espírito Santo. O documento se localiza no CSBH-Perseu Abramo. 277 Informações retiradas de uma ata da reunião do MAB. O documento se localiza no CSBH-Perseu Abramo.

278 Entrevista concedida por Miguel Carvalho, em 02 de abril de 2019.

279 As informações a seguir se referem à síntese do I Ativo Nacional de Bairros, documento localizado no CSBH-Perseu Abramo.

Nesse campo, se dedicaram a pensar o aprofundamento da democracia através de mecanismos de participação direta e o potencial do PT nessa direção. A questão da Igreja foi abordada. Reconhecia-se que as suas comunidades de base tornaram-se espaços de resistência popular, embora a cúpula da igreja enquanto instituição permanesse com caráter reacionário, construindo assim uma ambiguidade.

O Partido dos Trabalhadores estava no centro da reflexão do trabalho de bairro. A sua existência como frente aglutinadora das diversas formas de insatisfação acabou se tornando polo propulsor das mobilizações territoriais. As lutas nos bairros e a construção do PT fundiam-se em um mesmo processo.

Interessante notar que, embora a repressão da ditadura tivesse diminuído, o tema foi abordado, no sentido de garantir regras de seguranças e alertar para a transformação da violência ditatorial em violência policial nas periferias. Todavia, a violência também era vista na carestia e nas privações que configuravam a pobreza.

A questão cultural era valorizada pelo seu aspecto bifurcado, uma vez que ela possuía características de aproximação das pessoas e politização do cotidiano. Através da cultura se poderia criar espaços acolhedores, forjar novos valores, apresentar o PT. Ao lado da cultura, tópico novo a ser pensado pelo MEP, o debate sobre a situação das mulheres ganha contornos mais claros. Vale a pena aqui uma pequena citação:

“considerando que a opressão da mulher, bem como o de minorias raciais, faixas etárias ou homossexuais são maneiras que o capitalismo se serve para manter e acentuar a exploração e que, no caso específico, a emancipação da mulher não se dá parte do processo revolucionário, é fundamentalmente ao nível do programa do nosso movimento”280.

Organização da massa, trabalho partidário/expansão dos círculos e agitação e propaganda fecharam os tópicos do Ativo Nacional. Vale dizer que os próprios presentes no encontro reconheciam alguma debilidade organizativa. No entanto, o interessante é a constatação de que os conflitos sociais não se produziam exclusivamente no chão da fábrica. Em solo urbano, novas contradições surgiam ou se tornavam mais aparentes, como as questões de saúde, transporte, moradia, cultura, meio ambiente, a opressão contra as mulheres, negros e a população LGBT.

O MEP construiu o entendimento de que a luta operária deveria acompanhar a vida do trabalhador para fora de seu local de trabalho. Tal reflexão expandiu as formas de organização do grupo. Sem dúvida, esse passo adiante no campo da formulação foi como um filho do tempo histórico, que tinha na construção do PT a principal marca.