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II. Revisão da literatura

2. Do espaço

2.1. Do espaço ao lugar

Ao procurar uma definição generalizada de espaço deparamo-nos com a ideia de que não existe espaço vazio, tudo à nossa volta é matéria em diferentes estados e todas as matérias são constituídas por partículas e onde todas as formas são constituídas por matéria.

Neste sentido, nada está ao acaso. Tudo, desde a mais pequena partícula, está dividido em formas naturais e em formas artificiais. As primeiras, provêm da natureza; as segundas resultam da ação Homem como agente organizador do espaço. Assim, este, enquanto forma, constitui-se como uma forma natural, mas também como elemento artificial/cultural.

O Homem, ao ter a consciência dessa tendência, cria formas, ainda que com carácter predominantemente funcional, nas quais os lugares se apresentam como plataformas de conforto de identidade, onde os não-lugares também podem proliferar (Traquino, 2010).

No entanto, a Modernidade separou o espaço do lugar, o que antes era uma categoria única, simultânea, em que as dimensões espaciais da vida social eram caraterizadas pela presença das pessoas, passou a uma dimensão separada. O espaço afasta-se do lugar, ao ampliar as possibilidades de relações

entre outros com quem não há necessariamente contacto pessoal. O lugar é familiar, delimitado, específico, concreto, onde as nossas identidades estão estreitamente ligadas, onde, também, se podem criar raízes (Hall,1999; Giddens, 1991).

Neste sentido, os lugares são espaços de vivências, identitários, localizados geograficamente, de sentido inscrito e simbolizado, o lugar é, assim, como um caminho no espaço (Burgin, 1996), como recortar no mundo espaços significantes (Augé, 2007). Não podem ser locais virtuais, despidos de sentido e de vida. São lugares que, em relação com a dinâmica global do mundo contemporâneo, funcionam como pontos de referência a partir dos quais possa ser possível uma articulação entre o local e o global. Os espaços tornam-se locais enquanto ligados à pessoa, ganham significado e implicam o decurso de atividades cheias de sentido, o lugar é o que o corpo inscreve na oportunidade espacial (Silva, 1999; Altman & Rogoff, 1987).

Se não estivermos atentos, criamos os não-lugares que Marc Augé (2007) refere como as instalações necessárias à circulação acelerada das pessoas e de bens, como os próprios meios de transporte ou os grandes centros comerciais, que proliferam e substituem os verdadeiros lugares.

Nesta perspetiva, será urgente uma tomada de consciência da cultura específica de cada lugar, sobretudo na construção de valores de cidadania numa sociedade em rápida transformação consequente dos efeitos da atual globalização, perdendo, assim, sentido na sociedade atual.

Se por um lado nunca estivemos tão conscientes da enorme diversidade das culturas locais no planeta e, portanto, da diversidade de lugares; por outro, também aumenta a noção de distância por processos universalizantes de migração e novas tecnologias da informação e da comunicação que tendem a tornar estas realidades como meros espaços virtuais, separados das experiências dos ambientes físicos (Traquino, 2010).

Desta forma, o que parece inevitável é voltar a incorporar nesses lugares os símbolos, os rituais e as práticas organizadas e as de lazer que ligam as pessoas a um lugar e a um sentido comum das atividades culturais do passado, persistindo através do tempo (Featherstone, 1995).

São experiências comuns que se sedimentam e associam a um espaço físico, reconhecendo-se nele (Augé, 2007). Tendo em conta que a mobilidade é

a principal característica das nossas populações, principalmente as que se encontram no interior mais profundo do nosso país. Assim, torna-se importante que estas pessoas que vivem experiências de desterritorização e de instabilidade geográfica e de ausência de sentido da memória coletiva, possam, também, ter experiências positivas de relacionamento num local significante dentro do qual nos procuramos situar (Featherstone, 1995).

Para esta (re)construção do sentido de lugar, é necessário ter a capacidade de o preservar, ou transformar, sem que destruamos o seu material simbólico do qual várias identidades podem ser formadas. Num processo de aprendizagem e vivência essencialmente localizado, mas com oportunidade de olhar em volta dando a esse lugar, um sentido mais global em que a especificidade desse lugar deriva do facto de ser uma mistura singular de relações mais amplas e mais locais (Traquino, 2010; Augé, 2007; Massey, 1994).

Nesta perspetiva, interessa que o espaço se encontre para além da aparência, podendo o espaço concebido incorporar o espaço vivido, concreto, o espaço dos sujeitos e das suas práticas.

O espaço físico, para além da sua porção de superfície, de maior ou menor dimensão, com a sua organização e composição formal, bem com os seus volumes e relacionamentos físicos e psíquicos com a estrutura dessa superfície desempenhados pelos seus utilizadores e processos da sua apropriação. Pode integrar para além destes aspetos mais superficiais, o da profundidade e identidade que se associam conotações de densidade particular e qualitativa, acrescentando memória ao espaço.

Nas atividades de lazer, com as experiências que advêm dessas atividades poderemos acrescentar essa profundidade, porque a paisagem vivida torna-se num lugar com significado. O que começa como um espaço indiferenciado, torna-se, assim, num lugar à medida que o vamos conhecendo melhor e o dotamos com valor, preenchido de sentido. Um lugar emerge do espaço pela sua vivência e memória inscrita, construindo desta forma o sentido individual de lugar (Tuan, 1997).

Nesta perspetiva, através do processo do tempo, os lugares podem adquirir um profundo significado afetivo. Mas pode, igualmente, acontecer uma relação muito forte com um lugar onde estivemos ou passamos pouco tempo. Neste caso, mais do que o fator temporal, é a intensidade e qualidade das

experiências pessoais que importa. O sentido do lugar produz-se na fusão das nossas experiências (físicas, emotivas e cognitivas) dos seus ritos, símbolos e elementos naturais e humanos. O lugar une assim, o espaço, cultura e memória. O lugar não pode cartografar-se como o espaço, pois não é entendido tão cerebralmente quanto este, mas com a densidade emocional, é muito mais do que um ponto ou conjunto de pontos num mapa.

A noção de pertencer a um lugar tornou-se particularmente complexa no mundo contemporâneo. Grande parte da população, desde muito jovem, vive deslocada dos seus lugares de origem e uma grande parte nem chega a estabelecer uma relação consistente com um lugar. De facto, torna-se fundamental criar políticas para a afirmação do local fase ao global, dos locais do interior fase à massificação do lugar no litoral, permitindo desta forma, a fixação, não só geográfica mas também simbólica, e como tal, a criação de raízes na condição existencial da itinerância (Traquino, 2010).

Boa parte dos males sociais que se exprimem em sentimentos de insegurança, perda de confiança, desenraizamento, fragmentação e conflitualidade tem origem numa desinstitucionalização do espaço social que esvazia o sentido de lugar (Innerarity, 2010).

Os lugares, suportam relacionamentos e experiências que produzem memórias partilhadas que singularizam essa localidade. Com a destruição desses lugares, que só sobreviverão na lembrança, poderão, ao longo dos tempos, perder-se no tempo e na memória. As emoções e sentido de pertença enfraquecem e a identidade torna-se ténue, assim como o percurso geográfico será retirado do nosso mapa (Ryden, 1993).

Neste sentido, as noções de pertença, localidade e identidade são construídas. Estas, por vezes, colidem com os interesses políticos, económicos e sociais, nacionais e internacionais, mais vastos proliferando os debates em torno da ideia de lugar, procurando desta forma novas configurações e sentidos.

Esta perspetiva parte de uma visão de cidade e de sociedade onde se reforça o sentido de pertença de cada um, porque todos sentem que têm um lugar de referência e um espaço de afirmação e expressividade (Cunha, 2007).