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Do tratamento dado aos juros, intangíveis e serviços

6.3. Dos métodos previstos nas Diretrizes da OCDE

6.3.3. Do tratamento dado aos juros, intangíveis e serviços

O Modelo OCDE trata de forma bem objetiva a questão da dedutibilidade dos juros quando as partes envolvidas forem relacionadas.

Enquanto o art. 9º do modelo traz a disciplina das relações entre empresas associadas para fins de controle das transferências de preços, o § 6º do art. 11 do mesmo modelo apresenta o tratamento que deve ser dado quando a questão envolver o pagamento de juros.

Referido dispositivo dispõe que, caso, em razão de um relacionamento especial entre o devedor e o credor ou entre ambos e um terceiro, o montante de juros, considerando o respectivo crédito, exceda o montante que seria acordado pelo devedor e pelo credor na ausência de tal relacionamento privilegiado, somente o valor correspondente ao não excedente é que será considerado arm’s length.

No que se refere aos intangíveis, as Guidelines da OCDE contém um capítulo

próprio sobre o assunto, intitulado de “Special Considerations for Intangible Property”, em

que aquele organismo internacional apresenta algumas considerações relacionadas ao trato das transações envolvendo propriedade intangível, considerando que tais transações são muito difíceis de serem avaliadas para fins fiscais.

O capítulo trata da aplicação dos métodos apropriados para o estabelecimento dos preços de transferência em transações envolvendo propriedade intangível utilizada em atividades comerciais (trade intangibles), bem como as de marketing (marketing

intangibles).343 Conforme preleciona Luís Eduardo SCHOUERI, “os primeiros versam sobre as propriedades intelectuais cuja criação e desenvolvimento, de regra, exigem vultosos investimentos, para o que o seu criador espera obter um retorno adequado; os últimos são aqueles bens imateriais que ajudam na exploração comercial de um produto ou serviço (marcas comerciais, listagem de clientes, canais de distribuição etc.)”.344

A OCDE considera, como “propriedade intangível”, os direitos de uso de ativos industriais, tais como patentes, marcas e nomes comerciais, desenhos ou modelos, bem como direitos de propriedade artística e literária, e propriedade intelectual como know-how e

segredos comerciais.

Os intangíveis comerciais345 compreendem as patentes, o know-how, desenhos, e

modelos usados na produção de um bem ou na provisão de um serviço, bem como os direitos intangíveis, que são, eles próprios, ativos transferidos para clientes ou utilizados na operações do negócio, assim como o software. Tais bens são geralmente criados a partir de pesquisa e

desenvolvimento (em inglês R&D, ou Research and Development) custosas e de alto risco,

para as quais o respectivo desenvolvedor busca obter o reembolso das despesas e lucro através da venda de produtos, contratos de serviço, ou acordos de licenciamento.

Os intangíveis de marketing consistem em marcas e nomes de comércio que dão

suporte ao uso comercial de um produto ou serviço, listas de clientes, canais de distribuição, e nomes, símbolos, ou imagens exclusivos que possuem um valor promocional importante para o produto envolvido. Seus valores, por sua vez, dependem de diversos fatores, dentre eles a reputação e credibilidade da marca ou nome de comércio promovidos pela qualidade dos bens e serviços disponibilizados sob o nome ou a marca no passado, o grau de controle de qualidade na pesquisa e desenvolvimento, distribuição e disponibilidade dos bens ou serviços negociados, a extensão e o sucesso das campanhas promocionais, incluindo propaganda e campanhas de marketing etc.

Segundo Luís Eduardo SCHOUERI, “nem toda atividade de pesquisa e desenvolvimento produz um intangível comercial, assim como nem toda atividade de

343

Neste sentido, TÔRRES, Heleno Taveira. Direito tributário internacional. Planejamento tributário e operações transnacionais. p. 256.

344

SCHOUERI, Luís Eduardo. Preços de transferência no direito tributário brasileiro. p. 139.

345

A OCDE distingue os intangíveis comerciais em trade intangibles e marketing intangibles. OECD. 1995 OECD Transfer Pricing Guidelines for Multinational Enterprises and Tax Administrations. p. VI-2.

marketing gera um intangível para comercialização. Há, por exemplo, atividades de marketing, como estratégias de vendas, relações públicas, controle de qualidade etc. que

podem ter um impacto limitado ao próprio período em que se produziram e neste caso não se consideram um ativo intangível, mas mera despesa corrente”.346

Em linha com o que definem as Guidelines, o Prof. Heleno Taveira TÔRRES347

manifesta que tal classificação não é rigorosa, eis que há bens intangíveis que podem ser considerados tanto como comerciais quanto de marketing, dentre eles a propriedade

intelectual (know how e segredos de comércio).

A OCDE considera “know-how” um conceito pouco preciso, apresentando no § 11

dos Comentários ao art. 12 do Modelo OCDE a seguinte definição:

Know-how é toda informação técnica não divulgada, capaz ou não de ser

patenteada, que é necessária para a reprodução industrial de um produto ou processo, diretamente ou sob as mesmas condições; em se considerando que é derivada da experiência, know-how representa o que um fabricante não pode saber

por mero exame do produto ou mero conhecimento do progresso da técnica”. Ao conceito podem ser acrescentados os processos ou fórmulas confidenciais ou outras informações confidenciais envolvendo experiências industriais, comerciais ou científicas não cobertas por patente.348

A dificuldade na aplicação do princípio surge desde que haja, no bem intangível sujeito ao controle, uma característica especial complicando a pesquisa de comparabilidade e em alguns casos tornando difícil o estabelecimento do valor ao tempo da transação, bem como diante da existência, por razoes de negócio apropriadas ao relacionamento entre as empresas associadas, a estruturação da transferência de um maneira que empresas independentes não o fariam.

A OCDE acrescenta que a análise de comparabilidade depende tanto da perspectiva de quem transfere quanto de quem recebe a propriedade intangível, sendo que, em relação ao primeiro, o princípio arm’s length deve levar em conta o preço pelo qual uma empresa

independente comparável estaria disposto a transferir a propriedade e, na perspectiva de quem recebe, o fato de que uma empresa independente pode ou não estar preparada para pagar tal

346

SCHOUERI, Luís Eduardo. Preços de transferência no direito tributário brasileiro. p. 139.

347

TÔRRES, Heleno Taveira. Direito tributário internacional. Planejamento tributário e operações transnacionais. p. 257.

348

Cf. OECD. 1995 OECD Transfer Pricing Guidelines for Multinational Enterprises and Tax Administrations.

preço, dependendo do valor e utilidade da propriedade intangível em seus negócios, devendo ser considerado que esta empresa somente deverá pagar uma taxa de licença se o benefício que está esperando proteger com o uso do bem é satisfatório, considerando outras opções disponíveis.

Conclui, aquele organismo internacional, que a utilidade da propriedade intangível deve ser considerada quando se for determinar a comparabilidade, o que evidencia a importância de serem levados em conta todos os fatos e circunstâncias quando da determinação da comparabilidade das transações.

Considerando este aspecto, Heleno Taveira TÔRRES aponta que “os fatores que influenciam a determinação dos preços praticados podem variar consideravelmente, em face de diferentes circunstâncias: i) ligadas à venda do bem; ii) vinculadas à existência de um acordo de licença baseado no pagamento de royalties; iii) a remuneração pelo uso do

intangível pode ser incluída no preço das mercadorias, por exemplo, semi-elaborados, com o aproveitamento para o processamento adicional dos produtos; iv) o preço de transferência pode ser um preço de conjunto, por exemplo, das coisas mais a propriedade intangível; v) também pode ser praticado um preço conjunto que compreenda todo o tipo de bens intangíveis, com assistência técnica e treinamento – nesse caso, pode ser necessário considerar cada item em separado para a verificação do preço normal”.349

As Guidelines da OCDE apresentam os fatores relevantes que devem ser

considerados na comparabilidade entre as operações controlada e não controlada, quais sejam: os benefícios esperados oriundos da propriedade intangível, possivelmente determinados através do calculo do valor líquido presente; limitações na área geográfica em que os direitos devem ser exercidos; restrições na exportação dos bens produzidos mediante o uso de qualquer direito transferido; a característica de exclusividade ou não dos direitos transferidos; o investimento de capital (para construir novas plantas ou comprar máquinas especiais), as despesas de instalação (start up) e com o trabalho de desenvolvimento requerido pelo

mercado; a possibilidade de sub-licenciamento, a rede de distribuição do licenciado, e se o licenciado tem o direito de participar em desenvolvimentos adicionais da propriedade pelo licenciador.

349

TÔRRES, Heleno Taveira. Direito tributário internacional. Planejamento tributário e operações transnacionais. p. 257.

Em se tratando de patente, a análise de comparabilidade deve considerar sua natureza (se do produto ou do processo), e o grau e a duração da proteção dados sob as leis de patente dos países relacionados, considerando a hipótese de novas patentes poderem ser desenvolvidas rapidamente com base nas anteriores, de modo que a proteção efetiva da propriedade intangível deve ser consideravelmente prolongada. O período em que a patente tende a manter seu valor econômico no mercado ainda deve ser considerado, tendo em vista que uma patente completamente nova e única (invenção, nova idéia) pode tornar uma patente existente rapidamente obsoleta. Outros fatores consistem no processo de produção para o qual a propriedade é utilizada, e o valor que este processo adiciona ao produto final.

Outrossim, analisando as funções desenvolvidas, incluindo ativos usados e riscos assumidos, os riscos considerados devem incluir as responsabilidades sobre o produto e ambientais, que se tornaram importantes como nunca antes, ainda segundo a OCDE.

Finalmente, aquele organismo internacional considera adequada para o estabelecimento do preço arm’s length nos casos de venda ou licenciamento de propriedade

intangível, quando o mesmo proprietário tenha transferido ou licenciado propriedade intangível comparável sob circunstâncias comparáveis para empresas independentes, a utilização do método CUP, bem como o RPM, caso a empresa associada sub-licencie a

propriedade para terceiros. Os mesmos métodos são possíveis de serem utilizados nos casos de venda de bens que incorporem propriedade intangível.

Este aspecto é observado por Luís Eduardo SCHOUERI, na seguinte passagem:

“No caso de venda de bens que incorporam bens intangíveis, pode-se também cogitar do emprego dos métodos dos preços independentes comparados ou do método do preço de revenda. No caso de estarem envolvidos bens intangíveis para comercialização (uma marca, por exemplo), importa considerar o valor agregado pela marca a partir da aceitabilidade, pelo consumidor, da importância geográfica, da participação no mercado etc. Para tanto, usam-se, de início, outros bens com marcas comparáveis; na ausência destes, pode ser útil examinar as vendas de produtos que seriam idênticos, não fosse a falta da marca, para, a partir daí, apurar o valor que a marca agregou ao bem. No caso de intangíveis comerciais, a análise comparativa considerará, ainda, o valor a eles atribuível e a importância de pesquisa e desenvolvimentos constantes”.350

Caso haja intangíveis de marketing envolvidos, a análise de comparabilidade deve

considerar o valor adicionado pela marca de comércio, tendo em conta a aceitação pelo

350

consumidor, importância geográfica, divisões de mercado, volume de vendas e outros fatores relevantes. Em se tratando de intangíveis comerciais, a análise de comparabilidade deve adicionalmente considerar o valor atribuível aos intangíveis (patentes protegidas ou outros intangíveis exclusivos) e a importância das funções de pesquisa e desenvolvimento.

A OCDE considera ainda o aspecto de haver dificuldade em encontrar transações não controladas comparáveis quando em pauta propriedade intangível muito valiosa, do que decorrerá possível inaplicabilidade dos métodos transacionais tradicionais e o TNMM,

principalmente quando as partes envolvidas na transação possuem propriedade intangível altamente valorizada ou ativos exclusivos usados na transação que a distinguem daquelas de concorrentes potenciais, para os quais o método PSM pode ser apropriado mesmo que haja

problemas práticos em sua aplicação.

Em todos os casos, como bem observam Luís Eduardo SCHOUERI351 e Heleno Taveira TÔRRES,352 a OCDE recomenda que, em não havendo certeza quanto a valoração da propriedade intangível, Fisco e contribuinte deverão procurar resolver a questão, levando em consideração os preços acordados entre empresas independentes, em circunstâncias comparáveis, o que nos parece ser possível através de um Advance Pricing Arrangement.353