Controle fiscal dos preços de transferência
Mestrado em Direito
Marcelo Alvares Vicente
Controle fiscal dos preços de transferência
Dissertação apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para obtenção do título de Mestre em Direito Tributário, sob a orientação da Prof.ª Doutora Elizabeth Nazar Carrazza
Banca Examinadora
_____________________________________
_____________________________________
Resumo
O presente trabalho discorre sobre um assunto que a doutrina brasileira e estrangeira
vem focando de forma cada vez mais dinâmica, em razão de sua relevância perante o direito
tributário internacional e da crescente problemática que lhe envolve: o controle fiscal dos
preços de transferência. Um dos principais objetivos de nosso trabalho e o que, de certa
forma, o moveu, consiste em colaborar para a evolução da ciência do direito tributário em seu
aspecto internacionalístico, em especial no que se refere ao atual cenário do tema na visão da
Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) e do direito
brasileiro. Partindo-se de uma análise não meramente dogmática, mas voltada à integração
dos sistemas nacional e internacional, aplicando-se os conceitos e normas de direito tributário
que objetivam evitar a fuga de capitais e a conseqüente elisão fiscal por ela provocada,
busca-se, como resultado, estabelecer um patamar mínimo de segurança para a aplicação da
legislação infraconstitucional – combinada que seja com os termos dos acordos internacionais
pelo Brasil firmados – que regula a tributação dos lucros das empresas e as regras de preços
de transferência, ou, de modo inverso, a adequação, dos métodos propostos por aquele
organismo internacional, ao sistema jurídico tributário brasileiro. O estudo enfoca, com rigor,
a análise das regras propostas pela OCDE e daquelas prescritas pela legislação brasileira,
buscando sua interpretação, sobretudo diante da necessidade de bem avaliarmos quanto à sua
plena aplicabilidade, pretendendo demonstrar se se sustentam quando desafiadas pelas
operações que tenham por escopo, direta ou indiretamente, a prática de elisão fiscal. É com
esse intuito que apresentamos este estudo, não exaustivo do assunto diante do corte
metodológico que se faz necessário, concentrando-nos na questão da aplicabilidade das regras
de preços de transferência e depurando contingências normativas que possam dar azo a
Abstract
Sumário
Introdução...9
1 Interesse pelo tema ...13
1.1. Importância do tema a partir do crescimento do comércio internacional e dos problemas de bitributação e de elisão fiscal...13
1.2. Importância do tema a partir da evolução dos meios de comunicação e da Internet...16
2 Preço de transferência: conceito e princípio norteador ...21
2.1. Origem do conceito e seu emprego pela doutrina nacional e internacio-nal ...21
2.2. O princípio que norteia o regramento dos preços de transferência: arm’s length....25
2.2.1. O “arm’s length” como limite objetivo...29
2.2.2. A crise do princípio arm’s length: sua eventual inconsistência em nível mundial e possível inconstitucionalidade perante o direito brasileiro – o problema das presunções ...30
3 Evolução do tema ...44
3.1. Evolução no contexto internacional ...44
3.1.1. Evolução a partir da contribuição dos organismos internacionais ...44
3.1.2. Evolução no contexto do desenvolvimento das novas tecnologias de comunicação e informação e Internet ...52
3.2. Evolução no contexto do direito brasileiro...56
3.2.1. Do tratamento dado pelo direito brasileiro anteriormente ao advento da Lei n.º 9.430/96 ...58
3.2.2. Da introdução do conceito e das regras aplicáveis aos preços de transferência no direito brasileiro ...60
4 Tributos sujeitos ao controle dos preços de transferência ...80
4.1. Da regra-matriz de incidência – Sua estrutura lógica – Hipótese e conseqüência – Critérios ...80
4.3. Dos tributos sujeitos às regras de preços de transferência no direito brasileiro –
Imposto de Renda e Contribuição Social sobre o Lucro Líquido...83
4.3.1. A regra-matriz de incidência do Imposto de Renda ...85
4.3.2. A regra-matriz de incidência da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido...90
5 Identificação da necessidade e os pressupostos para o controle dos preços de transferência...92
5.1. Elemento de estraneidade ...94
5.2. Pressupostos subjetivos ...95
5.2.1. Pessoas vinculadas ...95
5.2.2. Pessoas independentes localizadas em países ou dependências com tributação favorecida e que oponham sigilo relativo à composição societária de pessoas jurídicas ou a sua titularidade ...122
5.3. Pressupostos objetivos...130
5.4. Vantagem “anormal” ...130
5.4.1. Critérios de comparabilidade... 131
5.4.2. Análises produto a produto e transação a transação ...140
5.4.3. Similaridade ...142
6 Métodos de controle sobre os preços de transferência ...145
6.1. Breve histórico da positivação dos métodos de controle sobre os preços de transferência...145
6.2. Da possível identidade existente entre os métodos da OCDE e os brasileiros...148
6.3. Dos métodos previstos nas Diretrizes da OCDE ...151
6.3.1. Métodos transacionais tradicionais ...153
6.3.2. Métodos transacionais baseados no lucro das operações ...166
6.3.3. Do tratamento dado aos juros, intangíveis e serviços...173
6.3.4. Da relação de hierarquia existente entre os métodos previstos pela OCDE ...178
6.4. Dos métodos previstos na legislação brasileira ...181
6.4.1. Dos métodos aplicáveis às operações passivas (importações) ...183
6.4.2. Dos métodos aplicáveis às operações ativas (exportações)...198
6.4.3. Das características gerais dos métodos aplicáveis às operações passivas (importações) e operações ativas (exportações) ...205
6.4.5. Dos tratados internacionais assinados pelo Brasil e a possível
antino-mia com a legislação brasileira ...224
7 Ajustamentos correlativos e o problema da bitributação...232
7.1. Da realização dos ajustes primários e a conseqüente bitributação ...232
7.2. Dos ajustes correlativos como forma de se evitar a bitributação ...233
8 Hipóteses de não aplicação de ajustes ...238
8.1. Acordo de Preços Antecipado (Advance Pricing Arrangement –APA) ...238
8.2. Safe Harbours...245
9 Conclusões...251
Introdução
O presente trabalho enfoca, com rigor, a análise das regras de preços de
transferência no âmbito dos acordos internacionais e da legislação brasileira, buscando sua
interpretação quando diante da necessidade da aplicação de seus conceitos no tratamento da
tributação do lucro das empresas, sobretudo diante da necessidade de bem avaliarmos quanto
à sua plena aplicabilidade em tais operações, pretendendo demonstrar se há sua
sustentabilidade quando desafiadas pelas operações que tenham por escopo, direta ou
indiretamente, a prática de elisão fiscal.
O plano de trabalho tem como alvo a apresentação das características mais
relevantes do tema transfer pricing, partindo-se da análise dos principais conceitos a ele relacionados e de questões controversas por ele propostas, aliado ao exame crítico do
ordenamento jurídico nacional, do modelo de convenção e das diretrizes (Transfer Pricing Guidelines for Multinational Enterprises and Tax Administrations) propostos pela OCDE.1
Serão objeto de estudo pormenorizado os tributos abrangidos pelas regras de preços
de transferência – no Brasil, o Imposto sobre a Renda e a Contribuição Social sobre o Lucro
Líquido – bem como as razões para a existência do controle desses preços, dando-se um
enfoque especial ao princípio arm’s length, visando estabelecer no que consiste seu conceito e como vem sendo trabalhado na doutrina nacional e estrangeira.
Os conceitos de empresa vinculada e de empresa localizada em país com tributação
ou regime societário favorecidos, sujeitas ao controle dos preços de transferência, estarão
presentes em capítulo específico, em que serão focados os conceitos de empresas associadas
1
(controladoras, controladas e coligadas) e estabelecimentos permanentes (filiais, sucursais,
agências etc.).
Serão utilizados, deste modo, diversos conceitos presentes nas Guidelinesda OCDE, os quais procuraremos adequar à realidade da legislação e dos negócios realizados com
empresas residentes no Brasil, cuidando ainda de sua eventual aplicação diante da inexistência
ou de lacunas na regulamentação brasileira, ou ainda, em razão de terem sido as normas
introduzidas em nosso ordenamento inspiradas no modelo daquela organização internacional.
Será apreciada a normatização das regras de preços de transferência, dando-se
especial enfoque às regras constantes do modelo e das diretrizes da OCDE, bem como da
legislação brasileira – Lei n.º 9.430/96 e IN/SRF n.º 243/2002. Os métodos previstos pela
OCDE, que complementam seu Modelo de Convenção e as convenções internacionais
assinadas pelo Brasil, e aqueles previstos na legislação brasileira, serão objeto de comparação,
sobretudo, em razão da não rigidez daqueles e da rigidez destes.
Os métodos da OCDE, previstos em suas Guidelines e conhecidos como CUP – Comparable Uncontrolled Price Method, RPM – Retail Price Metod, CPM – Cost Plus Method, métodos tratados como “transacionais tradicionais”, bem como aqueles chamados de “transacionais baseados no lucro das operações”, PSM – Profit Split Method e TNMM – Transactional Net Margin Method, serão objeto de comparação com aqueles previstos na legislação brasileira, conforme nos apresenta a Lei n.º 9.430/96, por sua vez chamados de PIC
– Preços Independentes Comparados, PRL – Preço de Revenda menos Lucro, CPL – Custo de
Produção mais Lucro, PVEx – Preço de Vendas nas Exportações, PVA – Preço de Venda por
Atacado no País de Destino, diminuído do lucro, PVV – Preço de Venda no Varejo no País de
Destino, diminuído do lucro, CAP – Custo de Aquisição ou de Produção mais Tributos e
Lucro. Os capítulos correspondentes serão concluídos com comentários sobre os métodos
aplicáveis em operações financeiras e em regimes especiais – juros, intangíveis e serviços.
Serão objeto de avaliação as hipóteses de aplicação dos métodos transacionais
tradicionais e aqueles baseados no lucro, levando-se em consideração a inexistência de
transações comparáveis, a existência de propriedade intangível e a distribuição estratégica das
diversas funções desempenhadas pela empresas por diversas soberanias. Serão apresentadas
realizados por empresas transnacionais no âmbito global, que ensejam a aplicação dos “outros
métodos”.
Nesse contexto, serão ainda apreciados os critérios de comparabilidade – que
incluem a análise funcional (functional analysis) – para apuração dos custos e preços médios, o problema das provas na construção dos fatos, os ajustes correlativos, bem como o chamado
“Acordo de Preços Antecipado” (Advance Pricing Arrangement – APA), sua utilidade, vantagens e desvantagens.
Juntamente ao APA, em capítulo que trataremos das hipóteses de não aplicação de ajustes aos preços, será abordado o tema dos Safe Harbours, ou “portos seguros”, situações que se excluem da necessidade de controle de preços, eis que previamente definidas como
insuscetíveis de serem submetidas a quaisquer ajustes.
Analisando os estudos paradigmáticos do Sub-group of Working Party No. 6 on Electronic Commerce da OCDE sobre o assunto, presentes no relatório E-Commerce: Transfer pricing and business profits taxation, teremos oportunidade de apresentar o posicionamento atual deste organismo internacional quanto a aplicabilidade dos métodos de
apuração dos preços de transferência nas operações de comércio eletrônico, o que nos
permitirá desenvolver um exame preliminar sobre a oportunidade de manter ou modificar as
regras que regulam os métodos atualmente em uso, quando desafiados por operações de e-commerce, buscando avaliar se efetivamente, conforme concluiu o sub-group, a revolução nas comunicações não apresentou novos ou diferentes problemas para os preços de transferência,
conquanto tenha potencial para tornar mais comuns alguns dos mais difíceis problemas
relacionados a esse tema.2
É com esse intuito que apresentamos este estudo, não exaustivo do assunto diante do
corte metodológico que se faz necessário, concentrando-nos na questão da aplicabilidade das
regras de preços de transferência e depurando contingências normativas que possam dar azo a
elisão fiscal.
2
Finalizando, proporemos modelo que seja hábil para a solução dos problemas
apresentados, consolidando diversas posições doutrinárias e apresentando em destaque a que
nos pareça mais adequada, considerando a postura científica adotada conforme os estudos
1
Interesse pelo tema
1.1. Importância do tema a partir do crescimento do comércio internacional e dos problemas de bitributação e de elisão fiscal
A partir da década de 80, o comércio internacional passou a ter uma relevância
muito superior à que até então vinha desempenhando na economia mundial, crescendo esta
importância na década de 90 e, com a chegada do novo século, atingindo taxas antes nunca
vistas.3
Conseqüência direta deste crescimento é a distribuição estratégica das operações
comerciais pelas empresas, o que, por sua vez, enseja a criação e a multiplicação de
estabelecimentos de toda a natureza (fábricas, armazéns, distribuidoras, centros de
atendimento a clientes, escritórios etc.) em diversas partes do mundo. Mais que uma
estratégia, passou a ser uma medida de sobrevivência4 a atuação das empresas em diversos países através de filiais, subsidiárias, distribuidoras, agências, escritórios, na medida em que a
crescente globalização5 determinou tal necessidade.
Ainda como parte da estratégia, estes estabelecimentos passam a pertencer, direta ou
indiretamente, a empresas de um mesmo grupo, ou são empresas coligadas, controladoras ou
controladas, podendo-se qualificá-las como interdependentes, realizando o que se denomina
de “comércio intra-firma”6 e praticando o que se convencionou chamar de intercompanies
3
“Da importância desse fato diz bem o 2º Censo de Capitais Estrangeiros no Brasil, do ano de 2000, que aponta existirem então no Brasil 11404 empresas com mais de 10% de participação estrangeira em seu capital, das quais 9712 controladas por não residentes no país, havendo crescido a exportação intra-firma de US$ 9,1 bilhões em 1995 para US$ 21,0 bilhões no ano 2000”. TAVOLARO, Agostinho Toffoli. Preço de transferência (transfer pricing) no direito brasileiro. p. 1.
4
Para Agostinho Toffoli TAVOLARO, “a internacionalização dos fenômenos econômicos que marcou o nosso século XX que ora se finda veio pressionar as empresas a buscar formas de otimização de sua produção e vendas, de modo a lhes permitir acesso e permanência a mercados que garantissem sua sobrevivência e expansão”. TAVOLARO, Agostinho Toffoli. Tributos e preços de transferência. In: SCHOUERI, Luís Eduardo. ROCHA, Valdir de Oliveira. (coords.). Tributos e preços de transferência. 2. vol. p. 30.
5
Seguindo o conceito dado por Paulo Borba CASELLA, Thelma Perez Soares CORREA e Ralph SAPOZNIK, entendemos “globalização” como “a internacionalização crescente das atividades econômicas”. CASELLA Paulo Borba. CORREA, Thelma Perez Soares. SAPOZNIK, Ralph. Preço de transferência: “Interface” entre direito interno e direito internacional. In: SCHOUERI, Luís Eduardo. ROCHA, Valdir de Oliveira (coords.).
Tributos e preços de transferência. 2. vol. p. 279.
6
price,7 ou podem manter entre si vínculos contratuais de cooperação por questões de interesses comuns.
A atuação em vários países, através de subsidiárias, filiais, distribuidoras, agências
ou escritórios de assistência técnica gerou a necessidade de as empresas espalharem pelo
mundo seus recursos humanos e técnicos, produtos e matérias primas, métodos
organizacionais etc. A transferência destes “insumos”, por sua vez, trouxe a necessidade de
fixação de valores (preços) para fins de se apurar se as alocações estratégicas de recursos
traziam lucros ou prejuízos para a empresa comerciante.
O contexto empresarial estratégico não buscou unicamente uma melhor distribuição
das atividades e serviços nas diversas unidades que perfazem um todo em diversas partes do
globo terrestre. Tomando-se o aspecto tributário como fator decisivo no processo de
minimização de despesas e de ampliação da lucratividade das empresas, notadamente, os
negócios passaram a ser estruturados visando a redução dos tributos ao mínimo possível,8 procurando-se evitar ainda as normas de controle cambial e de remessa de lucros,9 tornando-se a “transferência de preços” um instrumento interessante e, porque não dizer, indispensável
para reduzir, de forma estratégica, a tributação sobre os lucros.
Em verdade, dita transferência visa serem os rendimentos das empresas tributados
em países diversos daqueles em que se situa a sua residência, em geral naqueles que
proporcionem tratamento mais benéfico, levando-as ao superfaturamento nas importações e
ao subfaturamento nas exportações.10
Diante desse quadro, tem-se que as transações entre partes relacionadas ou
submetidas a um poder de decisão centralizado, envolvendo cessão e utilização de bens
materiais ou imateriais, financiamentos, fornecimento de serviços, passaram a ser realizadas
com preços de transferência divergentes dos preços praticados sob o regime qualificado como
de “livre concorrência”, passando, tais operações, a ter relevância fiscal, eis que em sua
maioria foram estrategicamente planejadas para, direta ou indiretamente (i) gerar transferência
7
TÔRRES, Heleno Taveira. Direito tributário internacional. Planejamento tributário e operações transnacionais. p. 161.
8
Idem. Ibidem. p. 161.
9
TAVOLARO, Agostinho Toffoli. Preço de transferência (transfer pricing) no direito brasileiro. p. 1.
10
de base de cálculo dos impostos incidentes sobre a renda – no Brasil, IRPJ e CSLL – de países
de maior tributação para países de menor tributação; (ii) compensar bases de cálculo negativas
(prejuízos) com positivas; (iii) reduzir a base de cálculo dos impostos “indiretos”; ou (iv)
diferir o pagamento dos tributos conforme as estratégias das empresas.11
Como bem expõe Luís Eduardo SCHOUERI,12 trata-se de matéria que interessa a ambos os pólos da relação jurídica tributária, empresa e Poder Público. Ao primeiro, na
medida em que a fixação inadequada de preços de transferência pode distorcer os resultados
globais do grupo de empresas, podendo implicar em desvio de lucros; ao segundo, porque tal
distorção poderá implicar em super ou subfaturamento, decorrendo possível evasão na esfera
dos tributos aduaneiros e ainda lançamentos de resultados gastos, como custos, despesas ou
depreciações, maiores que o necessário ou pela não alocação ao país de resultados produzidos.
Visando coibir estas práticas propositais de aumento de custos ou redução de preços
segundo os interesses do grupo transacional de empresas, é que procuraram adotar,
inicialmente os países desenvolvidos – em movimento que se alastrou aos países “em
desenvolvimento” ou “subdesenvolvidos”13– normas de determinação dos preços pelos quais as operações de transferência entre partes relacionadas deverão se realizar.14
Tais normas consistem em determinações para a aplicação de métodos para controlar
as operações e ajustar os preços aos de mercado, de modo a garantir tenham sido praticados at arm’s length. Diversos países, dentre eles Austrália, Bélgica, Dinamarca, Finlândia, França, Alemanha, Itália, Japão, Coréia, México, Noruega, Suíça, Reino Unido e Estados Unidos,
expediram normas especiais sobre o transfer pricing aplicáveis a todas as operações praticadas entre contribuintes residentes e não-residentes, tendo a Argentina estabelecido
regras alcançando apenas algumas operações, ficando em outros países, na falta de disciplina
diretamente relacionada ao tema, submetido a regras antielusivas gerais ou específicas.15
Somente a partir de 1996 é que surgiram, no direito brasileiro, os veículos
introdutores das normas gerais e abstratas que primeiro vieram instituir o conceito e os
11
Neste sentido, Idem. Ibidem. p. 162.
12
SCHOUERI, Luís Eduardo. Preços de transferência no direito tributário brasileiro. p. 12.
13
Cf. TAVOLARO, Agostinho Toffoli. Preço de transferência (transfer pricing) no direito brasileiro. p. 1.
14
Idem. Ibidem. p. 1.
15
deveres instrumentais aplicáveis aos preços de transferência, através da Lei n.º 9.430/96 e da
Instrução Normativa 38/97, da Secretaria da Receita Federal, sendo cediço que até o advento
destas normas o Brasil não dispunha de qualquer referência ao transfer pricing, apesar de o principio arm’s length já estar inserido em nosso ordenamento jurídico, conforme afirma Heleno Taveira TÔRRES.16
Tem-se por certo, entretanto, que o interesse pelo controle dos preços de
transferência surgiu da necessidade de minimizar a dupla tributação internacional sobre as
rendas das empresas, o que levou os organismos internacionais a se debruçarem em pesquisas
objetivando encontrar soluções para o problema, desde os idos da primeira metade do século
passado.
1.2. Importância do tema a partir da evolução dos meios de comunicação e da
Internet
A partir da última década, um dos aspectos que tem gerado forte impacto é o
desenvolvimento da área do comércio eletrônico, decorrente da revolução ocorrida nas
comunicações através de novas tecnologias, tendo sido reconhecido, em âmbito internacional,
que o comércio eletrônico trouxe novos e significantes problemas para as administrações
tributárias.
As novas tecnologias criaram e facilitaram oportunidades de negócios, dentre as
quais a possibilidade de sua descentralização, distribuindo-os entre empresas relacionadas ou
não, localizadas worldwide, produzindo novos desafios tanto para as empresas quanto para as entidades tributantes a que estão sujeitas.
A partir de estudos realizados pelo seu Comitê de Assuntos Fiscais, a OCDE
manifestou, em relatório, que os desafios postos às administrações tributárias pelo comércio
eletrônico via internet são reais e que os Estados deverão desenvolver-se no sentido de enfrentá-los em um espírito de cooperação coletiva, a partir de princípios mutuamente
acordados visando a alocação de seus direitos impositivos de tributação, o que, entretanto,
16
poderá não obstar a redução deste poder impositivo, sendo que a inexistência de um consenso
poderá piorar ainda mais este quadro.17
Para o Comitê da OCDE, torna-se necessária a avaliação de como as normas
tributárias internas de cada Estado e os acordos internacionais podem ser aplicados frente ao
comércio eletrônico pela internet, de modo que as administrações tributárias possam decidir quanto a necessidade e a viabilidade da criação de novos tributos incidentes sobre tais
operações.18
Diante desta perspectiva, portanto, aquilo que mais incomoda as empresas
transnacionais e as administrações tributárias em que localizados seus estabelecimentos é o
potencial que as novas tecnologias têm para tornar mais comuns os problemas mais
complexos relacionados ao transfer pricing. De acordo com o artigo intitulado E-commerce and international transfer pricing of tangible goods and intangible assets in the twenty-first century, publicado no International Journal of Commerce and Management, de autoria de Wagdy M. ABDALLAH,19 as companhias transnacionais, as autoridades tributárias e as organizações internacionais estão atualmente em uma crise na qual se encontram inaptas a
resolver os problemas criados pelo e-commerce e os preços de transferência.
Concluindo, aquela organização manifesta que “a partir deste momento, há
dificuldade em resolver questões específicas de preços de transferência sem um exame
cuidadoso e uma descrição factual dos elementos do comércio eletrônico que podem fazer
crescer questões de preços de transferência novas ou muito complexas”.20
Nada obstante, nota-se que o impacto do comércio eletrônico nos preços de
transferência não tem sido discutido na mesma extensão que outras questões tributárias em
17
Cf. OECD. OECD Tax Policy Studies No. 10: E-commerce: Transfer Pricing and Business Profits Taxation. p. 3.
18
Idem. Ibidem. p. 3
19
ABDALLAH, Wagdy M. E-commerce and international transfer pricing of tangible goods and intangible assets in the twenty-first century. International Journal of Commerce and Management Fall-Winter, 2002.
Disponível em <http://findarticles.com/p/articles/mi_go1527/is_200209/ai_n6535373>. Acesso em 02.09.2006. p. 1.
20
âmbito global, ainda que esteja ocasionando inúmeros problemas às empresas transnacionais e
às autoridades fiscais, oriundos da dificuldade de aplicação dos métodos de controle.21
Exceção se faz à OCDE, que vem exaustivamente trabalhando para identificar os
diversos questionamentos que afetam os preços de transferência em transações realizadas
através do e-commerce. Em novembro de 1997, através de seu Committee on Fiscal Affairs, aquela organização publicou relatório22 em que apresenta sugestão de aplicação de um determinado método (Profit-Split Method) como sendo o mais adequado para as operações de comércio eletrônico, dada a evidente dificuldade na aplicação dos demais.
De certo que o uso da internet consiste hoje em uma parte significativa dos negócios globalizados das empresas, sendo evidente que o comércio eletrônico será o condutor do
futuro desenvolvimento das transações internacionais envolvendo todas as espécies de bens,
mercadorias e serviços.
Entretanto, o direito tributário internacional está ainda baseado em normas editadas
em cada soberania anteriormente ao surgimento do e-commerce e a força das rápidas mudanças no mundo dos negócios internacionais através desta forma de comércio está
pressionando os Estados a adotar meios para assegurar a integridade de seus sistemas
tributários, eliminando as lacunas existentes que permitam tanto a evasão quanto a elisão
fiscais através do uso das transações de comércio eletrônico, sendo considerado que sua
natureza móvel deverá levar a um crescimento significativo de transações através de países
com tributação favorecida (tax heavens).23
Neste sentido, manifesta a OCDE:
“The use of tax havens may increase because of the facility provided by the Internet to integrate functions/people located wherever business chooses. As a country’s determination of income and expense allocation may be impeded by difficulties in obtaining pertinent data located outside its own jurisdiction, where information is not available to identify the relevant transactions and to facilitate undertaking comparability analysis (or functional analysis) – for example where relevant
21
Neste sentido, ABDALLAH, Wagdy M. E-commerce and international transfer pricing of tangible goods and intangible assets in the twenty-first century. International Journal of Commerce and Management Fall-Winter, 2002. Disponível em <http://findarticles.com/p/articles/mi_go1527/is_200209/ai_n6535373>. Acesso em 02.09.2006. p. 1.
22
OECD. Committee on Fiscal Affairs. Electronic commerce: The challenge to tax authorities and taxpayers. Turkey conference discussion paper. p. 31.
23
information is located in a tax haven – the risks of double taxation of under taxation are likely to increase”.24
A OCDE aponta que, para as administrações tributárias, alguns dos principais
questionamentos referentes ao e-commerce estão relacionados com problemas de jurisdição, identificação, informação e mecanismos de arrecadação, e que as empresas envolvidas com
operações de comércio eletrônico devem ficar atentas aos desafios que as novas tecnologias
de comunicação impõem, adaptando suas estratégias para bem atendê-los, inclusive no que se
refere ao quesito “tributação”, indispensável de ser considerado.25
Diante desta crise causada pelos problemas relacionados aos preços de transferência
nas operações de e-commerce, têm a OCDE e outras autoridades tributárias desenvolvido estudos que vêm sendo acompanhados por cientistas de diversas disciplinas em âmbito
mundial, com o objetivo de colaborarem na solução das complicadas questões surgidas no
seio tanto das multinational enterprises quanto das autoridades fiscais.
Em anexo do relatório E-commerce: Transfer Pricing and Business Profits Taxation, intitulado “Preliminary study of the sub-group of Working Party No.6 on e-commerce: The communications revolution and its effects on transfer pricing”,26 editado pela OCDE, podemos encontrar de forma expressa que o grupo de trabalho daquela organização conclui
que “o problema consiste na aplicação dos métodos de transfer pricing nas circunstancias factuais especiais criadas pelas atividades de comércio eletrônico”, e ainda a indicação das
áreas em que o working party deve se aprofundar para bem encaminhar soluções. São elas:
i) a dificuldade em se aplicar o método transacional;
ii) a dificuldade em se estabelecer a comparabilidade;
iii) a dificuldade em aplicar os métodos transacionais tradicionais; e
iv) o tratamento tributário dos negócios integrados.
Como conclusão do trabalho realizado, o grupo de trabalho da OCDE manifesta que
torna-se difícil a solução de problemas de transfer princing específicos sem uma análise
24
OECD. OECD Tax Policy Studies No. 10: E-commerce: Transfer Pricing and Business Profits Taxation. p. 65.
25
Cf. BOYLE, Michael P. PETERSON, John M.; SMAPLE, Milliam J. SCHOTTENSTEIN, Tamara L. SPRAGUE, Gary D. The emerging international tax environment for electronic commerce. Tax Management International Journal, March 29, 1999.p. 25.
26
profunda e a descrição factual dos elementos do comércio eletrônico que podem fazer surgir
novas ou particulares questões complexas neste tema. Aponta, ainda, que a adaptação dos
sistemas para a realização destes exames detalhados não pode ser demorada, tendo em vista o
rápido crescimento do comércio eletrônico e as implicações que gera para as administrações
tributárias manterem suas bases tributárias.27
Acrescenta, como sugestão final, a manutenção dos estudos de exemplos factuais,
conforme apresentados naquele relatório, em que deverão ser distinguidos os casos bem
definidos daqueles mais complexos e, alternativamente, ainda como parte do processo de
monitoramento das Guidelines, a requisição de descrições de situações que causem problemas novos ou complexos de transfer pricing para os quais as diretrizes presentes nas Guidelines
possam ser inadequadas.28
No seio deste trabalho, nos limitaremos a indicar algumas das contingências geradas
pela introdução desta problemática no tema dos preços de transferência, na medida em que se
trata de questão nova e extremamente específica, ainda pouco explorada – estando, inclusive,
em vias de pesquisa pela própria OCDE – e por isso merecendo uma análise consistente a
partir de um estudo direcionado, ultrapassando os limites do necessário corte metodológico do
trabalho que aqui nos propomos a apresentar.
27
Cf. Idem. Ibidem. p. 55.
28
2
Preço de transferência:
conceito e princípio norteador
2.1. Origem do conceito e seu emprego pela doutrina nacional e internacional
O direito tributário internacional elegeu a expressão “preços de transferência” com a
conotação29 de “preços pelos quais uma empresa transfere bens materiais e intangíveis ou presta serviços a empresas associadas”,30 assim utilizado de forma globalizada por diversos países do mundo, em especial por aqueles membros da OCDE e outros que se utilizam de suas
regras como fonte para a elaboração de normas em suas respectivas jurisdições, como é o caso
do Brasil, eis que as disposições dos preços de transferência introduzidas no ordenamento
jurídico brasileiro foram inspiradas nos princípios e regras existentes e oriundas do modelo
daquela organização internacional.31
A doutrina nacional vem desenvolvendo, com maestria, a adequada conotação deste
conceito, assim para Heleno Taveira TÔRRES, “a expressão ‘preços de transferência’ deve
continuar a ser usada para definir a prática de alocação de receitas ou despesas, nas operações
com vendas de bens, prestação de serviços, transferência e uso de tecnologia e patentes,
mútuos, e outros, entre pessoas vinculadas, de qualquer modo relacionadas, situadas em
diferentes jurisdições”,32 adotada em linha com aquela utilizada pelo International tax glossary, do IBFD – International Bureal of Fiscal Documentation.33
29
Gottlob FREGE foi quem distinguiu duas formas ou componentes do significado: a denotação (ou extensão) e a designação (ou intenção, conotação). Existem razões para incluirmos um objeto em uma determinada classe, que formam o critério de uso de uma palavra de classe, sendo a pedra de toque do conceito. O critério de uso de uma palavra de classe, determinante e demonstrativo do conceito correspondente, se chama conotação desta palavra. Cf. GUIBOURG, Ricardo. GHIGLIANI, Alejandro. GUARINONI, Ricardo. Introducción al conocimiento cientifico. p. 41.
30
TAVOLARO, Agostinho Toffoli. Preço de transferência (transfer pricing) no direito brasileiro. p. 2.
31
Na exposição de motivos do projeto de lei que introduziu normas gerais e abstratas regulando os preços de transferência (Lei n.º 9.430/96), o Ministro da Fazenda manifestou que “em conformidade com regras adotadas nos países integrantes da OCDE, são propostas normas que possibilitam o controle dos denominados ‘preços de transferência’ (...)”. Foram inspiradas, também, na legislação tributária dos Estados Unidos da América.
32
TÔRRES, Heleno Taveira. Direito tributário internacional. Planejamento tributário e operações transnacionais. p. 164.
33
Para Alberto XAVIER, “a prática denominada de preços de transferência consiste na política de preços que vigora nas relações internas de empresas interdependentes e que, em
virtude destas relações especiais, pode conduzir à fixação de preços artificiais, distintos dos
preços de mercado”.34
Luís Eduardo SCHOUERI, utilizando-se também do conceito presente no
International tax glossary ensina que, por preço de transferência “entende-se, na doutrina internacional, o valor cobrado por uma empresa na venda ou transferência de bens, serviços
ou propriedade intangível, a empresa a ela relacionada. Tratando-se de preços que não se
negociaram em um mercado livre e aberto, podem eles desviar-se daqueles que teriam sido
acertados entre parceiros comerciais não relacionados, em transações comparáveis nas
mesmas circunstâncias. No direito brasileiro, a matéria dos preços de transferência estende-se
às trocas entre estabelecimentos de uma mesma empresa, situados em diferentes territórios”.35
A expressão “preço de transferência” parece ser imprópria para Agostinho Toffoli
TAVOLARO, para quem “melhor seria dizer-se apreçamento de transferência, pois o tempo
verbal na expressão inglesa (pricing) a isto conduz, pois o que se estuda sob o título são as formas de se determinar o valor a ser atribuído à transferência”.36 Rendendo-se, no entanto, ao conceito dado pela OECD em suas Transfer Pricing Guidelines for Multinational Enterprises and Tax Administrations, o autor trata preço de transferência “como a determinação do preço pelo qual uma empresa transfere bens corpóreos ou incorpóreos ou fornece serviços a
empresas a ela vinculadas”.37
transferência e uso de tecnologia e patentes, mútuos etc.). Como tais preços nem sempre são negociados livremente, os mesmos podem divergir daqueles determinados pelas forças livres de mercado, nas negociações entre partes não relacionadas”. TÔRRES, Heleno Taveira. Direito tributário internacional. Planejamento tributário e operações transnacionais. p. 163.
34
XAVIER, Alberto. Direito tributário internacional do Brasil. Tributação das operações internacionais. p. 301. Os grifos são do original.
35
SCHOUERI, Luís Eduardo. Preços de transferência no direito tributário brasileiro. p. 12.
36
De acordo com o mesmo autor, “passa-se, então, a falar impropriamente em preço de transferência, mesmo quando compra e venda não haja, nem mesmo pagamento exista, por se tratar de empresas ligadas, vinculadas ou associadas entre si”. TAVOLARO, Agostinho Toffoli. Tributos e preços de transferência. In: SCHOUERI, Luís Eduardo. ROCHA, Valdir de Oliveira (coords.). Tributos e preços de transferência. 2. vol. p. 31.
37
Trabalhando melhor com o conceito dado pelo IBFD, o autor fala em “preço a ser considerado entre pessoas vinculadas, e, em particular, entre pessoas dentro de uma mesma
empresa multinacional para as transações realizadas entre seus membros (venda de
mercadorias, fornecimento de serviços, transferência e uso de patentes e ‘know-how’,
concessão de empréstimos etc.)”.38
É oportuna e digna de invocação a observação pontual de Heleno Taveira TÔRRES,
para quem “essa definição” – referindo-se a definição do International Tax Glossary– “como outras, não abarca a noção de ‘preço de transferência’ com uma prévia tomada de posição
sobre a licitude ou ilicitude de sua prática, que deve ser compreendida de um modo neutro,
quer dizer, não sendo cabível confundi-la com as práticas de transferência de lucros, criadas
com a finalidade de minimizar a base de cálculo do imposto sobre a renda nos países de maior
pressão fiscal e, ao mesmo tempo, concentrar a formação de lucros em países com regimes
tributários privilegiados, de menor custo fiscal, ou qualquer outra forma de ato ilícito ou
elusivo”.39
O mesmo ilustre Professor consigna ainda que, “como salientou a OCDE, no seu
Relatório de 1979, o termo ‘preço de transferência’ é neutro, de tal modo que considerações
sobre suas problemáticas não se deve confundir com as questões de fraude, elusão fiscal
internacional ou de transferência ilícita de lucros, mesmo sendo um meio muito adequado
para a concretização dessas hipóteses”.40
De modo que concordamos em não haver sustentação para a definição dada por
Hermes Marcelo HUCK, para quem preço de transferência “é o preço de um produto (ou
serviço) manipulado para mais ou para menos nas operações de compra e venda
internacionais, quando um mesmo agente é capaz de controlar ambas as pontas da operação,
Agostinho Toffoli. Tributos e preços de transferência. In: SCHOUERI, Luís Eduardo. ROCHA, Valdir de Oliveira (coords.). Tributos e preços de transferência. 2. vol. p. 31.
38
Idem. Ibidem. p. 31.
39
TÔRRES, Heleno Taveira. Direito tributário internacional. Planejamento tributário e operações transnacionais. p. 163; e conforme as Guidelines da OCDE, em seu parágrafo 1.2: “The consideration of transfer pricing should not be confused with the consideration of problems of tax fraud or tax avoidance, even though transfer pricing policies may be used for such purposes”. OECD. OECD 1995 Transfer Pricing Guidelines for Multinational Enterprises and Tax Administrations. p. I-1.
40
tanto a vendedora como a compradora. Por força dessa operação, transfere-se para paraísos
fiscais – ou para locais onde a tributação será menor – os lucros da operação”.41
Assim também em relação ao conceito dado por Alberto XAVIER, ao dizer que “a
figura da transferência indireta de lucros (transfer pricing), pressupõe uma divergência entre o preço efetivamente estipulado e o preço “justo”, “normal” ou objetivo, entendendo-se por
este o que seria fixado entre empresas independentes, atuando em circunstâncias análogas
(arm’s length price) (a chamada cláusula dealing at arm’s length)”.42
Ricardo Mariz de OLIVEIRA, para conceituar em breves palavras preço de
transferência, diz que “ele resulta do estabelecimento de um valor específico e favorecido, em
negócio entre pessoas vinculadas, através do qual se transferem lucros de uma para outra,
sendo ambas as partes integrantes de um mesmo conglomerado empresarial”,43 na mesma trilha seguida por Alberto XAVIER e Hermes Marcelo HUCK.
Parece-nos mais adequado tratar o conceito de preço de transferência como sendo
aquele “neutro”, ou seja, destituído de qualquer adjetivo que possa lhe atribuir uma
qualificação positiva ou negativa, antes, portanto, de um juízo de valor inclusive quanto a
licitude de sua utilização. Em síntese, podemos tomá-lo como o valor legalmente admitido
pela autoridade fiscal como sendo aquele praticável entre empresas interdependentes, para
fins de dedução do custo nas importações ou admissibilidade como receita de exportação nas
operações que envolvam bens, direitos, serviços e juros praticados entre pessoas vinculadas,
residentes e domiciliadas em diferentes jurisdições fiscais ou ainda que não vinculadas, uma
delas esteja localizada em país ou dependência considerado como de “tributação favorecida”
(tax heaven jurisdiction) ou que oponha sigilo societário.
Ana Cláudia Akie UTUMI segue a mesma linha de entendimento, para quem “(...)
não necessariamente esses preços de transferência devem estar fora dos parâmetros de
mercado. Na medida em que as empresas relacionadas adotem como política de preços
41
HUCK, Hermes Marcelo. Evasão e elisão: rotas nacionais e internacionais do planejamento tributário. p. 291.
42
XAVIER, Alberto. Direito tributário internacional do Brasil. Tributação das operações internacionais. p. 301. Os grifos são do original.
43
aqueles determinados pelo mercado, assim entendidos os preços que seriam – ou são –
negociados com terceiros, sem qualquer vínculo, os preços de transferência podem se
coadunar com o preço de livre mercado”.44
2.2. O princípio que norteia o regramento dos preços de transferência: arm’s length
Na linha da exposição de motivos do projeto da lei que introduziu em nosso
ordenamento as regras dirigidas ao controle dos preços de transferência, temos que a razão
deste controle vem fundada na expectativa de as administrações tributárias terem meios de
evitar práticas lesivas45 aos interesses financeiros dos países a que pertencem, para impedir ou quando menos minimizar a transferência de resultados para o exterior, através de
manipulações46 artificiais de preços pactuados em operações de importação ou exportação de
mercadorias, serviços e direitos, com pessoas vinculadas.
É certo que os Estados têm a intenção de legitimamente proteger a atrofia artificial
de suas receitas fiscais, para o que ditam regras visando inibir a prática de preços
estrategicamente influenciados por relações intra-grupo. Esse ideal tem como pano de fundo a
aplicação do princípio arm’s length, pelo qual se tem o preço que seria estipulado ou normalmente praticado entre duas partes independentes, sem qualquer vinculação entre si,
44
UTUMI, Ana Cláudia Akie. Preços de transferência no direito brasileiro. Dissertação de mestrado. PUC – 2000. p. 71.
45
Luciana Rosanova GALHARDO manifesta que “andou mal o legislador quando adotou tais regras no pressuposto de se evitar a ‘prática lesiva’ aos interesses nacionais de transferência de resultados para o exterior mediante a ‘manipulação’ dos preços em operações com empresas vinculadas” por entender que, “se o legislador partiu do pressuposto de que a legislação foi editada para evitar fraudes e evasão fiscal, isso não deve ser usado como um prejulgamento de que todas as operações realizadas com empresas vinculadas o sejam”. GALHARDO, Luciana Rosanova. Preços de Transferência – Limites a fiscalização. In: SCHOUERI, Luís Eduardo. ROCHA, Valdir de Oliveira (coords.). Tributos e preços de transferência. 2. vol. p. 246. Ousamos discordar desse raciocínio, eis que a “prática lesiva” a que se refere a exposição de motivos pode decorrer não somente de fraudes e evasão fiscal, mas também de outros artifícios não necessariamente ilícitos. A Autora manifesta também que a Lei n.º 9.430/96 não alcança questões pertinentes a fraude ou práticas lesivas. Idem. p. 247. Por entendermos que o conteúdo semântico do vocábulo “lesivas”, referido na exposição de motivos da lei, abriga serem as práticas unicamente prejudiciais aos interesses públicos, sem um pré-julgamento de serem ou não ilícitas, concluímos pelo acerto do legislador quando o utiliza. Pelas mesmas razões entendemos, ao contrário da Autora, que as regras introduzidas pela Lei n.º 9.430/96 estão tratando desta questão.
46
correspondente ao preço objetivo, de mercado ou de livre concorrência, sob condições
análogas.47
Não destoando do conceito, mas lhe atribuindo as mais diversas denominações, a
doutrina nacional vem trabalhando na semântica do princípio arm’s length. André Martins de ANDRADE prefere o termo “princípio das transações comutativas”,48 optando Brandão MACHADO49 por “princípio de não-favoritismo” e Paulo Ayres BARRETO50 por “regra de não-favoritismo”, distinguindo regra de princípio, por entender mais adequada a acepção de
regra como norma em sentido lato, reservando a locução “princípios” para “enunciados
prescritivos, dotados de elevada carga axiológica, que informam a produção legislativa
(normas de estrutura) e a compostura das normas jurídicas reguladoras de condutas
intersubjetivas”, sendo que suas significações “compõem, conformam, a norma jurídica em
sentido estrito”.51 Elen Peixoto ORSINI denomina de “princípio do preço sem interferência”.52
Eduardo A. BAISTROCCHI trata-o como um “padrão” e não como uma regra (rule) ou princípio. Sua definição trata de forma bem completa daquilo que denominamos de
“princípio de livre-concorrência”:
“The arm’s-length standard predicates that tax jurisdiction over international income produced by associated enterprises is allocated among countries on the basis of how comparable nonassociated enterprises would allocate their income in comparable scenarios. If the arm’s-length standard is not met in a given case, tax
47
Neste sentido, XAVIER, Alberto. Direito tributário internacional do Brasil. Tributação das operações internacionais. p. 303. TÔRRES, Heleno Taveira. Direito tributário internacional. Planejamento tributário e operações transnacionais. p. 164. TAVOLARO, Agostinho Toffoli. Preço de transferência (transfer pricing) no direito brasileiro. p. 6.
48
ANDRADE, André Martins de. Uma crítica e uma proposição alternativa ao regime legal brasileiro do “transfer price”. In: SCHOUERI, Luís Eduardo. ROCHA, Valdir de Oliveira (coords.). Tributos e preços de transferência. 2. vol. p. 53.
49
Brandão MACHADO utilizou-se de tal expressão na tradução para o vernáculo de estudo de Richard M. HAMMER. MACHADO, Brandão. Fixação do preço para transferência de mercadorias em face do código de impostos dos Estados Unidos. Princípios tributários no direito brasileiro e comparado. In: TAVOLARO, Agostinho Toffoli. MACHADO, Brandão. MARTINS, Ives Gandra da Silva (coords.). Estudos jurídicos em homenagem a Gilberto de Ulhoa Canto. p. 605.
50
BARRETO, Paulo Ayres. Imposto sobre a renda e preços de transferência. p. 102.
51
Idem. Ibidem. p. 34
52
authorities are granted the power to adjust the transfer pricing of associated enterprises to make it consistent with the arm’s-length standard”.53
Referido princípio corresponde, para Heleno Taveira TÔRRES, ao preço de mercado
ou de livre concorrência, “preço parâmetro” ou ainda “preço de referência”,54 como aquele normalmente praticado entre empresas independentes, em condições equivalentes,
denominando-o, juntamente com Ana Claudia Akie UTUMI,55 de “princípio da livre concorrência” o qual, como dito, também adotamos.
Para Ricardo Mariz de OLIVEIRA, “um preço é ‘arm’s length’ quando corresponder ao preço de livre mercado, de livre concorrência, ou melhor, ao preço que as partes
praticariam se fossem independentes e atuassem nesse mercado”,56 utilizando-se, deste modo, do significado dado pelo “Black’s Law Dictionary” (Abridged Fifth Edition), que trata uma transação realizada de acordo com o princípio referido como sendo aquela negociada por
partes não relacionadas, cada uma atuando em seu próprio interesse, um padrão que estas
partes devem se utilizar ao realizar uma transação particular, consignando ainda, ser a base
para a determinação de um valor de mercado justo.57
Aplicando-se uma tradução literal para o vernáculo, arm’s length significa “à distancia de um braço”, assim como é utilizado nos Estados Unidos, fundamentado na Seção
482 do IRC (Internal Revenue Code) que dispõe que “na determinação da verdadeira renda
53
BAISTROCCHI, Eduardo A. Transfer pricing in the 21st century: a proposal for both developed and developing countries. Latin American and Caribbean Law and Economics Association (ALACDE) Annual Papers (University of California, Berkeley). Year 2005. Paper 20. p. 4. Disponível em <http://repositories.cdlib.org/cgi/viewcontent.cgi?article=1019&context=bple>. Acesso em 23.12.2006. O autor avalia o “arm’s length standard” como “a structural element of the International Tax Regime which has failed to solve the strategic problem of apportionment of cross-border business income”.
54
TÔRRES, Heleno Taveira. Direito tributário internacional. Planejamento tributário e operações transnacionais. p. 184.
55
TÔRRES, Heleno Taveira. UTUMI, Ana Claudia Akie. O controle fiscal dos preços de transferência e os meios de prova admitidos para a definição de preços e custos médios. In: SCHOUERI, Luís Eduardo. ROCHA, Valdir de Oliveira (coords.). Tributos e preços de transferência. 2. vol. p. 170.
56
OLIVEIRA, Ricardo Mariz de. Preços de transferência – o método do Custo mais Lucro – o conceito de custo – o método do Custo mais Lucro e as indústrias de alta tecnologia – como conciliar dispêndios intensivos, com pesquisas e desenvolvimento, com esse método. In: SCHOUERI, Luís Eduardo. ROCHA, Valdir de Oliveira (coords.). Tributos e preços de transferência. 2. vol. p. 301.
57
tributável de um contribuinte sob controle, o padrão a ser aplicado em qualquer caso é o do
contribuinte que negocia à distancia de um braço com um contribuinte não controlado”.58
Destarte, uma vez identificada uma operação entre partes relacionadas que não
respeite tal principio, ou seja, desde que se verifique divergência entre o preço praticado e
aquele de livre concorrência, entram em cena os métodos eleitos pela legislação destinados à
manutenção da aplicação do princípio, exercendo, a Administração Tributária, o controle
sobre os preços de transferência com objetivos fiscais e extrafiscais.59
Aplicados os métodos – cuja finalidade é indicar o preço médio, de referência, a ser
praticado nas relações entre partes interdependentes –, com os respectivos critérios de ajuste,
do resultado encontrado, em havendo divergência em relação àquele arm’s length, poderá decorrer uma retificação dos preços e da respectiva contabilidade, para mais ou para menos,
tudo com o propósito de aproximar os preços considerados na apuração do lucro daqueles de
mercado, formados em uma transação entre sujeitos independentes, em condições de livre
concorrência.60
Tais métodos, por sua vez, são de livre escolha do contribuinte, podendo este se
utilizar daquele que lhe for mais favorável, assim como permite a sistemática adotada pela
legislação brasileira.61
58
Cf. Reg. § 1.482-1 (b) (1), citado por SCHOUERI, Luís Eduardo. Preços de transferência no direito tributário brasileiro. p. 32.
59
Para Heleno Taveira TÔRRES, tais métodos são aplicados “como garantia de interesses fiscais (recompondo a base de cálculo dos impostos) e extrafiscais (efetivando o princípio de livre concorrência)”. TÔRRES, Heleno Taveira. Direito tributário internacional. Planejamento tributário e operações transnacionais. p. 165.
60
Nesse sentido, idem. Ibidem. p. 165.
61
Ao contrário da valoração aduaneira, “na qual há uma ordem seqüencial na aplicação dos métodos, não tendo o contribuinte a liberdade de escolher o que mais lhe convém, fora da ordem legal”. SCHOUERI, Luís Eduardo.
2.2.1. O “arm’s length” como limite objetivo
Faz-se importante a classificação do princípio arm’s length como valor ou como limite objetivo. Para tanto, necessária a apreensão dos conceitos de principio, valor e limite
objetivo.
As normas vêm sempre impregnadas de valor, componente axiológico que
experimenta variações de intensidade de norma para norma. Os valores vêm fortemente
carregados e podem exercer significativa influência sobre as demais porções do conjunto,
informando o vetor de compreensão de múltiplos segmentos. Conforme preleciona o Prof.
Paulo de Barros CARVALHO,62 são, neste sentido, “princípios”.
O ilustre professor nos esclarece que tal termo também serve para apontar normas
que fixam importantes critérios objetivos e para significar o próprio valor, independentemente
da estrutura a que está agregado e do limite objetivo sem a consideração da norma, de modo
que pode assumir as seguintes acepções: a) como norma jurídica de posição privilegiada e
portadora de valor expressivo; b) como norma jurídica de posição privilegiada que estipula
limites objetivos; c) como os valores insertos em regras jurídicas de posição privilegiada, mas
considerados independentemente das estruturas normativas e d) como o limite objetivo
estipulado em regra de forte hierarquia, tomado, porém, sem levar em conta a estrutura da
norma. Nos dois primeiros toma-se “princípio” como “norma” e nos dois últimos como
“valor” ou como “critério objetivo”.63
Valores e limites objetivos não se confundem. Os limites objetivos são postos para
atingir certas metas, certos fins, que, por sua vez, assumem o porte de valores. Os limites não
são valores considerados em si mesmos, mas voltam-se para realizá-los, de forma indireta,
mediata.
Na pragmática da comunicação jurídica é fácil perceber-se os limites objetivos e
comprová-los, o mesmo não se dizendo quanto aos valores, do que se pode concluir ser o
princípio arm’s length um limite objetivo, já que dispensa qualquer recurso a axiologia para bem compreendê-lo, voltado, isto sim, a realização de valores mediatamente, como o da livre
concorrência e da livre iniciativa, no campo das relações mercantis, e da capacidade
62
CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário. 15. ed. p. 144.
63
contributiva, no âmbito do direito tributário. Conforme o Prof. Heleno Taveira TÔRRES,
“mesmo não sendo admitido como um princípio que realiza um valor específico, não deixa o
arm’s length de ser forma de garantia a direitos fundamentais, um modo de efetivar outros princípios, estes sim, que concentram em si uma intensa carga axiológica”.64
Deste modo, ao buscar atingir o princípio valor da capacidade contributiva, o
princípio limite-objetivo arm’s length age para resgatar a efetiva capacidade econômica omitida quando da manipulação dos preços pelas partes relacionadas, através de sub ou
superfaturamento, e oferecer a tributação os valores correspondentes, consagrando, assim,
outro princípio da tributação, qual seja o da generalidade, que impõe deva o Imposto de
Renda alcançar todas as pessoas até o limite da respectiva capacidade contributiva, sem
distinções ou privilégios.
Tal premissa, inerente ao princípio arm’s length, não tem sua aplicação exclusivamente no direito brasileiro, mas, ao contrário, encontra paradigma internacional, já
que as Guidelines65 da OCDE manifestam que o Estado, ao propor um ajuste na determinação do preço de transferência, tem o ônus de demonstrar que o ajuste é consistente com o
princípio arm’s length e, conforme interpreta Heleno Taveira TÔRRES, ser consistente “é servir como forma de realização dos princípios norteadores da tributação, e particularmente o
princípio de capacidade contributiva”.66
2.2.2. A crise do princípio arm’s length: sua eventual inconsistência em nível
mundial e possível inconstitucionalidade perante o direito brasileiro – o problema
das presunções
O princípio arm’s length vem sendo tratado pela doutrina como verdadeiramente válido para orientar as regras de transfer pricing, em que pese haja diversas posições
64
TÔRRES, Heleno Taveira. Direito tributário internacional. Planejamento tributário e operações transnacionais. p. 195.
65
Cf. o parágrafo 17 do prefácio: “The Commentary on paragraph 2 of Article 9 of the OECD Model Tax Convention makes clear that the State from which a corresponding adjustment is requested should comply with the request only if that State ‘considers that the figure of adjusted profits correctly reflects what the profits would have been if the transactions had been at arm's length’. This means that in competent authority proceedings the State that has proposed the primary adjustment bears the burden of demonstrating to the other State that the adjustment "is justified both in principle and as regards the amount”. OECD. OECD 1995 Transfer Pricing Guidelines for Multinational Enterprises and Tax Administrations. Preface. p. P-5.
66
criticando sua potencialidade para representar a única forma de se chegar ao preço parâmetro,
que, pela quantidade, não se pode dizer sejam isoladas.
Paralelamente, importantes considerações vêm sendo feitas, sobretudo pela doutrina
brasileira, em relação ao aspecto de sua constitucionalidade e de sua qualificação como
princípio. A doutrina estrangeira também não está plenamente satisfeita com o cenário atual
em que vem sendo invocado tal princípio, havendo quem defenda inclusive a inidoneidade de
sua utilização.
2.2.2.1. Da inconsistência do princípio em nível mundial – A doutrina de Gemma
Sala GALVAÑ,67apresenta um resumo das críticas recorrentes ao princípio arm’s length, no seguinte sentido: o princípio se baseia na premissa de que devem ser, as operações, realizadas
a partir de preços equivalentes àqueles praticados entre empresas independentes, no entanto,
as empresas estrategicamente se organizam de forma vinculada tendo como um de seus
objetivos obterem benefícios decorrentes desta vinculação, por isso, não tratam seus membros
como se fossem independentes; e que o valor de mercado, tido como paramétrico, não é a
regra no comércio internacional, eis que 60% da circulação mundial de bens e serviços ocorre
entre empresas e grupos transacionais.
Outra crítica apresentada consiste na morosidade do procedimento destinado a
apuração do preço parâmetro e sua comparação com o preço praticado na operação
controlada, bem como na discussão travada entre fisco e o contribuinte, na medida em que a
documentação geralmente exigida para o confronto de preços não é de fácil obtenção. Devido
ainda ao alto teor de subjetividade a que são inerentes os métodos de controle, a adoção do
princípio pode gerar uma certa insegurança jurídica, por sempre haver a possibilidade de as
partes envolvidas na operação de controle (fisco e contribuinte) chegarem a resultados
diversos.
Finalmente, a autora aponta como crítica o fato de que ao princípio arm’s length
deve ser dada uma significação mais ampla, a partir do momento em que se tornou necessária
67
GALVAÑ, Gemma Sala. Los precios de transferencia internacionales. Su tratamiento tributario. p. 130 apud
a criação de outros métodos, não dependentes estritamente da comparabilidade das transações,
para a válida apuração do preço parâmetro.
Crítica bastante contundente está relacionada à configuração do princípio arm’s length como regra (rule) ou apenas como um padrão (standard), o que prejudica sobremaneira sua aplicação, dependendo do sistema jurídico ao qual está submetido, conforme nos
apresenta Eduardo A. BAISTROCCHI68.
O professor argentino aponta que uma questão recorrente relacionada ao modo como
os comandos legais devem ser formulados em um sistema jurídico envolve a questão de se
saber se estes devem tomar a forma de regras ou padrões, consistindo, a opção política que é o
núcleo desta questão, em estabelecer se o conteúdo da lei deve ser determinado e declarado
previamente em uma norma ou deixado a critério de um arbitro ou julgador, tomando a forma
de mero padrão.
O ilustre professor defende tal questão como sendo relevante em matéria de preços
de transferência por considerar o arm’s length principle um padrão, eis que sua definição precisa somente pode ser obtida via adjudicação.69 Tal fato o tornaria inaplicável, a menos que o sistema jurídico no qual operasse estivesse preparado para produzir a chamada case law, ou algo funcionalmente equivalente, que pudesse servir de parâmetro aos contribuintes em relação ao modo em que se espera que se comportem em matéria de controle de preços.
Neste sentido, segundo ainda o autor, tanto o conceito de empresas associadas,
quanto o próprio conceito do princípio arm’s length, em sendo considerados meros padrões, não possuem uma significação ex ante, dependendo-se, para se estabelecer seus conceitos
68
BAISTROCCHI, Eduardo A. Transfer pricing in the 21st century: a proposal for both developed and developing countries. Latin American and Caribbean Law and Economics Association (ALACDE) Annual Papers (University of California, Berkeley). Year 2005. Paper 20. p. 4. Disponível em <http:// repositories.cdlib.org/cgi/viewcontent.cgi?article=1019&context=bple>. Acesso em 23.12.2006.
69