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3.1 O IMAGINÁRIO COM SARTRE, BAZIN E CAUQUELIN NA LITERATURA E NO

3.1.4 Dobra histórica com Carmen Miranda e Anne Cauquelin

Ao analisarmos a imagem de Carmen Miranda, levamos em consideração que fatores culturais vão nos determinar. De acordo com a teoria de Anne Cauquelin, temos um olhar contaminado, algo que carregamos conosco. Cauquelin (2007) trata de questões referentes à paisagem e o modo como o indivíduo a percebe. Afirma que a língua falada, o conhecimento apreendido do que vivemos– exemplifica com histórias contadas – e as influências do nosso olhar influenciam no modo como olhamos a paisagem. Podemos considerar que a paisagem também possa ter peso tanto quanto a imagem em nossas percepções, ela pode definir as imagens que construímos. A paisagem é explorada de forma positiva pelo fotógrafo, homens profissionais ou não, à procura de admiráveis paisagens. Ainda, buscando as ideias anteriores de Anne Cauquelin, temos que considerar que os fatores socioculturais irão influenciar em nossas percepções, porque é a partir de nossas vivências que atribuímos sentido às coisas.

Para Cauquelin (2007), o indivíduo não tem consciência daquilo que é mais significativo para ele, apenas retém o que aprendeu por consistir nisso significado. Ela chama de dobra, nos faz refletir que paisagens/imagens estão em toda parte. Cauquelin (2007) exemplifica essa dobra com uma história contada por sua mãe quando esta lhe contava um sonho. No jardim, como ouvinte, ela desdobrou o sonho como se o próprio jardim fosse um pano de fundo de papel principal, ela admirava toda a paisagem com detalhes descritos por sua mãe. “A forma de dispor as coisas, o elo que as une, depende então de uma retórica. O

que existe de natural na Natureza, a sua sensualidade imediata, só é entendido enquanto enigma pelo artifício de uma construção mental.” (p.65). A questão colocada pela autora diz respeito também a outros fatores (não apenas a beleza do jardim) que ocupam determinado espaço em sua vida.

Entendemos que seu próprio olhar está repleto de dobras em todo o texto – neste caso tratado em Um jardim tão perfeito – sua cultura e preferências pelas paisagens a influenciam na percepção do sonho que foi relatado por sua mãe. Ademais, afirma que as percepções vão se tornando implícitas à medida que buscamos referências de algo que vivemos – exemplifica com o campo de trigo (infância na França) dourado que viu nas férias de julho. Ao que nos remetemos é o que esperamos encontrar, seja nas formas ou cores dessas paisagens. O vínculo é concretizado “entre os diferentes elementos e valores de uma cultura, ligação que oferece um agenciamento, um ordenamento e, por fim, uma ordem à percepção do mundo” (p. 14).

Anne Cauquelin nos faz pensar o quanto buscamos nossos conhecimentos ao tratar da imagem de Carmen Miranda a partir do nosso aprendizado literário sobre a vida e carreira da atriz, já que não vivemos em sua época (1920-1950). Tentamos ser o mais neutro possível ao analisar o filme Se eu fosse feliz, com Carmen Miranda, por exemplo, mesmo sabendo que histórias e aprendizados irão nos influenciar. Harry James era grande músico na época, aparece com sua orquestra Music Makers como Carmen Miranda com o Bando da Lua. Neste filme colocam três cantores norte-americanos cantando com Carmen Miranda.

Todos os cantores conhecidos já fazem parte do gosto popular norte-americano, juntos cantam e dançam – como podemos observar nas figuras abaixo (fig.123-130). Cauquelin (2007) afirma que a “figura da reminiscência, na medida em que articula as nossas percepções na recordação de hábitos que nós não conhecemos, nem temos consciência, gera a nossa relação com os modelos culturais; aqui está exatamente um transporte, e já uma estilística.” (p.116). Em sua teoria, relata que existe parte da paisagem que não percebemos e outras que temos maior compreensão, o que nos leva a avaliar o que mais percebemos por um viés pessoal. Existe o substrato da memória cultural que nos faz perceber o que aprendemos e conhecemos. Lembranças que influenciam no comportamento de observar a arte. Assim, sedimentamos nosso objeto cultural por nossa realidade apreendida.

Figuras 123-130– Fotos do filme Se eu fosse feliz96

96 Fig. 185-192: Fotos filme Se eu fosse feliz (If I’m Lucky – Follow the Band), de 1946. Cor. 20 th Century- Fox. Direção de Lewis Seiler. Com Vivian Blaine, Perry Como, Harry James e sua orquestra. Estreia: 2/9/1946. (CARMEN MIRANDA & HARRY JAMES, 2012).

Fonte: Disponível em: Se eu fosse feliz. Direção: Lewis Seiler. EUA, 20th Century Fox, 1946. 79 min, color. Comédia Musical. Título original If I’m Lucky.

A mulher americana, de forma geral, representada como bela, elegante, loira e moderna (fig. 126-129) aparece sempre com o galã americano (fig.129 – lado esquerdo/abraçados). Em uma época que os filmes musicais faziam muito sucesso, esta produção mostra a união dos EUA – apoio dos seus cantores norte-americanos – com a cantora brasileira. Carmen Miranda canta em inglês, na língua dos outros cantores, apoiando o país estadunidense. Há uma cena onde fazem uma brincadeira da importância desses cantores, junto com a celebridade política, ao serem escoltados pelo policiamento dos EUA. A câmera volta-se para os policiais que também cantam parte dessa mesma música no momento da escolta (fig.130).

Essa educação constante é uma forma de pensarmos a configuração da paisagem, o modo como sentimos a paisagem pode ser a realidade de nossas certezas ou mesmo chamada de natureza. Elementos estes que contribuem para constituição das nossas ideias quanto à paisagem. Nesse sentido, as janelas das bordas se abrem para que seja possível enxergar, pois

se fecham outros campos de nossa visão, em uma “janela pintada sobre a tela ilusionista vemos aquilo que se deve ver – a natureza das coisas mostrada na sua ligação. Então, aquilo que vemos não são as coisas isoladas, mas a ligação entre elas, ou seja, uma paisagem.” (p.64). Cauquelin (2007) afirma que a

[...] natureza compunha-se à nossa frente numa série de quadros, imagens artificiais, colocadas diante da confusão das coisas, organizava a matéria diversa e mutável de acordo com uma lei implícita, e quando pensávamos deleitar-nos na verdade do mundo tal como ele se nos apresentava, apenas reproduzíamos esquemas mentais, plenos de uma evidência longínqua, e de milhares de projeções anteriores [...]. (p.20).

O suposto – a cantora Carmen Miranda igual aos cantores norte-americanos – é representado pela identificação em uma ilusão (fig.123-130) transparente através da representação do objeto que nos satisfaz. O natural, amplo em uma fotografia, tende a nos agradar. Cauquelin (2007) exemplifica que ao projetarmos um quadro, tiramos as cores da natureza buscando nosso arsenal cultural.

Os autores, em geral, nos mostraram no decorrer do texto a importância do conteúdo e das ideias para produzir um filme. Compreendemos que toda produção pode ser modificada a partir de interesses econômicos, políticos e sociais de determinada cultura e sociedade. Percebemos que Jean Sartre tem a concepção de imaginário como algo particular. André Bazin visualiza o cinema como uma revelação que trabalha o real. Por mais que exista um imaginário por trás da imagem de Carmen Miranda, os filmes que a atriz participou revelam a realidade dos países tratados, em alguns casos com exagero. Na teoria de Anne Cauquelin verificamos que a história acontece na ficção, a verdade não pode ser concluída da mesma forma que foi elaborada. Os filmes com Carmen Miranda mostram parte da verdade real tanto dos norte-americanos quanto dos países latino-americanos.

Julgamos que cada população percebe com maior ou menor facilidadde que a história que é contada não retrata, o tempo todo, a verdade real de seu país. Em alguns casos, como são melhoradas – como é o caso dos EUA que sempre aparece melhor e superior que as outras nações, sejam na cultura, política, economia, etc – chegam a ser “camufladas”. Mas o espectador prefere fingir que acredita. “Imaginar” ou “sonhar” é mais proveitoso, o fará desfrutar da ficção. Além, do fato, de supervalorizar a própria nacionalidade.

Dessa maneira, concluimos que em todos os autores tratados no texto, por mais que expresse de forma diferente, a importância do aspecto social está presente, ou seja, todo o conhecimento de mundo do sujeito deve vir à tona no momento em que ele interage com algo.

Em todo o processo de interação com uma obra, seja ela uma imagem, uma produção cinematográfica, tendemos a dar significados a partir de nossas experiências sociais particulares ou coletivas. Sendo assim, no caso da atriz em questão, acionamos o vivido, a literatura e as histórias escutadas para constituir a imagem de Carmen Miranda ao visualisá-la.

A arte e a estética modificam a produção de um texto, o psicológico e o conhecimento do espectador fazem uma combinação do real com o imaginário. A figura de Carmen Miranda foi um signo real brasileiro estereotipadamente americanizado. Carmen Miranda tinha sua identidade visual reconhecida e admirada em culturas sociais e políticas diferentes, mas também com interesses próximos. A política de Boa Vizinhança criada para ganhar aliados para os americanos acabou conquistando aos próprios americanos, principalmente através do cinema, porque construíram filmes que tivessem ideias e conteúdos manipulativos. O Brasil, que talvez tenha ficado na ilusão de Carmen Miranda, simbolizava sua iamgem e, por isso, conseguiu espaço no meio artístico internacional, ou mesmo, reconhecimento de outras nações.

3.2 IMAGEM CINEMATOGRÁFICA DE CARMEN MIRANDA NA ARTE DA