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1.2 DISCURSO PUBLICITÁRIO NO CINEMA: CARMEN MIRANDA E OS FILMES

1.2.3 Mídia discursiva: linguagem usada na divulgação da imagem

Ainda tratando do curta-metragem Aquarela do Brasil, buscamos analisar a mídia discursiva. Desse momento em diante, consideramos a imagem de Carmen Miranda no cinema, pois a imagem da baiana (fig.72) foi usada no final do curta. Utilizamos as teorias discursivas tratadas por Charaudeau, procurando entender o discurso usado a favor do

indivíduo, considerando que novos sentidos e a valorização da informação foram proporcionados à imprensa através da escrita e do rádio nesse período no Brasil.

O curta tem pequena contribuição informacional sobre Carmen Miranda – ela ainda se iniciava no cinema hollywoodiano –, mas suficiente para contribuir para uma informação junto aos outros meios de comunicação, sobretudo, utilizando da linguagem certa no uso dessa imagem e associada ao discurso no cinema com Brasil e EUA. O meio televisivo ainda era fraco nesse período por causa do custo alto dos aparelhos de TV. O rádio e a imprensa escrita eram muito apreciados, em especial o rádio porque tinha maior alcance, independente da classe social transmitia a mesma mensagem com o mesmo discurso.

Os discursos fornecidos pelas mídias em diversos formatos foram examinados por Charaudeau (2006), nas formas midiáticas analisou o rádio, a imprensa escrita e a TV. Voltando a Carmen Miranda, podemos considerar que o discurso publicitário promoveu sua imagem no cinema. As estratégias são utilizadas por essas mídias no designo de disseminar informações que veiculam na sociedade. As mídias utilizam informações integradas nas ordens econômica, tecnológica e simbólica. Veículos comunicacionais que transmitem uma realidade social relatando acontecimentos reais e construindo para todos uma representação que absorve o lugar da realidade. As próprias condições de informação também interferem na interpretação da mensagem, os possíveis sentidos serão atribuídos à informação para que sejam criadas possíveis interpretações.

Toda essa informação fez com que a população brasileira buscasse a imagem de Carmen Miranda na cena final (fig. 72) de Aquarela do Brasil. A linguagem da letra da música associada à imagem permitiu a construção de sentidos. Essa estratégia foi usada na sombra feminina (fig. 72) vestida de baiana que dança com Pato Donald. O receptor logo associa essa sombra à imagem de Carmen Miranda, busca toda sua bagagem simbólica e informacional para imaginar a figura brasileira dançando com o personagem americano no Cassino da Urca no Estado do Rio de Janeiro.

Cada veículo de comunicação tem características próprias, sendo que a constituição do discurso nas mídias é influenciada por dispositivos diferentes em cada um desses veículos na transmissão da notícia. A informação como discurso e/ou as mídias diante deste discurso da informação estão diretamente relacionados ao conceito informativo, que é o ato de informar. Para Charaudeau (2006), são os vínculos sociais propiciados e estabelecidos pela atividade linguística e as instâncias informativas veiculadoras (mídias) que identificam esta vivacidade produzindo o discurso.

Na linguagem cinematográfica percebemos representação ideológica, visão de mundo que não apenas propaga as ideias das “classes dominantes” como também promove seus respectivos estilos de vida e a sua visão sob as demais classes sociais. A imagem de Carmen Miranda foi apresentada e manipulada pelo cinema americano. Além disso, conquistou a população brasileira, mas principalmente a americana, para a qual teve aceitação desde o início, diferente do Brasil que a rejeitou considerando sua performance um insulto ao país, seja pela forma exagerada das roupas ou pelo excesso de bananas na cabeça.

Em seguida, conseguiram inserir a cultura estadunidense no Brasil com o reconhecimento da imagem brasileira através de Carmen Miranda no cinema hollywoodiano, que apresentou um Brasil diferente aos EUA para que a população o aceitasse. Podemos pensar na imagem da Carmen Miranda de pele branca – mas que representa a baiana negra do Brasil – como um índice da predominância dos atores de pele clara, haja vista que tanto americanos quanto os próprios brasileiros, nessa época, tinham preconceito com a cor negra. No documentário “Carmen Miranda: Banana is My Business” (2013) afirma que o Brasil não aceitou Carmen Miranda fazer sucesso no exterior, porque o samba ainda era um ritmo musical considerado do povo, de origem negra. Mesmo que a sombra na figura 72 não nos remeta a cor de pele, nossas informações arquivadas são buscadas e logo pensamos na Carmen atriz branca, e não nas baianas, maioria de cor negra que a figura com apetrechos e vestimenta típica representava.

As mídias fabricam as informações, sistema que Charaudeau (2006) chama de “máquina midiática”. Detentoras do conhecimento desempenham o papel de discutir e permitir o acesso dessas notícias ao público. Assim, ocorre o processo de contrato midiático, em que o conhecimento que a população necessita é informado. A “máquina midiática” teria o público consumidor atraído por suas informações fabricadas em um processo de troca que atende a ambas as partes. Em Aquarela do Brasil podemos falar dos contratos nas relações entre Brasil e EUA, onde existiu troca de respeito, moral e valorização da cultura do outro país.

A política de Boa Vizinhança criada pelos americanos para com os países latinos em Saludos Amigos possibilitou o desenvolvimento de novas técnicas de animação no cinema de Hollywood. Passaram, então, a criar histórias relacionadas à cultura de cada país de interesse, valorizando as raízes de cada nação, como, por exemplo, a imagem (fig. 72) de baiana representando a figura brasileira no final do curta, que nos faz buscar na memória a imagem de Carmen Miranda em outros filmes.

Buscando tratar a publicidade como mídia discursiva, podemos considerar, de acordo com Charaudeau (2010), que o discurso de incitação a fazer é um discurso propagandista. Retornando novamente no EU, ele busca usar a estratégia de fazer crer estando na posição de não autoridade. Atribui posição de dever crer ao TU, inscreve-se em um dispositivo de difusão em um alvo coletivo usando de um esquema cognitivo, narrativo e argumentativo. “O discurso da propaganda é uma combinação de discurso publicitário e promocional: ele se propõe a obter o benefício coletivo (o interesse geral do discurso promocional) para servir aos interesses específicos daqueles que o promovem (discurso publicitário)” (p.74).

Em 1946, de acordo com Castro (2005:412), “enquanto os críticos brasileiros despejavam sua aversão a Carmen, os argentinos roíam de inveja por, desde a morte de Carlos Gardel, não terem uma artista como ela no exterior. Um deles, na revista Cantando, de Buenos Aires”, referindo-se à permanente propaganda que a atriz fazia do Brasil, “amargou o crescimento acelerado do renome brasileiro graças a Carmen Miranda... nunca pensaram em fazer nada igual ao conseguido pela inquietante cantora brasileira.”

A sombra de uma baiana no final do curta faz com que o espectador busque seus conhecimentos. Naquele período Carmen Miranda estava representando o Brasil através dos filmes de Hollywood. Ela fazia parte da representação brasileira aceita pelos americanos. Era uma figura que também foi inserida no cinema por interesses políticos e comerciais. A cena (fig.72) final, que mostra a sombra da baiana dançando com o Pato Donald, reafirma o desejo do TU (brasileiros) de ser o EU (americanos). Dessa maneira, buscamos outras cenas de Aquarela do Brasil, já que os conceitos trabalhados em todo curta vêm de interesses políticos da Política de Boa Vizinhança que Carmen Miranda esteve inserida.

Figuras 63-67 – Fotos do curta-metragem Aquarela do Brasil.

Aquarela do Brasil é um filme de gênero publicitário. Nele existiu toda uma articulação, um discurso-efeito capaz de promover uma determinada intenção. Temos os sujeitos, Zé Carioca – imagem do povo brasileiro, e o Pato Donald – imagem do povo americano. O cartão (fig.63) oferecido pelo pássaro silvestre, Zé Carioca – na fala “cavalheiro aqui está o meu cartão” – demonstra a escrita típica da simplicidade do sujeito brasileiro, onde reafirmam tal importância americana na fala, tendo que explicar o que estava escrito, pois o Donald não entendeu. Situação promovida por Donald deixando Zé Carioca controlar a situação, mas o papagaio não deixa de tratá-lo como “cavalheiro”, como dono da situação (EU).

Zé Carioca tem interesse em se apresentar e logo pergunta “tem um dos seus?”. Enquanto o cartão (fig.66) elegante do Pato Donald demonstra um personagem famoso de Hollywood – destaque para o manuscrito da letra usada em maiúscula para seu nome e para Hollywood – o padrão das letras usadas no cartão de Zé Carioca (fig.63) é diferente. Em seguida, o papagaio dá um caloroso abraço no pato. A atitude (fig.67) do sujeito brasileiro demonstra um comportamento comum no Brasil, faz parte dos costumes, é característica da receptividade brasileira.

Figuras 68-72– Fotos do curta-metragem Aquarela do Brasil.

Fonte: Disney – site official (2011).

O primeiro sujeito (fig.68) apresenta as calçadas de Copacabana (fig.69) ao amigo que visita o Rio de Janeiro, proporcionando uma relação entre o carnaval carioca e o samba (fig.68-69) com as canções Aquarela do Brasil e Tico-Tico no Fubá. Depois, temos o reconhecimento da cachaça (fig. 70) que na primeira ocasião Donald pensa ser refrigerante,

mas logo percebe (fig. 71) o forte sabor da bebida típica do país que visita. Sendo assim, podemos depreender que o segundo sujeito representa a população americana curiosa (fig. 69- 72) em conhecer o Brasil apresentado pelo novo amigo.

Nesse sentido, temos um discurso com intenção de agradar ao brasileiro para no futuro inserir costumes americanos. No contexto, na condição de produção, consideramos o “orgulho” ou o “prazer” do personagem Zé Carioca em conhecer o notável Pato Donald (fig.67). Em uma prática discursiva surgem constantes sentidos, além dos valores de uso que vêm desse relacionamento entre os personagens. No início do curta, temos uma combinação americana ao som do violino e o naipe de metais60 (fig. 65), que reforça esta mistura dos

instrumentos musicais ao aparecer o símbolo naipe no verso do cartão de visitas entregue por Donald.

Devemos refletir que a música brasileira – por si só – é a mistura de ritmos de diversos países, percepção que confunde, e é questionável que o violino realmente possa ter tido representação de símbolo americano aos ouvidos e olhos brasileiros. Prontamente, quanto ao naipe do cartão, demonstra o produto americano apresentado por Donald. Nesse sentido, podemos avaliar que a intenção dos americanos era destacar os instrumentos e ritmos originários da sua cultura que estavam presentes na música brasileira, e não, algo sendo inserido por eles no momento da animação, uma vez que essa mistura de ritmos já existia.

O jazz e rock’n’roll tinham importante papel na vida dos americanos, ao mesmo tempo em que a música sempre foi importante para a sociedade brasileira, como a Bossa Nova dessa época. A Disney soube usar do interesse pela música, de ambos os países, associado às atividades cinematográficas dos filmes musicais. O mais importante no momento para os americanos era atingir a grande massa, independente se teriam a aceitação do repertório do filme aos olhos da elite brasileira (em menor quantidade).

No curta, apresentam um Brasil pintado por uma mão branca americana ao som do samba de elite brasileira no momento em que surge a primeira folha de papel em branco (fig.58) ao destaque da letra musical: “Brasil, meu Brasil Brasileiro, meu mulato inzoneiro, vou cantar-te nos meus versos...”. Contam a história brasileira com elegância, aproximam brasileiros e americanos através do uso da música reforçada pelas imagens. A mão que segura o pincel tem cor branca, aí sim, simula a população americana conhecedora de como é o

60 Naipe de metais: compõe a família dos instrumentos musicais basicamente em trompas, trompetes, trombones, tubas e eufónios. “As Orquestras de Metais e Percussão são formadas basicamente por instrumentos de sopros (metais) e percussão. Dos instrumentos de cordas que aparecem em uma orquestra "tradicional" conta apenas com o piano e, eventualmente harpa. Além dos instrumentos de metais presentes numa orquestra sinfônica conta com naipes de Flugelhorns e Eufônios.” (ORQUESTRA FILARMÔNICA DE METAIS E PERCUSSÃO, 2012).

Brasil ao pintá-lo. Priorizando as imagens brasileiras, a mão desaparece e permanece apenas o pincel. Enquanto, no final do curta, uma mão de cor negra toca o pandeiro61, representando o

brasileiro.