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CAPÍTULO I PRESSUPOSTOS DA TEORIA DA JUSTIÇA COMO EQUIDADE

1.2 Ideia geral da justiça como equidade

1.3.1 Dois princípios de justiça

Na posição original, a escolha dos princípios da justiça pelos sujeitos representativos estaria protegida dos interesses individualistas ou das influências de ordem econômica, familiar ou similares. Dessa maneira, a primeira formulação dos dois princípios proposta por Rawls é a seguinte:

Primeiro: cada pessoa deve ter um direito igual ao sistema mais extenso de iguais liberdades fundamentais que seja compatível com um sistema similar de liberdades para as outras pessoas.

Segundo: as desigualdades sociais e econômicas devem estar dispostas de tal modo que tanto (a) se possa razoavelmente esperar que se estabeleçam em benefício de todos como (b) estejam vinculadas a cargos e posições acessíveis a todos (RAWLS, 2016, p. 73).

Como já mencionado, esses princípios são aplicados à estrutura básica da sociedade, regulam a atribuição de direitos e obrigações e regem a distribuição dos benefícios sociais e econômicos. Sua formulação considera, para os fins da teoria da justiça, que se possa pressupor que a estrutura social se constitua de duas partes mais ou menos diversas: cada princípio se aplica a uma delas. Dessa maneira, de um lado, temos os aspectos da estrutura social que estabelecem e asseguram as mesmas liberdades fundamentais, e, de outro, os aspectos que definem e especificam as desigualdades econômicas.

Nesse sentido, embora seja impossível relacionar a totalidade das liberdades, Rawls elenca algumas liberdades fundamentais que considera mais relevantes, dentre as quais se destacam: a liberdade política (direito ao exercício do sufrágio e ao exercício de cargo público); a liberdade de reunião e expressão; a liberdade de consciência e de pensamento; a proteção à integridade física e psicológica da pessoa; o direito à propriedade individual e a garantia contra a prisão e detenção arbitrárias, conforme o conceito de Estado de Direito. O primeiro princípio assegura que essas liberdades devem ser iguais (RAWLS, 2016).

Já o segundo princípio, por seu turno, destina-se, à primeira vista, distribuição de renda e riqueza. Não obstante a distribuição de renda e riqueza não necessite ser igualitária, deve beneficiar a todos e, simultaneamente, deve assegurar que os cargos de autoridade e responsabilidade sejam acessíveis a todos. Esse princípio é aplicado mantendo-se abertos os cargos e, após, dispondo as desigualdades econômicas e sociais de forma que todos possam ser favorecidos.

Para Rawls (2016, p. 74-75), há uma ordem serial de prioridade nesses princípios:

Esses princípios devem estar dispostos em uma ordem serial, o primeiro sendo prioritário do segundo. Essa ordenação significa que as violações das iguais liberdades fundamentais protegidas pelo primeiro princípio não podem ser justificadas nem compensadas por maiores vantagens sociais e econômicas. Essas liberdades têm um âmbito principal de aplicação, dentro do qual só é possível limitá-las ou comprometê- las quando entram em conflito com outras liberdades fundamentais. […] Por fim, com relação ao segundo princípio, a distribuição de renda e riqueza, e de cargos de autoridade e responsabilidade, deve ser compatível tanto com as liberdades fundamentais quanto com a igualdade de oportunidades.

A circunstância de que os dois princípios são aplicados a instituições tem determinadas consequências. Primeiramente, os direitos e liberdades fundamentais a que se relacionam esses princípios são aqueles definidos pelas normas públicas da estrutura básica. São os direitos e

obrigações estabelecidos pelas principais instituições da sociedade que decidem se as pessoas são ou não livres. A liberdade é um padrão de convivência definido por formas sociais. O primeiro princípio pressupõe apenas que determinados tipos de normas, aquelas que estabelecem as liberdades fundamentais, sejam aplicadas de forma igual a todos e permitam a mais abrangente liberdade compatível com um sistema de liberdades semelhante para todos. A única restrição às liberdades fundamentais permitida é exclusivamente como forma de evitar que interfiram umas com as outras.

O segundo princípio requer que todos sejam beneficiados das desigualdades permitidas na estrutura básica. Isso implica dizer que deve ser razoável para cada sujeito representativo importante definido por essa estrutura, quando cada um a considera um empreendimento bem- sucedido, preferir suas perspectivas com a desigualdade a suas perspectivas sem esta. Não se admite que diferenças de renda ou em cargos de autoridade e responsabilidade se justifiquem com fundamento na argumentação de que as desvantagens dos que se acham em uma posição são compensadas pelas vantagens maiores a outros que se acham em posição diversa, tampouco as violações à liberdade podem ser compensadas dessa forma.

As desigualdades são admitidas, assim, como constitutivas da sociedade. Todavia, são tratadas com critérios:

[…] A estrutura básica deve permitir desigualdades organizacionais e econômicas, desde que melhorem a situação de todos, inclusive a dos menos privilegiados, e essas desigualdades devem ser compatíveis com a liberdade igual e com a igualdade equitativa de oportunidades […] (RAWLS, 2011, p. 334).

A distribuição de renda e riqueza deve também contemplar a solidariedade entre as gerações, ou seja, as pessoas de gerações diferentes devem ter responsabilidade umas com as outras. Exemplificando, a geração atual não pode agir de forma arbitrária ou ilimitada porque as próximas gerações também são portadoras de direitos. A forma absoluta de agir, seja de um indivíduo, seja de um grupo ou de uma sociedade, afronta os princípios da justiça, sobretudo a solidariedade entre as gerações, assim como o acesso aos cargos públicos não se coaduna com qualquer tipo de discriminação, seja de qual natureza for.

A sociedade é compreendida como um sistema cooperativo entre gerações. Como forma de viabilizar essa perspectiva, torna-se imprescindível prever um justo princípio de poupança que garanta que uma geração receba da outra uma quantidade equitativa, favorecendo os que nascerem posteriormente. Cada geração traz uma significativa parcela de realizações que asseguram a preservação de uma sociedade justa.