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CAPÍTULO II PRINCÍPIO DA DIFERENÇA NA TEORIA DA JUSTIÇA

2.2 Princípio de diferença

De acordo com o princípio de diferença, apenas se consideram legítimas, do ponto de vista moral, as desigualdades sociais e econômicas fixadas para melhorar a situação dos que se encontram na posição inferior da escala de parcelas distributivas. Na visão de Rawls (2016, p. 91), “o princípio de diferença é, então, uma concepção fortemente igualitária no sentido de que, se não houver uma distribuição que melhore a situação de ambas as pessoas (limitando-nos ao caso de duas pessoas, para simplificar), deve-se preferir a distribuição igualitária”.

Daí o segundo princípio procurar reduzir os efeitos das contingências sociais e do acaso natural. Ademais, o princípio de diferença não tem o objetivo de abolir os dotes naturais e a capacidade produtiva das pessoas. O que ele visa precisamente é tirar o maior proveito possível deles para melhorar a condição dos que se encontram em posição social mais desfavorável. Nesse sentido, o filósofo argumenta que

[…] O princípio de diferença representa, com efeito, um acordo no sentido de se considerar a distribuição dos talentos naturais em certos aspectos como um bem comum, e no sentido de compartilhar os benefícios econômicos e sociais maiores propiciados pelas complementaridades dessa distribuição. Os que foram favorecidos pela natureza, quem quer que sejam, só podem beneficiar-se de sua boa sorte em condições que melhorem a situação dos menos afortunados. Os naturalmente favorecidos não devem beneficiar-se apenas por serem mais talentosos, mas somente para cobrir os custos de educação e treinamento dos menos favorecidos e para que usem seus talentos de maneira que ajudem os menos favorecidos. Ninguém merece sua maior capacidade natural nem um ponto de partida mais favorável na sociedade. Porém é claro que isso não é motivo para ignorar, muito menos eliminar, essas diferenças. Pelo contrário, pode-se organizar a estrutura básica de forma que essas contingências funcionem para o bem dos menos afortunados […] (RAWLS, 2016, p. 121-122).

Dessa forma, se temos o desejo de configurar o arranjo social de sorte que ninguém seja beneficiado ou prejudicado de acordo com o lugar que ocupe na distribuição arbitrária dos talentos naturais ou de sua posição social, sem dar ou receber alguma compensação em troca, somos levados ao princípio de diferença.

Uma outra questão é que o princípio de diferença representa uma expressão de reciprocidade, de benefício mútuo. Em princípio, entretanto, pode-se argumentar que ele está

inclinado em prol dos que estão em pior situação. Para examinar esse ponto, Rawls supõe, para simplificar, haver apenas dois grupos na sociedade, um deles mais afortunado que o outro de forma significativa:

[…] Sujeita às restrições usuais (definidas pela prioridade do primeiro princípio e pela igualdade equitativa de oportunidades), a sociedade poderia elevar ao máximo as expectativas de qualquer um dos grupos, mas não de ambos, já que podemos maximar apenas um objetivo de cada vez. Parece claro que a sociedade não deve fazer o melhor possível por aqueles inicialmente mais favorecidos; portanto, se rejeitarmos o princípio de diferença, devemos preferir elevar ao máximo alguma média ponderada das duas expectativas. Mas, se dermos algum peso aos mais afortunados, atribuiremos um valor intrínseco aos ganhos que os mais favorecidos obtiveram graças às contingências naturais e sociais. […] Assim, os mais favorecidos, quando analisam o problema partindo de uma perspectiva geral, reconhecem que o bem-estar de cada um depende de um esquema de cooperação social sem o qual ninguém teria uma vida satisfatória; reconhecem também que só podem esperar a cooperação voluntária de todos se as condições do esquema forem razoáveis. Portanto, consideram-se já compensados, por assim dizer, pelas vantagens às quais ninguém (inclusive eles mesmos) tinha direito prévio. Por isso, abandonam a ideia de maximizar uma média ponderada e consideram o princípio de diferença uma base equitativa para regular a estrutura básica (RAWLS, 2016, p. 123).

Por outro lado, para os que se encontram em situação mais desfavorável é preferível um arranjo institucional que assegure uma parte, em termos absolutos, de bens primários para todos, a outro em que uma igualdade de resultados é garantida à custa da redução das expectativas de todas as pessoas. É esse argumento que permite a defesa do princípio de diferença em lugar de uma igualdade estrita na distribuição de bens primários. Quando está em questão um arranjo institucional para uma convivência em termos reciprocamente aceitáveis, o que importa não é quanto cada qual possui de renda, riqueza e bens de produção, mas, sim, examinar se a parcela de recursos que toca a cada um é capaz de assegurar as bases sociais do autorrespeito.

Rawls (2016), mesmo admitindo que disparidades muito elevadas, ainda que pareçam atender ao princípio de diferença, possam gerar um sentimento de “inveja desculpável”, acredita que uma estrutura básica que atenda os princípios de justiça não permitiria a existência de disparidades relativamente excessivas.

Uma última questão é quanto ao alcance da redistribuição exigida pelo princípio de diferença. O primeiro ponto a ser levado em conta, nesse aspecto, é que uma consideração igual e imparcial pelo bem-estar de todas as pessoas pressupõe mais do que a exigência de assegurar um mínimo social digno a cada um. Os que estão na posição mais desfavorável ainda poderiam recusar um arranjo institucional em que suas expectativas de vida fossem sacrificadas para assegurar vantagens muito superiores ao mínimo para os mais privilegiados.

parâmetro para avaliar esses sacrifícios é uma distribuição igual da totalidade de bens primários. Qualquer distanciamento quanto a essa distribuição deve poder ser justificado aos que ficarão com uma parcela menor de bens primários na situação nova.