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CAPÍTULO II PRINCÍPIO DA DIFERENÇA NA TEORIA DA JUSTIÇA

2.5 Resposta de Rawls aos comunitaristas

Em O Liberalismo Político, encontramos uma reação de Rawls às críticas comunitaristas, tentando corrigir algumas questões internas à justiça como equidade, que são: a) o suposto déficit de realidade em relação às condições de estabilidade de uma sociedade justa e a não separação entre a sua teoria da justiça das doutrinas morais abrangentes; e b) a objeção comunitarista de que a justiça como equidade permanece alheia quanto às particularidades dos indivíduos e à diversidade de formas de vida.

Rawls, para responder a essas objeções e apesar das modificações feitas em sua teoria da justiça, prossegue identificando a prioridade da justiça sobre o bem e a neutralidade estatal perante as diversas concepções de bem como traços marcantes de uma concepção política de justiça. Essa é maneira exlcusiva, segundo ele, de organização da convivência política justa e estável de sociedades caracterizadas pelo pluralismo razoável de doutrinas abrangentes. Nesse sentido, o desafio que se apresenta é o de obter uma base comum de justificação de doutrinas morais, religiosas e filosóficas razoáveis que reúna, de forma concomitante, tanto as condições de aceitação racional quanto as de concordância fática.

Assim, de uma parte, o fundamento comum de justificação pública e de elaboração do acordo sobre problemas políticos fundamentais deve ser buscada além das diferentes concepções de bem, e, de outra parte, apenas é possível procurá-la a partir destas, já que os indivíduos não estão dispostos a abrirem mão das cosmovisões de mundo que configuram suas identidades e formas de vida. Em tais circunstâncias, uma teoria da justiça conseguirá trazer princípios capazes de ser compartilhados pelos indivíduos como base comum de um acordo político à proporção que conseguir obter um equilíbrio entre as exigências de universalidade e particulares de cada uma das diversas concepções abragentes. Essa é a ideia presente no conceito de consenso sobreposto.

Como forma de preencher as exigências do contexto de justificação, Rawls realiza algumas alterações na maneira de interpretação da justiça como equidade. Embora mantenha o artifício de representação da posição original de escolha sob o véu de ignorância, como o método do equilíbrio reflexivo, de Uma Teoria da Justiça, Rawls, em O Liberalismo Político,

volta-se mais para o método do equilíbrio reflexivo e o uso público da razão como elementos de fundamentação dos princípios de justiça. Consequentemente, os princípios de justiça passam a ser justificados a partir de uma razão prática que reconstrói os ideais implícitos na eticidade política presentes nas instituições das sociedades democráticas, e que confia na capacidade dos indivíduos de obterem um ponto de equilíbrio entre esses ideais e os princípios de justiça.

Embora não haja uma distinção muito nítida, Rawls mantém, lado a lado, a aceitação racional dos princípios de justiça da pretensão de sua concordância fática. Isso porque não se compreende o acordo sobre princípios de justiça como simples modus vivendi entre as diversas doutrinas abrangentes, como se fosse o resultado de um compromisso entre elas. Embora não seja metafísica, a concepção pública de justiça continua sendo moral, de modo a ser reconhecida e aceita por razões morais decorrentes do uso público da razão. Nesse sentido, qualquer princípio, norma ou valor que deseje uma aceitação geral deve se apoiar em razões com as quais todos possam concordar ou, ao menos, não ser razoavelmente rejeitadas por ninguém. O procedimento do uso público da razão é a instância capaz de garantir a validade das afirmações normativas, como também gerar sua concordância.

Dessa forma, a reconstrução proposta por Rawls das ideias intuitivas subjacentes aos princípios de justiça tem uma pretensão universalista, além de um valor descritivo para a cultura democrática liberal, decorrente da própria razão prática. Como podemos observar, um dos pontos principais da obra de Rawls diz respeito à relação entre o justo e o bem. E a questão a ser colocada é em relação à possibilidade de a justiça como equidade se valer das ideias do bem sem fazer considerações sobre a verdade desta ou daquela concepção abrangente, de forma incompatível com o liberalismo político. Rawls (2011, p. 247) procura responder a essa questão da seguinte forma:

Primeiro, a prioridade do justo significa (em seu sentido geral) que as ideias do bem utilizadas devem ser políticas (§ 1.2), de maneira que não necessitamos recorrer a concepções abrangentes do bem, mas apenas a ideias moldadas para se acomodarem dentro da concepção política. Segundo, a prioridade do justo significa (em seu sentido particular) que os princípios de justiça estabelecem limites a formas permissíveis de vida (§ 1.2). As demandas que os cidadãos fazem para para realizar fins que transgridem esses limites não tem nenhum peso. A prioridade do justo confere aos princípios de justiça uma estrita precedência nas deliberações dos cidadãos e limita sua liberdade de promover certas formas de vida. Essa prioridade caracteriza a estrutura e o conteúdo da justiça como equidade e aquilo que esta concepção considera como boas razões na deliberação dos cidadãos.

Uma segunda questão que se apresenta é que, exceto se recorrermos a alguma perspectiva além do político, como se torna possível dizer quando as formas de vida são

merecedoras de um pleno comprometimento dos indivíduos ou assegurar que uma sociedade possui espaço suficiente para elas? Se a justiça como equidade não tem como garantir, de um ponto de vista mais geral, que as diversas concepções abrangentes permitidas são de concordância plena, então como proceder?

Quanto a esse ponto Rawls invoca a ideia de um consenso sobreposto e afirma que, se uma concepção política é reciprocamente reconhecida por indivíduos razoáveis e racionais que seguem as doutrinas abrangentes razoáveis que compõem um consenso sobreposto, esse fato por si só corrobora que suas instituições permitem espaço suficiente para formas de vida capazes do comprometimento dedicado dos cidadãos (RAWLS, 2011).