• Nenhum resultado encontrado

CAPÍTULO III O PRINCÍPIO DA FRATERNIDADE

4.3 Instituições para uma igualdade democrática

Uma vez compreendida a vinculação do princípio de diferença ao princípio da fraternidade e como este se torna uma concepção praticável dentro da interpretação democrática, as questões que daí se seguem dizem respeito a como assegurar a realização, da melhor maneira possível, dos princípios de justiça de Rawls, no que pertine às parcelas distributivas. Nesse sentido, que sistemas econômicos seriam compatíveis com um sistema que garantisse igual liberdade e uma igualdade equitativa de oportunidades a todos, como também com os requisitos de parcelas distributivas equitativas?

Rawls começa afirmando que o sistema social deve ser estruturado de modo a assegurar uma justa distribuição, independentemente do que possa ocorrer, e para que isso aconteça, é preciso que os processos econômico e social se situem dentro de um esquema de instituições políticas e jurídicas adequadas, sem o qual a justiça de fundo estará ausente (RAWLS, 2016).

Primeiramente, Rawls (2016) pressupõe que a estrutura básica seja regida por uma constituição justa que seja capaz de garantir as liberdades de consciência e a de pensamento e suficiente para assegurar o valor equitativo da liberdade política. Igualmente, o filósofo pressupõe que exista uma equitativa igualdade de oportunidades, em lugar de uma igualdade formal de oportunidades. Isso significa dizer que o Estado deva garantir iguais oportunidades de educação e cultura, seja através do subsídio de escolas privadas, seja por meio de um sistema público de ensino, assim como nas atividades econômicas e na livre escolha de ocupação, o que se obtém mediante a fiscalização da conduta de empresas e associações particulares, impedindo a criação de obstáculos capazes de dificultar o acesso às posições mais elevadas. Finalmente, o Estado deve assegurar um mínimo existencial, seja através de programas de benefícios sociais ou de amparo aos enfermos e desempregados, seja por intermédio de instrumentos como a progressiva complementação da renda.

Após estabelecer essas premissas, Rawls divide o Estado em quatro setores ou funções que não coincidem com a organização do Estado, mas sim compreendidas como funções diferentes. Por exemplo, a função de alocação é responsável por manter o sistema de preços em condições competitivas e evitar um poder excessivo de mercado. Com esse objetivo, a ele cabe

também a identificação e correção, por meio de tributos e subsídios adequados, bem como por modificações no sistema dos direitos de propriedade, dos desvios da regra de eficiência, quando os preços forem incapazes de exprimir os benefícios e gastos sociais.

A função de estabilização, por sua vez, tem por fim garantir, tanto quanto possível, que aqueles buscam emprego possam obtê-lo, bem como a liberdade de escolha de ocupação e de acesso ao crédito. Ambos os setores, de forma conjunta, têm o objetivo de promover a eficiência geral da economia de mercado.

Já o setor de transferência deve garantir o mínimo social. A ideia principal é que essa função atribui às necessidades um peso apropriado em relação às demais reivindicações. Um sistema de competição de preços não considera as necessidades e, por isso, não poder ser o instrumento exclusivo de distribuição. Os mercados garantem a liberdade de escolha de ocupação e conduzem a uma eficiente utilização de recursos e uma alocação de produtos entre os consumidores. Enquanto os mercados ponderam as regras referentes a salários e à renda, a função de transferência assegura um certo nível de bem-estar social e atende às expectativas da necessidade.

Finalmente, a função de distribuição tem por fim a preservação de uma justiça aproximada nas parcelas distributivas através da tributação e dos ajustes aos direitos patrimoniais. Temos dois fatores distintivos dessa função. Primeiramente, fixando impostos sobre heranças e doações e impondo restrições ao direito de herança. Essa tributação não tem por objetivo aumentar a receita governamental, mas sim corrigir, de maneira gradual e constante, a distribuição de riqueza e evitar concentrações de poder que se estabeleçam em detrimento do valor equitativo da liberdade política e da igualdade equitativa de oportunidades. Assim, o direito de herança é permitido, desde que as desigualdades que daí resultam tragam benefícios aos que estão em pior situação e se compatibilizem com a liberdade e com a igualdade equitativa de oportunidades. Como já exposto, esta última corresponde a um determinado conjunto de instituições que garanta oportunidades iguais de educação e cultura para indivíduos de aspirações semelhantes e capaz de manter cargos e posições abertos a todos, de acordo com os talentos e esforços razoavelmente relacionados com obrigações e tarefas respectivas. São justamente tais instituições que estão ameaçadas quando as desigualdades de fortuna ultrapassam determinado limite e, de igual maneira, a liberdade política tende a perder importância e apenas existir do ponto de vista formal. A tributação e as normas do setor de distribuição visam impedir que seja ultrapassado esse limite.

A segunda parte da função de distribuição consiste na arrecadação de receitas sociais para que o Estado seja capaz de fornecer os bens públicos e de realizar as transferências

necessárias à satisfação do princípio de diferença. A carga tributária deve ser repartida de maneira justa e tem por fim a criação de arranjos institucionais justos.

Ambas as partes da função de distribuição decorrem dos princípios de justiça. O imposto sobre a herança e, quando preciso, a tributação progressiva sobre a renda, como também a definição legal dos direitos patrimoniais devem garantir as instituições de igual liberdade em uma democracia de cidadãos-proprietários, além do valor equitativo dos direitos previstos por elas. A tributação sobre o consumo ou sobre os rendimentos devem servir de receita para os bens públicos, para a função de transferências e para a igualdade equitativa de oportunidades, de maneira a implantar o segundo princípio.