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II. Objectivos I Resumo

4. O despacho de acusação nos processos especiais 5 “Guidelines”/“checklist” do despacho de acusação

2.3. Dos factos e da sua narração

Dispõe também a al. b) do n.º 3 do art.º 283.º do CPP, que da acusação deve constar “a narração, ainda que sintética, dos factos que fundamentam a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança, incluindo, se possível, o lugar, o tempo e a motivação da sua prática, o grau de participação que o agente neles teve e quaisquer circunstâncias relevantes para a determinação da sanção que lhe deve ser aplicada”.

Ora, e que factos são esses então?

São pois, os factos essenciais, ou seja, aquela parte dos acontecimentos que vão fundamentar a aplicação de uma pena ou de uma medida de segurança. Devendo assim descrever-se aquele pedaço da história/factos, que integram os elementos típicos do(s) crime(s) em causa, narrando a história de forma a que desta ressalte o preenchimento dos elementos objectivos e subjectivos do tipo de ilícito.

Mas mais, devem também ser narrados os factos que respeitam à forma de cometimento do crime (forma consumada ou na forma tentada).

11 Em apoio da posição aqui por nós sufragada, invocamos a vasta jurisprudência citada na motivação do recurso

que foi objecto do Ac do TRL, de 26/9/2001, onde se lê:

“– O art.º 311.º, n.º 3, al. a), do CPP deve ser interpretado restritivamente, no sentido de que só a total omissão da identificação do arguido é causa de rejeição da acusação.

– Bastará a indicação do nome, seguida de remissão para o local dos autos onde essa identificação esteja completa” não sendo causa de rejeição da acusação a não indicação nesta dos elementos de identificação previstos nos art.ºs 141.º, n.º 3, ou 342.º, CPP pois “ O que a lei pretende é uma identificação que permita ter por garantido que a pessoa acusada é precisamente aquela que o devia ser e não uma qualquer outra.

– A identificação da arguida pelo seu nome e complementada pelos “sinais dos autos” que essencialmente vêm referidos na acusação do MP, permite considerar minimamente satisfeita a exigência constante da al. a) do n.º 3 do art. 283.º do CPP, não devendo por isso ser rejeitada a acusação particular.

– É lícita a identificação do arguido na acusação, por remissão para auto constante do processo. Só a total omissão da identificação do arguido é causa de rejeição da acusação. – Ac. R.Lx 7/3/2001 www.dgsi.pt/jtrl,

– A simples indicação do nome do cidadão, que prestou TIR e foi interrogado no processo, não é motivo de rejeição da acusação, pois não ficam quaisquer dúvidas sobre a pessoa a quem ela se dirige.– Ac. R. C. 14/6/06 www.trc.pt”.

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BOAS PRÁTICAS: NA ELABORAÇÃO DO DESPACHO DE ACUSAÇÃO EM PROCESSO PENAL 3. Contributos para um Código de Boas Práticas na elaboração do Despacho de Acusação em Processo Penal Assim como, também deve discorrer da respectiva narração, os factos que vão permitir alcançar a forma de autoria (mediata, imediata ou cumplicidade), assim como a culpa do agente e eventualmente, também, os factos integrantes das condições objectivas de punibilidade do tipo, se existirem.

Tendo ainda em atenção, por exemplo, que para justificar a aplicação de medida de segurança, haverá que narrar também, os factos que integram o conceito de inimputabilidade (como o seja a anomalia psíquica por exemplo) e também, os factos que integrem o conceito de perigosidade (o fundado receio de que o arguido venha a cometer outros factos da mesma espécie).

São estes os factos essenciais.

Mas além destes, a lei processual penal exige também a narração dos factos acessórios – o lugar, o tempo e a motivação da sua prática, o grau de participação que o agente neles teve e quaisquer circunstâncias relevantes para a determinação da sanção que lhe deve ser aplicada – sempre que possível.

Ou seja, e muito importante, devem também fazer parte da narração, os factos que integrem as circunstâncias agravantes, atenuantes e/ou qualificativas (ex. O arguido A é pai da vítima B), bem como, os factos que integrem o conceito de reincidência e de delinquência por tendência (chamando aqui a atenção para a descrição completa, nos factos, das condenações anteriores do arguido, por exemplo).

Outrossim, eventualmente poderá haver necessidade de fazer referência a factos complementares, mas apenas na medida em que estes sejam indispensáveis e necessários à compreensão do demais – como por exemplo, descrever factos que justifiquem a animosidade entre as partes ou a circunstância em que se encontraram.

Expurgando da narração da história, todos os factos que não integrem o tipo, que não sejam acessórios à sua compreensão ou que não sejam necessários à compreensão de qualquer um dos factos essenciais e eventualmente acessórios.

Na narração dos factos, deverá optar-se por uma linguagem directa, objectiva e de preferência com lógica e relação cronológica, por forma a ser mais simples a percepção da dinâmica dos acontecimentos.

Sugere-se assim que se utilize a narração com o arguido como actor principal, contando a história na sua perspectiva, pois é este que vai responder em julgamento por tais factos.

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Mais, deve ter-se em atenção que não se devem usar as expressões que decorrem da lei (do tipo) mas sim, relatar factos que integrem esses conceitos. Assim como, também não devem constar da narração, conceitos de direito, expressões legais, juízos de valor sobre os factos ou quaisquer considerações jurídicas, ou outras.

Devendo ainda ter em atenção que não se deve fazer uso de expressões populares ou desportivas, como por exemplo: aplicou-lhe um “golpe mata leão” ou “deu-lhe um rotativo”, devendo estas expressões ser substituídas pelos concretos factos que ocorreram. A ideia é pensar como se fosse um filme e se estivesse a escrever o guião para que o actor soubesse exactamente o que fazer corporalmente.

Logicamente que existem conceitos com algum conteúdo jurídico, que pela circunstância de fazerem parte da linguagem corrente e comum, podem ser utilizados na narração dos factos, desde que para tanto sejam necessários e não possam ser substituídos por outras expressões, sem perder o seu valor jurídico, são disso exemplo, as seguintes acções: arrendar, alugar, comprar, vender, etc..

Exemplo:

1.º - A arguida agarrou a ofendida de frente pelos seus cabelos, puxou-a com força e fez a mesma cair no solo. SIM 

1.º - A ofendida foi surpreendida de frente pela arguida, sendo que esta lhe puxou os cabelos com força e a fez cair desamparada no solo. NÃO 

Exemplos:

  “Subtraiu” – NÃO ……… Retirou da sua mão – SIM

“Perseguiu” – NÃO ……… Seguiu em passo de corrida atrás de… – SIM “Ofendeu o corpo” – NÃO …………. Atingiu-o com um pontapé na zona lombar – SIM

“Ameaçou-o” – NÃO ……….. Enquanto lhe apontou uma faca disse-lhe para se deitar no solo – SIM

Exemplos:

- “Aplicou-lhe um golpe mata leão” – NÃO 

- O arguido dirigiu-se por trás do ofendido, e com o seu braço direito envolveu o pescoço deste, colocando a dobra do seu cotovelo a fazer pressão na traqueia do ofendido e em simultâneo utilizava o braço esquerdo para auxiliar tal acção e fazer pressão, impedindo assim o ofendido de respirar – SIM 

BOAS PRÁTICAS: NA ELABORAÇÃO DO DESPACHO DE ACUSAÇÃO EM PROCESSO PENAL 3. Contributos para um Código de Boas Práticas na elaboração do Despacho de Acusação em Processo Penal Uma questão que se levanta com alguma frequência é a de saber se se deve ou se se pode fazer referência a elementos de prova nos factos da acusação. Ora, em nosso entender da acusação não deve constar qualquer menção a meios de obtenção de prova ou a meios de prova na narração dos factos. Mas nada obsta a que por exemplo no final da narração dos factos se faça referência à prova para tal facto, mas só quando se trate de um processo de grande complexidade e tal ajude na percepção dos factos e na forma como se poderá obter a prova de tal facto no processo, para além da prova testemunhal ou da prova a produzir em sede de audiência de discussão e julgamento. Mas permitido será que, por exemplo, se faça referência a determinados factos, com o recurso a uma tabela, com vista a ser mais fácil a percepção desse facto.

De igual forma não devem ser transcritas as passagens das escutas telefónicas, salvo se esses elementos forem essenciais e eles próprios, factos que constituam elemento do tipo de crime. Assim como também não se deve fazer referência a factos por remissão12. Excepto se a complexidade do processo assim o exigir ou se de outra forma não for possível fazer a 12 Cfr. Acórdão Tribunal Constitucional n.º 674/99: «É, assim, imperativo que a acusação e a pronúncia contenham a

descrição, de forma clara e inequívoca, de todos os factos de que o arguido é acusado, sem imprecisões ou referências vagas. Ora, nesta conformidade, efectuar meras remissões para documentos juntos aos autos, sem referência expressa ao seu conteúdo – e, principalmente, sem referir explicitamente o seu significado, porque se não esclarece com precisão qual a conduta criminosa que deles se pretende extrair e que através deles se pretende comprovar – não pode então constituir, como pretende o MP, uma mera «simplificação» da acusação e da correspondente pronúncia, ainda compatível com aquelas exigências de clareza e narração sintética dos factos imputados ao arguido e, consequentemente, com a virtualidade de permitir uma futura condenação também com base nesses factos apenas indirecta e implicitamente referidos, sem que se considere ter verdadeiramente ocorrido uma alteração dos factos, mas tão-só a sua «explicitação», como se sustenta no acórdão recorrido. Com efeito, um tal entendimento afrontará irremissível e irremediavelmente as garantias de defesa do arguido e o princípio do acusatório, assegurados no artigo 32.º da Constituição.»

Exemplo:

1.º - O arguido A, tinha na sua posse 500gramas de resina de canábis. SIM 

1.º - O arguido A, tinha na sua posse 500gramas de resina de canábis. (cfr. Relatório pericial de fls. ) SIM 

1.º - O arguido A, tinha na sua posse 500 gramas de uma substância que sujeita a exame laboratorial, veio a revelar ser resina de canábis – NÃO 

Exemplo de tabela: Período do Imposto IVA não entregue Termo do Prazo de Pagamento Declaração Periódica Data envio Fls. 2016/01 12.524,45€ 10/03/2016 06/03/2016 242 2016/03 10.760,37€ 10/05/2016 10/05/2016 244 … … … … … 89

BOAS PRÁTICAS: NA ELABORAÇÃO DO DESPACHO DE ACUSAÇÃO EM PROCESSO PENAL 3. Contributos para um Código de Boas Práticas na elaboração do Despacho de Acusação em Processo Penal transcrição para o texto da acusação (por exemplo: a situação de uma listagem muito extensa de determinados artigos contrafeitos). Contudo, a optar-se por esta fórmula, dever-se-á ter em atenção que a remissão deve indicar em concreto a(s) folha(s) a que respeita esse conteúdo e deve tal folha constar como parte integrante do despacho de acusação.

Devendo sempre ter por base que, havendo necessidade de incluir na acusação elementos que fazem parte de um determinado documento, preferencialmente, dever-se-á transcrever o que for relevante – por exemplo, num relatório de perícia médico-legal poder-se-á transcrever aquilo que de relevante interessa para ajudar a preencher um determinado conceito do tipo.

Reservamos ainda, pela sua importância, este parágrafo para falar sobre a descrição do dolo, referindo-se que devem ser narrados todos os elementos subjectivos do crime, os quais são habitualmente expressos na acusação através da utilização de uma fórmula pela qual se imputa ao agente ter agido de forma livre (isto é, podendo agir de modo diverso, em conformidade com o direito ou “dever ser” jurídico), voluntária ou deliberadamente (querendo a realização do facto), conscientemente (isto é, tendo representado na sua consciência todas as circunstâncias do facto) e sabendo que a sua conduta é proibida e punida por lei penal (consciência da proibição como sinónimo de consciência da ilicitude).13 Por fim, será que é possível deduzir acusações alternativas ou subsidiárias? Para a primeira questão, a resposta tem que ser necessariamente negativa, pois que, não é possível que os mesmos factos e prova levem a um juízo qualificado de condenação para duas situações distintas, não sendo de permitir fazer-se um pedido alternativo de condenação. Já no que respeita a uma situação de subsidiariedade, não nos choca que na prolação da acusação se faça uma narração que vá integrar todos os elementos dos tipos e caso não resulte prova de um tipo, possa resultar prova de outro, como se de uma mera alteração da qualificação jurídica se tratasse.