• Nenhum resultado encontrado

II. Objetivos I Resumo

1. A acusação em processo comum

1.1. Elementos essenciais

1.1.1. Introdução – artigo 283.º, n.º 3, alínea a), do C.P.P

O despacho de acusação propriamente dito começa com a identificação da entidade e do acto, seguindo-se a forma de processo, a identificação do tribunal e do arguido9.

Exemplo:

O Ministério Público vem deduzir acusação em Processo Comum com intervenção do Tribunal Singular (ou Colectivo; ou Tribunal Singular, ao abrigo do disposto no artigo 16.º, n.º 3, do Código de Processo Penal),

Contra:

(…), filho de (…) e (…), natural da freguesia de (…), concelho de (…), nascido a (…), (estado civil), (profissão), portador do cartão de cidadão n.º (…) , residente na (…),

1.1.2. Narração dos factos – artigo 283.º, n.º 3, alínea b), do C.P.P. Segue-se a narração dos factos enquanto ponto crucial da acusação.

9 A acusação deve conter todos os elementos disponíveis e suficientes para a cabal identificação e localização do

arguido, de modo a que não seja susceptível de ser confundido com outro, sob pena deve ser rejeitada pelo juiz – artigo 311.º, n.ºs 2, alínea a) e 3, alínea a), do C.P.P. No entanto, só será rejeitada se a omissão da identificação do arguido for completa. Assim, não o será se apenas conter o nome mas os restantes elementos constem dos autos – Vide Acórdão da Relação de Coimbra, de 03/12/2003, processo n.º 3444/03 e Acórdão da Relação de Lisboa, de 27/05/2009, processo n.º 7434/06.5TDLSB-3, ambos disponíveis em www.dgsi.pt. Porém, é aconselhável a identificação de todos os elementos disponíveis. Sugere-se a ordem indicada no artigo 141.º, n.º 3, do C.P.P., ou seja, nome completo; filiação; freguesia e concelho de naturalidade (apenas País se nascido fora de Portugal); data de nascimento; estado civil; profissão (se existente e conhecida); número de identificação civil (passaporte ou autorização de residência) e residência (se for recluso indicar ainda “actualmente recluso no Estabelecimento Prisional de […]). Sendo mais que o arguido deve indicar-se: nas situações de diferentes tipos de participação primeiro os autores e depois os cúmplices; se for igual o grau de participação primeiro o mais velho.

142

BOAS PRÁTICAS: NA ELABORAÇÃO DO DESPACHO DE ACUSAÇÃO EM PROCESSO PENAL 5. Contributos para um Código de Boas Práticas na elaboração do Despacho de Acusação em Processo Penal O facto “é entendido como um acontecimento histórico, um evento naturalístico, um “pedaço de vida” a ser analisado no processo.”10 A redacção dos factos deve ser realizada com particular cuidado, deve conter todos os factos essenciais (aqueles que fundamentam a aplicação de uma pena ou medida de segurança) e, ainda, sempre que possível, os factos acessórios.

1.1.2.1. Características da narração

Em primeiro lugar a acusação deve conter apenas factos e somente os relevantes. Estes devem ser descritos de forma lógica e cronológica, isto é, do acontecimento mais antigo para o mais recente.

Considerando que os factos são imputados ao arguido (enquanto autor da acção) a descrição deve ser efectuada através da sua actuação11.

O relato dos factos deve ser realizado de forma clara, rigorosa, precisa, inequívoca, completa e objectiva12, de modo a não permitir várias interpretações. Possibilitando, através da sua leitura, apreender os factos concretamente imputados ao arguido e por que razão o são13. Para o efeito, os factos devem ser narrados no passado, devem ser privilegiadas frases curtas, linguagem simples e coerente. Pelo contrário, deve ser de evitar uma narração repetitiva, com referências genéricas, advérbios, expressões populares ou quaisquer tipos de floreados. Além disso, não devem ser utilizados conceitos de direito referidos no tipo.14 No entanto, quando enraizados na linguagem corrente para descrever determinadas situações podem ser utilizados, desde que tenham sentido inequívoco15. De igual modo, não deve conter juízos de valor sobre os factos, sob pena de se perder a objectividade.

10 Vide Acórdão da Relação do Porto de 06/10/2010, processo n.º 403/04.1GAMCN-A.P1, disponível in www.dgsi.pt. 11“B dirigiu-se a A e desferiu-lhe um pontapé” e não “A [ofendido] foi surpreendido por B [arguido], que o

pontapeou…” – exemplos de CARDOSO, Rui, 20.ª sessão da formação específica de Direito Penal e Processo Penal, ministrada no âmbito do 1.º ciclo da Magistratura do Ministério Público, do 33.º Curso de Formação de Magistrados.

12 Acórdão da Relação do Porto de 08/09/2010, processo n.º 626/08.4TAPVZ.P1, “Para que obedeça ao princípio da

suficiência e clareza, é imprescindível que a acusação contenha uma narração clara e perceptível, tão completa quanto possível, de todos os factos relevantes cuja prática é imputada ao arguido. II – Não satisfaz tal exigência legal o uso de fórmulas vagas ou a remissão para outra peça processual ou para o teor de documentos juntos aos autos” e Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 15/11/2007, processo n.º 07P3236, “Não se podem considerar como “factos” as imputações genéricas, em que não se indica o lugar, nem o tempo, nem a motivação, nem o grau de participação, nem as circunstâncias relevantes, mas um conjunto fáctico não concretizado, pois a aceitação dessas afirmações para efeitos penais inviabiliza o direito de defesa e, assim, constitui uma grave ofensa aos direitos constitucionais previstos no art.º 32.º da Constituição. Por isso, essas imputações genéricas não são “factos” susceptíveis de sustentar uma condenação penal”, todos disponíveis in www.dgsi.pt.

13 De acordo com PINTO, Albano, Especificidades na determinação articulação dos factos no âmbito da

criminalidade económico-financeira, Revista do CEJ, n.º 16, 2.º semestre de 2011, página 270, a descrição do acontecimento empírico deve indicar o seu “quando”, o seu “onde”; o seu “quem”; o seu “porquê”; e o seu “por isso”.

14 Por exemplo: subtraiu, quis ofender a honra e consideração.

15 Por exemplo: comprar, vender, doar, andar à caça, negócio jurídico, automóvel, etc.

143

BOAS PRÁTICAS: NA ELABORAÇÃO DO DESPACHO DE ACUSAÇÃO EM PROCESSO PENAL 5. Contributos para um Código de Boas Práticas na elaboração do Despacho de Acusação em Processo Penal A acusação deve conter apenas os factos a provar, ou seja, os que constituem o ilícito típico. Não cabem, assim, na narração dos factos as transcrições das intercepções, o conteúdo das declarações dos arguidos ou testemunhas (salvo se forem elemento do crime), os meios de prova/meios de obtenção de prova16 ou excertos do texto dos relatórios policiais.

A acusação deve ser, por regra, auto-suficiente, não devendo conter remissões para autos. Porém, em casos excepcionais como é o caso de grandes listagens poderá ser feita essa remissão17. Neste caso, deve ficar claro qual é o objecto da remissão, ou seja, a remissão deve ser contextualizada localizada e identificada com precisão.18 No caso de apreensão de objectos deve ser realizada, primeiramente, uma descrição geral desses objectos.

Exemplo19:

Assim, nas referidas circunstâncias de tempo e de lugar, o arguido tinha expostos para venda 414 dvd’s e 215 cd’s, sendo todos os exemplares – fonogramas e vídeo gramas – de duplicação artesanal e os respectivos suportes materiais idênticos aos que se vendem ao público em geral como “virgens” – cfr. Auto de exame directo de fls. 25 a 69, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

De igual modo, pode conter tabelas20, no entanto devem conter apenas os factos relevantes e deve ser introduzida uma explicitação prévia, de modo a não permitir dúvidas.

Exemplo:

A sociedade (…), por acção do arguido (…) que a geria, pagou salários aos seus trabalhadores, entregou regularmente as folhas de remuneração dos seus assalariados e reteve os valores relativos às contribuições devidas à Segurança Social, em 11%, nos períodos e montantes seguintes,

Ano Mês Valor Retido

2014 Fevereiro 218.98€

2014 Abril 512.53€

2014 Maio 369,24€

Total 1.100,75€

Apesar de não estar legalmente previsto, é aconselhável que a acusação seja articulada21 e a cada artigo deve corresponder apenas um facto (salvo se for necessário para a compreensão dos factos).

Nos casos de pluralidade de acções e/ou de apensação de NUIPC’s, a descrição desses factos deve ser realizada em separado, para que a cada conjunto corresponda um crime/NUIPC.

16 É, assim, de evitar redacções como: “Segundo o relatório da autópsia a morte de José Andrade foi devida a …”;

“foi apreendida uma substância de cor branca que submetida a exame laboratorial no Laboratório de Polícia Científica revelou ser cocaína” (exemplos referidos por CORREIA, João Conde, Questões Práticas Relativas ao Arquivamento e à Acusação e à sua Impugnação, Universidade Católica Editora, 2008, página 85).

17 A acusação deverá ser notificação com cópias das folhas para as quais é feita remissão.

18 Vide Acórdão da Relação do Porto, de 24/10/2012, Processo n.º 291/10.9PAVFR.P1, “É admissível a indicação de

factos na acusação [ou no despacho de pronúncia] por remissão para outra peça processual desde que ela não torne pouco clara, ambígua ou duvidosa a imputação dos factos ao arguido.”

19 Retirado do Acórdão da Relação do Porto de 16/04/2008, processo n.º 0810360, disponível in www.dgsi.pt. 20 Nomeadamente nos crimes de abuso de confiança fiscal e contra a segurança social.

21 É o que permite, em audiência, fazer a referência da prova aos factos e é o que disciplina a identificação dos

factos a provar.

144

BOAS PRÁTICAS: NA ELABORAÇÃO DO DESPACHO DE ACUSAÇÃO EM PROCESSO PENAL 5. Contributos para um Código de Boas Práticas na elaboração do Despacho de Acusação em Processo Penal Deste modo, facilita-se a leitura dos factos e a sua compreensão, permitindo, ainda, fazer a respectiva correspondência na indicação da prova.

Exemplo:

I/NUIPC n.º

1. Em Julho de 2015, (A), de forma não concretamente apurada apoderou-se do cartão bancário n.º (…) e respectivo PIN, emitido pelo Barclays Bank PLC, titularidade de (B), sem consentimento e conhecimento desta.

2. Na posse do referido cartão bancário e respectivo PIN, no dia 25/07/2015, (A) deslocou-se ao supermercado (…), sito na (…) e efectuou uma compra no valor de 200,00€, sem consentimento e conhecimento de (B).

II/NUIPC

3. Em data e de modo não concretamente apurados, (A) apoderou-se dos dados do cartão de débito n.º (…), associado à conta n.º (…), sediada no Banco Santander Totta, agência de Caldas da Rainha, titularidade de (C), sem consentimento e conhecimento deste.

4. Na posse dos dados do cartão de débito n.º (…), no dia 17/09/2016, (…), através de acesso à internet, inseriu os dados do referido cartão de débito, sem consentimento e conhecimento de (C) e efectuou um pagamento no valor de 150,00€ à Vodafone Portugal;

Também deverá ser indicada a prova para os factos, principalmente nos processos mais complexos. Assim, por cada facto ou conjunto de factos deve indicar-se, por exemplo, entre parêntesis o meio de prova.

Exemplos:

No dia 27/05/2017, pelas 20:00h, no exterior do posto de abastecimento combustível Petróbios, sito na EN 114, Amoreira, (…), tinha na sua posse uma pistola semiautomática, de calibre 9 mm, com pelo menos duas munições de 9 mm (Cfr. auto de apreensão de fls. …, e relatório pericial de fls…).

*

No dia 13/02/2018, pelas 13:15h, os arguidos (…) encontram-se junto na Rua 1.º de Maio (Cfr. auto de vigilância de fls. …)

1.1.2.2. Factos essenciais – artigo 283.º, n.º 3, alínea b), 1.ª parte, do Código de Processo Penal

Os factos essências são aqueles que fundamentam a aplicação de uma pena ou medida de segurança. Esses factos haverão de corresponder a uma acção/omissão, típica, ilícita, culposa (no que concerne à aplicação de uma pena) e punível. Assim, antes de mais, é imprescindível que a acusação contenha todos os elementos típicos de cada crime cometido. Deste modo, deve conter a descrição completa dos elementos objectivos e subjectivos do crime imputado22.

Relativamente ao elemento objectivo, que se traduz na descrição objectiva da acção ou omissão proibida, deverão ser descritos todos os factos subsumíveis à norma incriminadora,

22 Sem estes elementos os factos não constituem crime, sendo deste modo motivo para rejeição da acusação (artigo

311.º, n.º 3, alínea d), do C.P.P.).

145

BOAS PRÁTICAS: NA ELABORAÇÃO DO DESPACHO DE ACUSAÇÃO EM PROCESSO PENAL 5. Contributos para um Código de Boas Práticas na elaboração do Despacho de Acusação em Processo Penal descrição que deverá ser a mais precisa e completa possível. Deve-se partir do tipo legal de crime violado e descrever os factos praticados que o integram23.

Por sua vez, o elemento subjectivo24 relaciona-se com a atitude que o agente apresenta em relação à realização do tipo penal. O dolo e a negligência são elementos subjectivos do facto. Nas palavras de Figueiredo Dias25 “o dolo é conhecimento e vontade de realização do tipo objectivo e a negligência violação de um dever de cuidado e criação de um risco não permitido”.

O elemento subjectivo do dolo é composto pelos elementos cognitivo e volitivo.26 O elemento cognitivo reside na representação pelo agente de todos os elementos que integram o tipo objectivo do crime e a consciência de que esse facto é ilícito e punível. Por sua vez, a vontade pelo agente da realização do facto ilícito corresponde ao elemento volitivo.27

Nos termos do artigo 14.º, n.ºs 1 a 3, do Código Penal (doravante C.P.), o dolo pode ser directo (intenção de realizar o facto), necessário (consequência necessária para a realização do facto que quer realizar) ou eventual (consequência possível da conduta que quer realizar).

Assim, é imprescindível a descrição dos elementos que compõem o dolo – a representação do facto ilícito e a vontade na realização do mesmo.

Exemplo28:

Bem sabia o arguido que a condução do referido veículo, sem ser titular de carta de condução ou de qualquer outro documento que o habilitasse à condução desse tipo de veículos, lhe estava vedada por lei e, apesar disso, quis conduzi-lo. (14.º, n.º 1, do Código Penal)

*

O arguido ao projectar o citado objectivo, previu que só o poderia atingir através da prática dos factos descritos, que, mesmo assim, levou a cabo. (14.º, n.º 2, do Código Penal)

*

23 Assim, por exemplo, quando está em causa introdução num espaço fechado, o arrombamento ou a ofensa à

integridade física, deverá ser descrito o modo concreto como é que o arguido se introduziu no referido espaço, como realizou o arrombamento, o modo como atingiu a pessoa e a zona do corpo. Por sua vez, relativamente aos crimes de perigo concreto é essencial a referência a que conduta tinha potencialidade para desencadear um resultado danoso, segundo as regras da experiência.

24 A falta de descrição na acusação, dos elementos subjectivos do crime, não pode ser integrada, em julgamento,

por recurso ao mecanismo previsto no artigo 358.º do C.P.P. – Vide Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 1/2015, publicado in Diário da República, 1.ª Série, n.º 18, de 27 de Janeiro de 2015

25 In Direito Penal, Parte Geral, Tomo I, Questões fundamentais a doutrina geral do crime, 2.ª Edição, reimpressão,

Coimbra, Coimbra Editora, 2012, página 278.

26 São estes que “permitem estabelecer o tipo subjectivo de ilícito imputável ao agente através do enquadramento

da respectiva conduta como dolosa ou negligente e dentro destas categorias, nas vertentes do dolo directo, necessário ou eventual e da negligência simples ou grosseira.” – Acórdão da Relação de Coimbra de 30/09/2009, processo n.º 910/08.7TAVIS.C1, disponível in www.dgsi.pt.

27 Veja-se o Acórdão da Relação de Coimbra, de 22/01/2014, Processo n.º 2572/10.2TALRA.C1, disponível in

www.dgsi.pt.

28 O segundo e terceiro exemplos são de PAIVA, Vítor, Apontamentos sobre a elaboração e fundamentação de

algumas decisões judiciárias do Ministério Público em processo penal, Linguagem, argumentação e decisão judiciária, 1.ª edição, Coimbra, Coimbra Editora, 2012, página 168.

146

BOAS PRÁTICAS: NA ELABORAÇÃO DO DESPACHO DE ACUSAÇÃO EM PROCESSO PENAL 5. Contributos para um Código de Boas Práticas na elaboração do Despacho de Acusação em Processo Penal

O arguido previu e aceitou que da sua conduta resultasse o evento (..), conformando-se com a sua ocorrência. (14.º, n.º 3, do Código Penal)

Deve, ainda, constar que o arguido agiu livre (afastando as causas de exclusão da culpa – o arguido determinou a sua acção), deliberada (quis o facto criminoso) e conscientemente (é imputável), bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas criminalmente (conhecimento dos elementos objectivos do crime).29

Em certos crimes exige-se ainda o dolo específico30 devendo, a par do dolo genérico, constar da acusação, sob pena da mesma ser recusada por manifestamente infundada.

Exemplo:

Ao actuar do modo supra descrito (…) actuou com o propósito concretizado de fazer seus os referidos objectos, bem sabendo que os mesmos não lhe pertenciam e que actuava sem autorização e contra a vontade dos legítimos proprietários. (Dolo de apropriação)

Por sua vez, a negligência poderá ser descrita da seguinte forma:

(…) agiu assim sem o cuidado devido, que atentas as circunstancias estava obrigada e era capaz de adoptar e que evitaria a produção do (…), resultado este que a arguida previu, confiando, todavia, que não se realizaria. (artigo 15.º, alínea a), do C.P.)

*

(…) agiu assim sem o cuidado devido, que atentas as circunstancias estava obrigada e era capaz de adoptar e que evitaria a produção do (…), resultado este que a arguida podia e devia prever, mas não representou como possível. (artigo 15.º, alínea b), do C.P.)

Posto isto, é fundamental a descrição de todos os elementos respeitantes ao dolo e à negligência, consoante o crime a imputar, após a descrição dos factos que o integram.

Quanto à aplicação de medidas de segurança devem ser descritos nos termos supra referidos os elementos objectivos do tipo (facto ilícito e típico), os factos caracterizadores da inimputabilidade31do arguido e os que concretizem o perigo efectivo da prática de factos da mesma espécie32 (Cfr. artigos 20.º e 91.º do C.P.).33

29 Acórdão da Relação de Coimbra de 01/06/2011, processo n.º 150/10.5T3OVR.C1, disponível in www.dgsi.pt. 30 A intenção de apropriação (nos crimes de furto e roubo); intenção de obter (…) enriquecimento (no crime de

burla); intenção de conseguir (…) enriquecimento (no crime de extorsão); intenção de alcançar um benefício patrimonial (no crime de usura); intenção de prejudicar os credores (no crime de insolvência dolosa); intenção de obter (…) vantagem patrimonial (no crime de recetação); intenção de causar prejuízo (nos crimes de falsificação ou contrafacção).

31 “(…) o pressuposto da aplicação de uma medida de segurança de internamento é a prática, pelo inimputável, não

de um mero ilícito-típico, mas de um facto criminoso, com a ressalva de todos os elementos que pertençam à categoria da culpa ou dela decorram” – Figueiredo Dias in Direito Penal Português, As consequências Jurídicas do Crime, 4.ª Reimpressão, Coimbra Editora, 2013, pág. 467.

32 A valoração do perigo assentará nas perícias.

33 Quanto à descrição dos factos que fundamentam a aplicação de uma medida de segurança veja-se (factos

provados) Acórdão da Relação de Lisboa, de 20/06/2017, Processo n.º 3835/12.8TACSC.L1-5, disponível in

www.dgsi.pt.

147

BOAS PRÁTICAS: NA ELABORAÇÃO DO DESPACHO DE ACUSAÇÃO EM PROCESSO PENAL 5. Contributos para um Código de Boas Práticas na elaboração do Despacho de Acusação em Processo Penal O grau de participação dos arguidos tem de constar da descrição factual. Assim, nos casos de co-autoria, instigação, autoria mediata e cumplicidade, deverá resultar da factualidade a concreta actuação de cada um dos agentes.34

Exemplo (co-autoria):

1. Em data não concretamente apurada, (A), (B) e (C) acordaram e elaboraram um plano entre si, com vista a deslocarem-se à residência sita (…), propriedade de (D), a fim de nela entrarem e se apoderarem de coisas de valor que aí encontrassem.

2. Assim, em execução do referido plano, no dia (...), pelas (…) os arguidos deslocaram-se à referida residência, fazendo-se transportar num veículo automóvel, com matrícula (…), conduzido pelo (B). 3. Aí chegados, (B) imobilizou o veículo em frente à vedação que circundava a referida residência, permitindo a saída de (C) e (A).

4. Após, enquanto (C) permaneceu do lado de fora, (A) subiu a vedação, entrando na propriedade, e em acto contínuo dirigiu-se à janela localizada nas traseiras da referida residência.

5. Seguidamente, de modo não concretamente apurado partiu a referida janela e através desta entrou no interior da habitação.

6. No interior da residência, (A) percorreu todas as divisões e do interior do quarto retirou uma pulseira de ouro amarelo no valor de 250,00€, um par de brincos em ouro amarelo no valor de 750,00€, e do interior da sala retirou uma playstation no valor de 300,00€ e quatro garrafas de Whisky, de marca Jameson, no valor de 24,00€, cada.

7. Na posse dos referidos objectos, (A) saiu do interior da residência pela referida janela que havia partido, dirigiu-se à vedação da referida residência e entregou os objectos a (C).

8. E enquanto (C) colocava os objectos na bagageira do veículo conduzido por (B), (A) subiu, novamente, a vedação, saindo para o exterior da propriedade.

9.Após, (A) e (C) entraram novamente no mencionado veículo e de imediato (B) iniciou a marcha do mesmo, abandonando o local.

10. Os arguidos actuaram em concertação de esforços e intentos, com uma divisão previamente acordada das tarefas, no intuito concretizado de fazer seus os referidos objectos (…).

Na eventualidade de falta de precisão na descrição objectiva das condutas de cada um dos agentes, antes da descrição do dolo poderá ser utilizada a seguinte fórmula35:

Os arguidos levaram a cabo os factos supra descritos conjuntamente, em conjugação de esforços e intentos, de modo que haviam combinado entre eles.

*

O arguido x – o instigado – apenas agiu de forma atrás descrita porque a tal foi convencido pelo arguido y – o instigador – que lhe incutiu a ideia de levar a conduta em apreço.

*

O arguido A (cúmplice), ao agir da forma descrita, pretendeu ajudar o arguido B (autor) na consecução dos seus intentos.

De igual modo, a consumação e a tentativa devem resultar da descrição fáctica.

34 Vide Acórdão da Relação de Guimarães, de 21/05/2018, Processo n.º 272/15.6GCBGC.G1, “II) Havendo vários

agentes, a acusação deverá ser tanto quanto possível concreta quanto à intervenção particular de cada um, sendo irrelevantes imputações genéricas ou coletivas, a não ser como enquadramento de factos devidamente individualizados. V) Não satisfaz esta exigência a acusação que, imputando a cada um dos dois arguidos, em autoria singular, a prática de vários crimes de injúria, não concretiza minimamente as condutas específicas de cada um deles, concretamente as palavras que dirigiu aos assistentes, ficando-se sem saber se ambos proferiram todas essas palavras ou se cada um deles apenas proferiu parte delas e, nesse caso, quais.”

35 Fórmulas de PAIVA, Vítor, ob. cit. página. 172.

148

BOAS PRÁTICAS: NA ELABORAÇÃO DO DESPACHO DE ACUSAÇÃO EM PROCESSO PENAL 5. Contributos para um Código de Boas Práticas na elaboração do Despacho de Acusação em Processo Penal