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Dos tipos de contrato de alienação fiduciária

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3 A ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA EM GARANTIA DE BENS

3.5 Dos tipos de contrato de alienação fiduciária

Como já ressaltado ao longo deste estudo, a instituição de alienação fiduciária em garantia de bens imóveis será sempre ligada a um outro negócio jurídico, ou seja, sempre será acessória a uma obrigação principal. Sendo assim, ela poderá ser utilizada nos mais variados tipos de contrato. A seguir serão apresentadas as características de três tipos de contratos, que são os mais utilizados na prática negocial.

3.5.1 Contrato de venda e compra de imóvel sem intervenção de instituição

financeira

Nesta situação, aquele que é proprietário de bem imóvel celebra um contrato de compra e venda e aceita receber o valor de forma parcelada diretamente do comprador. Além de analisar a capacidade de pagamento do comprador, o vendedor exigirá deste, como a garantia do cumprimento de sua obrigação, o próprio imóvel, especialmente porque nestes casos o comprador passará a exercer a posse direta, mesmo antes de promover a quitação dos valores a que se comprometeu.

Não há, portanto, a participação de nenhum outro ator contratual, a não ser o proprietário do imóvel, que assumirá a condição de credor fiduciário, e do adquirente do mesmo, devedor fiduciante.

Poderão figurar como vendedores e, consequentemente, como credores fiduciários, qualquer pessoa, física ou jurídica, que seja proprietária de imóvel.

Somente nesta situação é que a dicção legal do art. 30 da Lei nº 9.514/97 se aplicaria de forma correta, pois, aqui sim, o proprietário pleno do imóvel que celebrou o contrato de compra e venda com instituição de alienação fiduciária em garantia e transferiu ao adquirente a posse direta do mesmo, WHULDGLUHLWRj³UHLQWHJUDomRGHSRVVH´

Nas demais situações (que serão apresentadas à seguir), o mencionado dispositivo também pode ser aplicado, embora o fiduciário, ou quem o suceder, nunca tenha gozado plenamente da posse, de forma que é, no mínimo, estranho a possibilidade deles nela serem reintegrados.

3.5.2 Contrato de venda e compra de imóvel com participação de instituição

financeira

Aqui o contrato principal será uma venda e compra celebrada entre o proprietário do imóvel e o adquirente. Neste contexto, surge um terceiro, que será a responsável pela satisfação imediata do crédito do proprietário do imóvel e que ajustará com o comprador do LPyYHODIRUPDGH³UHSRVLomRGRHPSUpVWLPRRXGRFUpGLWRILGXFLiULR´ DUWLQF,, 

Normalmente, quem fará o papel de financiador será uma instituição financeira, sendo permitido, também, a qualquer pessoa física ou jurídica fazê-lo, devendo ser observado, se não for instituição financeira, os limites legais quanto à taxa de juros.

Esta modalidade, apesar de que a anteriormente indicada seja a forma clássica, é a mais utilizada no mercado imobiliário, especialmente por que as incorporadoras de imóveis, que geram o maior volume de venda, geralmente optam por receber o valor integral do imóvel no momento da entrega dos mesmos aos compradores, repassando a estes a obrigação de obter um financiamento bancário quando não têm condições de arcarem com a liquidação do valor da venda.

Para assumir a obrigação de promover o pagamento do valor do imóvel ao vendedor, a instituição financeira irá analisar a capacidade de pagamento do comprador e dele exigirá garantias de que, se não for promovido o pagamento, possa recuperar o seu crédito. Nesta situação é que o comprador transfere a propriedade fiduciária do imóvel que adquiriu à instituição financeira, que passará a ser o credor fiduciário.

Realizada a operação de financiamento com o proprietário do imóvel, recebendo o valor que ajustou com o adquirente diretamente da instituição financeira, o primeiro não fará parte da relação fiduciária acessória, pois recebeu o que lhe era devido e nada mais tem a reclamar. Responderá o vendedor, assim como em qualquer outro contrato de venda e compra, pelos defeitos no imóvel vendido nos termos do CC e CDC.

A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça e desta Corte tem admitido a legitimidade passiva do agente financeiro, juntamente com a construtora, nas ações em que se discute a responsabilidade por prejuízos causados ao mutuário-comprador do imóvel em razão de defeitos de construção. 2. Tendo em vista o caráter social dos empreendimentos financiados pelas instituições bancárias gestoras dos recursos do SFH, estão estas também comprometidas com sua consecução, de maneira solidária com o construtor, devendo ser apurada a culpa da instituição financeira, no curso da instrução processual, por negligência ao possibilitar o emprego indevido de fundos provenientes do SFH (TRF4, AG 2004.04.01.021084-7, Terceira Turma, Relator Luiz Carlos de Castro Lugon, DJ 27/10/2004).

Leonardo (2003, p. 210) sustenta que, para as situações em que os recursos são oriundos do SFH, a responsabilização solidária entre incorporadora e instituição financeira é

regra por força no disposto na Circular 22/84 do BNH e, sempre que houver vínculo explícito

entre aqueles dois na concessão de crédito e aquisição do imóvel, também deverá ser aplicada. Por sua vez, em se tratando de compra e venda de imóveis prontos, como a instituição financeira não foi vendedora do imóvel nem forneceu recursos para sua construção, mas apenas outorgou ao comprador, devedor fiduciante, os meios para que este quitasse a obrigação assumida junto ao vendedor, entende-se que ela não responderá por

eventuais problemas apresentados no imóvel49.

3.5.3 Contrato de compra e venda por meio de consórcio

Situação idêntica à apresentada poderá ocorrer quando a compra e venda for realizada mediante o pagamento de quota de consórcio contemplado em favor do devedor fiduciante, mas, ainda, sem pagamento integral das prestações do consórcio.

Não haverá nenhuma alteração da posição do proprietário do imóvel em relação ao contrato de financiamento, pois receberá da administradora de consórcio o valor total da venda ou o valor parcial com a complementação, por meio de recursos próprios do adquirente, e dará plena quitação.

O devedor fiduciante, que neste caso não terá o valor financiado por instituição financeira, e sim, por recursos decorrentes do autofinanciamento, continuará a promover o pagamento das prestações do consórcio da forma e nas condições que havia pactuado anteriormente e alienará fiduciariamente em garantia o imóvel que adquiriu em favor da administradora.

Uma vez liquidado o consórcio com o pagamento de todas as prestações exigidas, a propriedade fiduciária se extinguirá e o devedor fiduciante, que já exercia a posse direta, terá a propriedade plena do imóvel, como em qualquer outro contrato que estabeleça a alienação fiduciária em garantia de bens imóveis. Como lecionam Restiffe Neto e Restiffe:

49 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 310.336. Ementa: Mútuo para aquisição de

imóvel pronto. Responsabilidade do agente financeiro. 1. Tratando-se da aquisição de imóvel pronto, como destacado no Acórdão recorrido, não há falar em responsabilidade da instituição financeira que, pura e simplesmente, contratou o mútuo. 2. Recurso especial não conhecido. Relator: Ministro Carlos Alberto Menezes Direito. Distrito Federal: Diário da Justiça em 18 de março de 2002, p. 246.

A diferença prática mais sensível que distingue as modalidades de garantia fiduciária imóvel, a de mercado e a de consórcio, é que: a de mercado é com juros, mas sem saldo devedor; enquanto a de consórcio é sem juros, mas com saldo devedor (RESTIFFE NETO e RESTIFFE, 2009, p. 202).

É justamente essa diferenciação que traz consequências distintas para o caso de inadimplemento contratual do devedor fiduciante e a subsistência de saldo devedor, após a venda do imóvel em leilão público, conforme se verá adiante50, quando for tratado sobre a extinção do débito após venda do imóvel em leilão ou a transferência definitiva e irrestrita ao patrimônio do credor fiduciário.

3.5.4 Contratos de financiamento

Embora o objetivo principal da Lei nº 9.514/97 seja o de fomentar o mercado imobiliário com a realização de transações que facilitem o acesso aos bens imóveis e às linhas de crédito necessárias para o funcionamento do setor, é possível que a alienação fiduciária em garantia de bens móveis seja contratada em outras situações.

Um exemplo dessa utilização ocorre quando alguém, tendo um débito junto a terceiro, seja ele decorrente de atividade empresarial, como antecipação de recebíveis e financiamento de capital de giro, ou de obrigações pessoais, como empréstimos para honrar esta ou aquela situação, busca junto ao credor melhores condições de pagamento, propondo, na maioria das vezes, redução de taxa de juros e alongamento da dívida, se dispõe a ofertar em garantia um bem imóvel.

Qualquer credor, ao se sentir mais seguro quanto à possibilidade de receber o seu crédito, oferece ao devedor taxas de juros menores e prazo maior para pagamento, tanto que, a taxa média de juros de cheque especial no mês de julho de 2011 foi de 187,99% ao ano51, enquanto a taxa média de juros para contratos de financiamento de veículos, em que é

utilizada a alienação fiduciária de coisas móveis, foi de 29,46% ao ano52. E mais, quando a

operação realizada com garantia de alienação fiduciária de imóveis, a taxa de juros não supera 20% ao ano, conforme tabela a seguir:

50 Item 3.7.1.

51 BRASIL, Banco Central do. Taxas de Operações de Crédito. Disponível em: <

http://www.bcb.gov.br/?txcredmes>. Acesso em: 24 de agosto de 2011.

52 BRASIL, Banco Central do. Taxas de Operações de Crédito. Disponível em: <

Banco do Brasil - Linhas de financiamento - Pessoa Física Garantia do financiamento: Alienação Fiduciária do imóvel Limites de

Financiamen to (Min. R$

20mil)

Valor do Imóvel Sistema de

Amortização Encargos Price SAC SFH - Sistema Financeiro Habitacional Valor de financiamento até R$ 400 mil

Até R$ 150 mil 12,89% a.a. TR+8,90% a.a.

Administ./manut. do contrato: R$ 25.00 (cobrada mensalmente) + Tarifas Gerais + Seguros Habit. Entre R$ 150 e R$ 500 mil 12,89% a.a. TR+10,00% a. CH - Carteira Hipotecária Valor de financiamento até R$ 1,5 milhão

Até R$ 150 mil 13,00% a.a TR+11% a.a. Tarifas Gerais + Seguros Habit. Entre R$ 150 e R$ 500

mil / Entre R$ 500 mil e R$ 5 milhões 13,00% a.a TR+11% a.a. SFI - Sistema Financeiro Imobiliário Valor de financiamento até R$ 5 milhões

Imóvel Comercial até R$

120 mil 16,56% a.a. TR+14,98%a.a Tarifas Gerais + Seguros Habit. Imóvel Comercial de R$

120 a R$ 350 mil 18,43% a.a. TR+15,84%a.a Imóvel Comercial acima

de R$ 350 mil

19,83% a.a.

TR+17,92% a.a

QUADRO 3 : Linhas de financiamento para Pessoa Física Banco do Brasil.

Fonte: BANCO DO BRASIL. Pesquisa realizada em 16 de agosto de 2011 no site

http://www.bb.com.br/portalbb/page44,116,2117,1,1,1,1.bb?codigoMenu=172&codigoNoticia=8550&codigoRet =184&bread=5. O quadro foi confeccionado a partir das informações obtidas.

Nos casos apresentados, a propriedade plena do bem imóvel ofertado em garantia era do devedor, que, naquela época, ainda não era devedor fiduciante, e resolveu transferir a propriedade fiduciária ao seu credor. Esse tipo de contratação traz benefícios às duas partes: ao credor, que terá uma garantia real, passível de rápida e certa retomada em caso de inadimplemento do devedor; e ao devedor, pela possibilidade de obter melhores condições para pagamento de seu débito, sem necessidade de deixar de utilizar o bem da forma com que o fazia antes da instituição da propriedade fiduciária.

Aqui, a crítica da redação do art. 30 da Lei nº 9.514/97 pode ser mais veemente, pois o devedor fiduciante, que detinha a propriedade e a posse do imóvel, transfere a primeira, permanecendo inalterada a sua situação em relação à segunda, ao credor fiduciário, durante a avença, retomando a propriedade, uma vez satisfeita a obrigação. Porém, caso não honre com o pactuado e a propriedade seja consolidada em nome do credor, ele poderá ser reintegrado na posse de um imóvel que nunca deteve. O correto seria permitir a imissão de posse.

patrimônio do devedor fiduciante, o STJ, embora analisando a garantia sob a ótica dos bens móveis, publicou, em 08/10/1991, a Súmula nº 28, na qual consolida entendimento no sentido

de que ³R contrato de alienação fiduciária em garantia pode ter por objeto bem que já

integrava o patrimônio do devedor´.

Esses são alguns exemplos de utilização da alienação fiduciária em garantia de coisa imóvel, na forma estabelecida na Lei nº 9.514/97, porém, como a lei não limita a sua utilização e as necessidades da sociedade, o poder de criação de novas formas e fórmulas pelos contratantes é inesgotável. Cada vez mais tal instituto será utilizado como garantia nos mais variados tipos de contrato.

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